Conab nega influência do governo em leilão de arroz; ex-assessor de Neri Geller representa três empresas vencedoras

(Por Fernanda Farias, Estadão) Três das quatro empresas que compraram 263,37 mil toneladas de arroz no primeiro leilão da Companhia Nacional de Abastecimento(Conab) não têm qualquer ligação com o cereal. A Wisley A. de Sousa Ltda é uma loja de queijos de Macapá, capital do Amapá; a Icefruti Indústria e Comércio de Alimentos Ltda é uma fábrica de sucos e sorvetes de Tatui (SP); e a ASR Locação Venda Maquinas Ltda, do Distrito Federal, aluga e vende veículos agrícolas. A Zafira Trading é a única do ramo, atua na venda de grãos. Localizada em Florianópolis (SC), adquiriu 73,827 mil toneladas.

A fábrica de sucos e sorvetes levou 22,5 mil toneladas em dois lotes, enquanto a locadora de máquinas comprou 19,740 mil toneladas de arroz, também em dois lotes. Essa já participou de outros leilões da Conab, segundo a companhia. Já o comércio do norte do país que tem o nome fantasia de “Queijo Minas” estreou nos certames e arrematou o maior volume de arroz. Foram 147,303 mil toneladas distribuídas em seis lotes, o que vai resultar em R$ 736 milhões pagos pela Conab.

Só que para garantir a continuidade do processo – e o pagamento do dinheiro após a entrega do arroz importado – as empresas precisam apresentar uma garantia de 5% do valor total até o dia 13 de junho. No caso da Wisley, são R$ 36 milhões de reais, bem superior ao capital social informado pela empresa no site da Receita Federal, de R$ 5 milhões.

Em entrevista ao Agro Estadão, o diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, diz que a companhia não está preocupada com o fato de a empresa de Wisley ser desconhecida e com o risco de ela não ter capital suficiente.

“As Bolsas são responsáveis por verificar a regularidade das empresas”, afirmou. “Nós só ficamos sabendo quem são as empresas quando os corretores fazem a ata do leilão, no final”, completou o executivo.

Segundo ele, se a garantia não for apresentada, o negócio não será efetivado e, se for preciso, se fará outro leilão. “Estamos bem seguros com a operação. Não existe entrega de produto errado na Conab. Ou entrega ou não entrega”, explica . “Em hipótese alguma, nós teremos prejuízo nessas operações feitas quinta-feira, 6 ou em qualquer outra”, completa.

O Agro Estadão ligou para todos os telefones da loja de queijos encontrados, mas as ligações não foram atendidas. O responsável pela BMCL (Bolsa de Mercadorias e Cereais de Londrina), que representou a empresa no leilão, não quis comentar o assunto.  Por telefone, Luiz Roberto Ferrari disse que a BMCL “só operacionalizou a compra” e sugeriu procurar a Wilsey.

A ASR também tem capital de R$ 5 milhões na Receita Federal, enquanto a Icefruit declarou R$ 14,051 milhões. O Agro Estadão não conseguiu contato com os responsáveis das duas empresas.

Bolsa de Mercadorias que representou três empresas em leilão da Conab é de ex-assessor de Neri Geller
As operações das empresas ASR, Icefruit e Zafira Tranding no leilão de arroz foram feitas pela mesma Bolsa credenciada na Conab. A Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) já participou de outros leilões da companhia, como de frete e de grãos.

A BMT foi criada em maio de 2023, por Robson Luiz Almeida de França. O empresário já trabalhou no gabinete na Câmara dos Deputados de Neri Geller, que fez carreira política em Mato Grosso e já foi ministro da Agricultura em 2014 e secretário de Política Agrícola do Mapa em 2013 e de 2016 a 2018, mesmo cargo que ocupa atualmente. No Portal da Transparência da Câmara, França aparece como secretário parlamentar de Geller entre dezembro de 2019 e julho de 2020.

O diretor de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos – que também já foi assessor de Geller de 2019 a janeiro de 2023, disse que o fato é uma coincidência. “Tinha seis bolsas participando do leilão, mas só duas apresentaram lances”, afirmou. Segundo ele, a BMT foi cadastrada no ano passado, junto com outras duas novas bolsas, totalizando 13 participantes do mesmo ramo.

Questionado se a ligação poderia influenciar ou facilitar a operação do leilão de arroz, o executivo da Conab explicou que “as empresas podem escolher qualquer bolsa”.

Procurado pelo Agro Estadão, o secretário Neri Geller disse que não sabia que o ex-funcionário tinha participado do leilão e negou qualquer interferência. “Zero ligação. Não consigo ver onde eu poderia influenciar ou ajudar. É bolsa de valores!”, afirmou.

Robson Luiz Almeida de França, da BMT, não atendeu às nossas ligações nem respondeu às mensagens.

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