Crise à vista? Queda no consumo sinaliza nova recessão, dizem especialistas
Dado negativo em abril se junta a quedas na indústria e na venda de automóveis e alerta para possível retração do PIB no segundo trimestre, após queda de 0,2% no primeiro.
Divulgada nesta quarta (12) pelo IBGE, a queda de 0,67% no comércio em abril, na comparação com o primeiro trimestre, acendeu um sinal de alerta a respeito de uma possível entrada do país em recessão.
Para especialistas ouvidos pelo Valor Investe, o dado – e em particular a influência sobre ele da queda de 1,8% nas compras em supermercados – é indicativo de que a economia pode se contrair no segundo trimestre.
“De fato, entramos no trimestre com o pé esquerdo. Estamos com indicadores muito fracos, fragilizados, e podemos, sim, ter um PIB negativo ou muito próximo de zero”, comenta o economista André Perfeito.
Caso isso se confirme, o Brasil entrará oficialmente em recessão. Considera-se em retração a economia quando o resultado é negativo em dois trimestres seguidos, e o PIB já caiu 0,2% no primeiro.
Para se ter ideia do risco, Perfeito previa uma alta de apenas 0,8% em 2019 e já teme ter de rever as contas, visto que, para chegar a esse resultado, era preciso uma alta de 0,3% neste segundo trimestre.
“O Focus revisou de novo o PIB para 2019, está em 1%. E acho que tem que cair mais ainda; as hipóteses mais otimistas a respeito da atividade econômica já não se sustentam”, diz o economista.
De fato, os sinais de que a vaca pode estar indo para o brejo se acumulam:
• o volume de vendas do varejo no Brasil caiu 0,67% em abril na comparação com março;
• cinco das oito atividades pesquisadas mostraram taxas negativas na comparação mensal;
• entre as quedas estão as de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (menos 8%) e – importante! – supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (menos 1,8%);
“O que mais chamou a atenção foi esse item que faz parte do dia a dia das pessoas; a queda em supermercados acende a luz amarela, sim”, comenta Ricardo Jacomassi, economista da TCP Latam.
Segundo ele, favorece esse cenário uma combinação de desemprego, redução do crédito, “com os bancos ficando mais seletivos”, e incerteza das famílias, o que faz adiar decisões de compra.
“E a questão política também tem gerado incertezas”, completa Jacomassi.
Na última semana, outros indicadores ruins foram divulgados:
• a indústria subiu 0,3% em abril frente a março; na comparação com abril de 2018, porém, houve queda de 3,9%, e, nos quatro primeiros meses de 2019, o setor acumula perdas de 2,7% na base anual;
• inadimplência em alta: as dívidas em atraso superam em mais de três vezes o salário mínimo, e o devedor fechou maio com dívida de R$ 3.239,48; é 41% mais que a renda média mensal (R$ 2.291, segundo o IBGE) e cada consumidor negativado têm duas dívidas em aberto;
• as vendas de veículos, que têm sustentado o varejo, dão sinais de enfraquecimento; segundo a Boa Vista SCPC, a concessão de crédito para comprar carros chegou ao 13º mês seguido de desaceleração; o mesmo aconteceu com as vendas propriamente ditas, cujo aumento em 12 meses caiu de 15% em dezembro para 11% em abril de 2019;
• o relatório Focus, do Banco Central, reduziu novamente nesta semana a previsão de crescimento do PIB em 2019, agora para 1%; desde o início do ano, a estimativa caiu 60%.
Apenas um dos analistas ouvidos crê que é precipitada a conclusão de que a queda no comércio em abril sinaliza retração do PIB no trimestre.
É Thomas Sarquis, especialista em macroeconomia da Eleven Financial:
“É um primeiro dado, ainda tem maio e junho. Há, sim, um contágio da fraqueza do primeiro trimestre, mas a gente ainda não vê indícios de recessão.”
Sarquis destaca que o contágio deve ser balanceado pelo resultado ruim de 2018, gerando comparação favorável nos meses por vir. Ele vê a confiança em alta e acredita que ela antecipa a atividade econômica.
“Há uma expectativa de que as reformas avancem, principalmente a da Previdência, o que resgataria os indicadores no fim do segundo trimestre e no início do terceiro.”
Pressão sobre o Banco Central
O Copom se reúne na próxima semana sob expectativa – ou torcida? – de parte do mercado por uma redução da taxa Selic, de 6,5% para 6,25%, e os especialistas acreditam que a combinação entre acúmulo de indicadores negativos e inflação baixa aumenta a pressão para reduzir os juros.
Mas isso, além de pouco provável, pode ser ineficiente, alerta André Perfeito.
“Não adianta ter a taxa de juros no lugar certo e a economia no lugar errado. Os juros não têm paralelo na atividade econômica, dado o elevado nível de falta de mão de obra e de vagas de trabalho. Quem vai puxar o crescimento?”
Segundo ele, agrava a situação a postura ortodoxa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de evitar medidas que influenciem a demanda e preferir focar em ações que afetam a oferta: “O problema é que isso por definição demora [a dar resultados]. O governo está deixando o presente para depois”.
Neste sentido, Jacomassi, da TCP Latam, afirma que o governo poderia considerar permitir o acesso das famílias ao FGTS, como alternativa à decrescente oferta de crédito por parte dos bancos.
O que muda para o investidor?
Para Jacomassi, a perspectiva de uma recessão “oficial” abre oportunidades de investimentos.
“O investidor deve procurar ativos baratos, que, no curto prazo, podem ter retorno melhor do que outras ações. Bancos, por exemplo, têm papéis em níveis caros; talvez ações da atividade real, como o segmento industrial ou o de alimentos e bebidas.”
Perfeito concorda e chama a atenção para a tendência de ganho da renda variável sobre a renda fixa.
“O valuation das empresas se baseia na taxa de desconto do fluxo de caixa. De forma geral, se essa taxa é menor, o valor presente tende a ser maior, ou seja, a bolsa pode subir bastante em junho.”
Já para os empreendedores, a perspectiva de recessão é muito nociva. “Não é um momento de tomar mais risco. O empresário tende a adiar decisões de abrir novos negócios ou investir.”