Disputa no Mercosul atrasa abertura de painel do arroz
Divergência entre produtores põe em xeque briga com americanos.
A falta de consenso entre os arrozeiros do Mercosul está retardando o avanço das negociações para a abertura de um painel (comitê de arbitragem) conjunto do bloco, na Organização Mundial do Comércio (OMC), contra a política de subsídios ao arroz praticada pelos Estados Unidos. Os estudos preliminares para a abertura do painel estão parados desde o último mês de setembro.
Havia uma expectativa de que os arrozeiros brasileiros poderiam unir forças, aliando-se aos produtores da Argentina e do Uruguai, para a abertura do processo em Genebra. Os arrozeiros brasileiros, entretanto, questionam a entrada de arroz dos vizinhos no país. Os produtores argumentam que a oferta do Mercosul tem contribuído para pressionar os preços domésticos.
Em entrevista ao Valor, Pery Sperotto Coelho, presidente do Instituto Riograndense do Arroz (Irga), tenta ser diplomático. Ele reforça que os arrozeiros têm a intenção firme de questionar os subsídios na OMC, mas precisam de “amadurecimento para buscar um planejamento da oferta”.
“A idéia é criar um modelo exportador para o bloco, mas hoje as atenções estão voltadas para os problemas de oferta no próprio Mercosul”, afirma Coelho.
O Brasil já importava arroz de seus vizinhos antes mesmo da formação do Mercosul. Em 1990, ano oficial de formação do bloco, o consumo brasileiro estava em 11,5 milhões de toneladas, para uma produção doméstica de 10 milhões de toneladas. Os sócios do Mercosul ganharam preferência para o abastecimento. “O problema é que, neste ano, o Brasil tornou-se auto-suficiente e o arroz desses países continua entrando e pressionando os preços domésticos”, observa Marco Aurélio Tavares, diretor da Federação dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).
Os produtores gaúchos, responsáveis por 50% da oferta do país, estudam uma ação judicial para barrar o arroz vizinho. A Federarroz defende também a volta da cobrança de PIS/Cofins para o arroz importado.
Mas, apesar da ameaça de ofensiva aos países do Mercosul, os produtores brasileiros acreditam que a abertura do painel em parceria com os países vizinhos não seria prejudicada. “Estamos jogando todas as cartas para tentar bons resultados aqui e no mercado externo”, diz Tavares.
Até o momento, o Ministério da Agricultura não recebeu pedido do setor solicitando a revisão do acordo do arroz no Mercosul.
Na opinião de Pedro de Camargo Neto, coordenador de relações internacionais da Sociedade Rural Brasileira (SRB), a união dos países do Mercosul num eventual processo na OMC é importante. E, segundo ele, as divergências entre o Brasil e seus vizinhos não inviabilizaria o processo. Ele pondera, contudo, que o fato do Brasil não ser exportador enfraquece o caso. Argentina e Uruguai exportam 4,1% do volume global. Portanto, são prejudicados pela concorrência desleal.
No final de agosto, Camargo apresentou um estudo preliminar sobre a possível abertura de painel durante o Congresso Orizícola, no Rio Grande do Sul. No mês seguinte, os representantes do Mercosul reuniram-se na Argentina para discutir a proposta do painel. Hoje o assunto está engavetado. “Os subsídios prejudicam todo o Mercosul. O Brasil tentou exportar várias vezes, mas os Estados Unidos cobriram a proposta vendendo abaixo do valor de mercado”, disse Valter Pötter, presidente da Federarroz.
Terceiro maior exportador de arroz do mundo, os Estados Unidos concederam US$ 5,8 bilhões em subsídios entre 1999 e 2002. Apenas em 2002, os EUA pagaram US$ 699 milhões em empréstimos para marketing, US$ 729 milhões em pagamentos diretos e contra-cíclicos, US$ 15 milhões em seguro-safra e US$ 84 milhões em crédito à exportação.
Segundo Camargo, o pioneirismo de um caso do arroz na OMC seria a questão de ameaça de dano. Embora a possibilidade de contestar ameaça exista nas regras da OMC, a jurisprudência é limitadíssima. “Lógico que contestar o dano é mais simples do que contestar a ameaça de dano. Mas é preciso, porém, avançar”.
Entre as vantagens no painel, está o fato de que o arroz passa a ganhar prioridade na agenda do governo. Define-se também com clareza os pontos do atual acordo sobre agricultura, com os níveis e tipos de subsídios, que precisam ser alterados ou por meio de uma possível vitória na OMC, ou por meio da Rodada Doha.
A inclusão da Tailândia no painel contra os EUA chegou a ser cogitada pelos produtores brasileiros. Mas a inclusão foi descartada, uma vez que os subsídios concedidos pelo governo daquele país aos seus produtores não interferem na competitividade no comércio internacional.