Efeito estufa cria novo tipo de arroz: viçoso e sem nutrientes
Com a concentração cada vez maior de dióxido de carbono na atmosfera, o cereal até cresce mais; não significa que ele continua nutritivo.
O efeito estufa provocado pela atividade humana no planeta ameaça tornar o arroz menos nutritivo, alertam os cientistas, levantando uma possibilidade preocupante a respeito do ingrediente que é a base da alimentação de bilhões de pessoas.
Um estudo descobriu que o arroz contém níveis mais baixos de vitaminas-chave quando é cultivado em meio a altas concentrações de dióxido de carbono, o mais comum dos gases do efeito estufa que causam o aquecimento global.
“Se não fizermos nada, então, sim, existe potencial para um impacto negativo e profundo para a saúde humana”, diz Kristie Ebi, pesquisadora da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo, que também envolveu cientistas de instituições na China, Japão, Austrália e Estados Unidos, incluindo o departamento norte-americano de Agricultura (USDA).
Arroz e efeito estufa
O trabalho, conduzido no Japão e na China, examinou 18 variedades de arroz em experimentos a campo, em que as plantas foram submetidas a concentrações atmosféricas de dióxido de carbono entre 568 e 590 partes por milhão.
Os índices atuais giram em torno de 410 partes por milhão, mas esse número cresce cerca de 2 partes por milhão todos as anos, podendo atingir as concentrações da pesquisa já no final deste século.
O arroz responde por “aproximadamente 25% de todas as calorias globais”, segundo o estudo conduzido pela pesquisadora Chunwu Zhu, da Academia Chinesa de Ciências. A investigação concluiu que em altas concentrações de dióxido de carbono, a colheita apresentou menos vitaminas B1, B2, B5 e B9 (neste último caso, ligado ao ácido fólico, a queda foi de 30%), além de confirmar descobertas anteriores em relação às reduções de proteína, ferro e zinco.
“Estudos têm sido feitos ao longo dos últimos cem anos sobre a importância das vitaminas do complexo B”, comenta Ebi. “Um dos nutrientes que cai com a maior concentração de CO2 é o ácido fólico. E nós sabemos que a deficiência dele em mulheres grávidas pode resultar em crianças com vários problemas de nascença. É algo extremamente importante para todos nós, especialmente para a saúde das gestantes e das crianças.”
Aquecimento global e agricultura
O trabalho casa com outra pesquisa recente, que sugere que o trigo, que também é essencial para a agricultura e a alimentação em nível global, pode sofrer perdas de produtividade com o aquecimento global.
As consequências para o cereal estão firmemente atreladas ao aumento da temperatura, mas para o arroz, o problema mais imediato ocorre com o crescimento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera.
Os vegetais absorvem carbono do ar e crescem, e irão tirar (e crescer) ainda mais se os níveis aumentarem. A questão é que outros aspectos do metabolismo das plantas podem não manter o ritmo, o que significa que esses componentes tirariam menos nutrientes do solo durante o crescimento e, proporcionalmente, mais carbono.
Essa é a mudança no aspecto da planta que, em contrapartida, traduz-se nas alterações do conteúdo nutricional para quem vai se alimentar dela.
"O CO2 é o alimento do vegetal, no sentido de que aumenta o crescimento dele”, pontua Lewis Ziska, do USDA, que participou do estudo. “Porém, geralmente quando as plantas crescem mais, isso não significa necessariamente que você vai conseguir a mesma qualidade.”
Como resultado, Ebi e Ziska dizem que o arroz pode, na verdade, já estar perdendo alguns nutrientes em função das atuais concentrações de gás carbônico na atmosfera – mas a pesquisa ainda não foi capaz de confirmar essa hipótese. Para isso, seria necessário comparar o ingrediente de hoje àquele cultivado décadas trás, o que significaria usar amostras que, de alguma forma, tenham sido preservadas.
O trabalho também se encaixa em um tema crescente nas descobertas a respeito do clima, que é o fato de que as pessoas mais pobres do planeta são as que mais sofreriam com esse tipo de mudança, com chances mínimas de adaptar ou diversificar suas dietas para obter esses nutrientes de outras formas. “Quando você pensa em quem consome amido como a maior parte da dieta, geralmente são os mais pobres, em todos os países”, salienta Ebi.