DANINHA NO SUL Alimento no Norte

 DANINHA NO SUL Alimento no Norte

José Almeida Pereira (de chapéu): decifrando o vermelho no Nordeste

O arroz vermelho de vilão a bênção do Sul ao Norte.

As dimensões continentais do Brasil impõem variáveis às vezes curiosas para uma mesma cultura. E no caso do arroz não é diferente. O arroz vermelho (Oryza sativa L.) é um caso clássico para essa dicotomia. No Sul é a principal erva daninha dos arrozais e fator de perdas volumosas nas colheitas dos gaúchos. Tanto que levou a pesados investimentos e determinou os rumos das pesquisas de manejo e controle de invasoras nas duas últimas décadas. No Nordeste, porém, a variedade vermelha é uma iguaria gastronômica e fator de subsistência do agricultor. Afora isso, consolida-se como importante patrimônio genético e base para os programas de melhoramento de arroz nos centros de pesquisas.

No Rio Grande do Sul, só na safra 2003/2004 surgiu uma ferramenta de grande eficácia para controle da infestação de vermelho nas lavouras: o sistema Clearfield. Como é da mesma família, o vermelho cruza com o arroz branco, de maior valor comercial, e por sua característica de ciclo mais rápido e fácil debulha, formava um banco de sementes cada vez maior para reinfestação nas próximas safras. O custo da lavoura crescia a cada ano nos componentes de controle. Com o sistema Clearfield, de fácil aplicação e eficiência de até 98% do controle, mais de 70% das áreas infestadas foram limpas no estado.

NORDESTE – Mas apesar de ser uma “praga” no Sul e uma cultura desconhecida da população brasileira, o arroz vermelho (Oryza sativa L.) é considerado um dos principais componentes na dieta alimentar dos habitantes do sertão nordestino. O alimento é cultivado principalmente na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Bahia e Alagoas. Esta curiosidade levou um dos importantes pesquisadores de arroz no Brasil, José Almeida Pereira (Embrapa Meio Norte/PI), a pesquisar o assunto e lançar em dezembro de 2005 um livro esmiuçando essas características de produção e consumo regional. O livro “O arroz vermelho cultivado no Brasil”, lançado pela Embrapa Meio Norte, do Piauí, apresenta informações gerais e técnicas sobre esse patrimônio alimentar e genético. 

 

Regime artesanal

Entre as principais características do cultivo do arroz vermelho no nordeste brasileiro, destaca-se o fato do cereal ser plantado por pequenos agricultores em regime de produção familiar e com baixa tecnologia. O pesquisador Pereira destaca que trata-se de um alimento altamente saboroso e consumido por todas as classes sociais nordestinas e com uma demanda crescente. “O mercado é considerável, mas a produção muito pequena e artesanal”, explicou o pesquisador José Almeida Pereira, da Embrapa Meio Norte.

Atualmente, a maior área plantada no Brasil concentra-se no Vale do Rio Piancó, na Paraíba. Segundo Pereira, esse local é considerado o refúgio do arroz vermelho no Brasil e a área plantada fica em torno de seis mil hectares. O sistema de cultivo do arroz vermelho se dá em várzeas, dependente da água das chuvas, mas há alguns agricultores que o cultivam em condições irrigadas. A produtividade das cultivares tradicionais é muito baixa (cerca de dois mil quilos/hectare), mas há cultivares com o mesmo potencial de produção do arroz branco irrigado, em torno de cinco a seis mil quilos/hectare.

Além da baixa tecnologia agregada ao processo de produção, outros dois problemas enfrentados na cultura do arroz vermelho são o alto índice de acamamento e o baixo percentual de grãos inteiros por ocasião do descascamento. São raras as indústrias que trabalham com este produto e, na maioria das vezes, o processo de descascamento é artesanal. O normal é os produtores ”salvarem” sementes da própria safra de um ano para o outro até por uma questão de segurança alimentar.

FIQUE POR DENTRO
O arroz vermelho foi trazido ao Brasil pelos portugueses em 1535, por meio da capitania de Ilhéus, na Bahia. Foi o primeiro tipo de arroz a chegar ao Brasil. O arroz branco só chegou em 1765, principalmente pelo Maranhão.

MERCADO GARANTIDO

Apesar de tratar-se de um produto de boa qualidade alimentar, bastante consumido e integrante de uma rica culinária regional no Nordeste, o arroz vermelho está correndo o risco de extinção nessa região brasileira. Atualmente são plantados menos de 10 mil hectares de arroz vermelho no Brasil. Destes, cerca de seis mil hectares estão na Paraíba, principalmente no Vale do Rio Piancó. O restante vai do Ceará ao norte de Minas, em regiões muito específicas e, notadamente, de minifúndio e produção familiar.
A forte concorrência da indústria do arroz branco e o acelerado êxodo rural na região produtora são algumas razões destacadas pelo pesquisador José Almeida Pereira, no livro “O arroz vermelho cultivado no Brasil”, para o risco de perda de material genético.

Este cenário, no entanto, faz com que seu valor de mercado seja bem superior ao arroz tradicional, criando um nicho de comercialização bastante interessante.

Segundo Pereira, o arroz vermelho chega a valer o dobro do melhor arroz branco vendido no país. “Não se trata de uma novidade, mas de um mercado que existe há mais de 200 anos nessa região. Em algumas regiões do Nordeste o arroz branco nunca entrou. O nordestino acostumado a esse cereal de sabor e aroma peculiar diz que o branco não tem sabor algum”, explica. Estes 200 anos de história do arroz vermelho no dia-a-dia do sertão nordestino também geraram uma rica culinária regional.

Uma peculiaridade é destacada pelo pesquisador da Embrapa. “Quando o arroz é preparado puro, termina de cozinhar no leite, pois tem como característica empapar bastante”, relata. O início do cozimento da variedade se dá com água, mas depois que essa primeira água seca na panela, é acrescentada uma caneca de leite e o sal. Na Paraíba esse prato é conhecido como arroz-de-leite.

O trabalho ainda revela que as formas de consumo do cereal variam de acordo com a região. No sertão paraibano, por exemplo, ele é consumido principalmente com feijão-de-corda e queijo coalho, num prato conhecido como arrubacão. Em outras regiões, ele é utilizado na alimentação de crianças, na forma de caldo de arroz.

SAIBA MAIS 

Ainda não há dados conclusivos acerca do valor nutritivo do arroz vermelho, mas constata-se, porém, que ele termina sendo mais nutritivo do que o branco, não pelo fato de ser vermelho, mas porque é consumido na forma integral ou semi-integral, pois do contrário perde sua característica principal, que é a cor do pericarpo. E tem a larga preferência de consumo em algumas áreas do Nordeste pelo seu sabor, bastante diferenciado do cereal branco.

DESTAQUE

O arroz vermelho cultivado no Nordeste pertence à mesma espécie do arroz vermelho planta invasora (Oryza sativa). A diferença é que, botanicamente, um existe já na forma cultivada, enquanto o outro é uma forma espontânea. Ou seja, enquanto o cultivado vem sendo submetido a um longo processo de seleção, o espontâneo, como o nome diz, continua uma planta silvestre.

Mais informações sobre o livro “O arroz vermelho cultivado no Brasil” podem ser obtidas pelo telefone (86) 3225-1141 ou pelo e-mail sac@cpamn.embrapa.br.

 

Cereal corre risco de EXTINÇÃO 

A importância da preservação da variabilidade genética do arroz vermelho, para manter a qualidade do alimento e promover seu melhoramento genético, também é alvo de preocupação dos pesquisadores. “Infelizmente, a tendência aponta para a extinção do arroz vermelho. E a falta de pesquisas nessa área pode contribuir para o desaparecimento de vários genes de interesse importantes para a segurança alimentar das famílias nordestinas”, afirma José Almeida Pereira, da Embrapa Meio Norte.

Pereira explica que todas as 23 espécies de arroz catalogadas pela pesquisa no mundo inteiro são vermelhas. Só no caso da Oryza sativa houve uma mutação e surgiu também o arroz branco. “Por isso o arroz vermelho, de uma forma geral, jamais vai acabar. O arroz branco sempre busca uma volta a sua origem genética”, explica. Segundo o pesquisador da Embrapa, jamais houve produção de sementes do arroz vermelho, o que só está sendo iniciado atualmente, a partir de trabalhos desenvolvidos pela Embrapa.

MELHORAMENTO

A Embrapa já realizou coletas de material que se encontra nas principais regiões produtoras nos bancos ativos de germoplasma da Embrapa Arroz e Feijão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e da Embrapa Meio Norte. Ao mesmo tempo, a Embrapa Meio Norte e a Embrapa Arroz e Feijão estão desenvolvendo um programa de melhoramento genético com o objetivo de conseguir nos próximos anos variedades de arroz vermelho mais produtivas e com melhores características agronômicas do que as atuais.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter