Em busca das duas safras

 Em busca das duas safras

Trigo em área de arroz é um dos focos da pesquisa

Embrapa assume o suporte em pesquisas do projeto Duas Safras

 

Com cerca de cinco milhões de hectares de terras baixas, das quais menos de 1,5 milhão está em uso para a produção de grãos, boa parte apenas no verão, o Rio Grande do Sul tem potencial de praticamente dobrar suas colheitas, em especial no inverno, por meio da intensificação de cultivos. Atualmente, cerca de 950 mil hectares são destinados à produção de arroz, 436 para a soja e estima-se que outros 18 mil hectares para o milho em áreas de várzea. Parte ainda é usada em pecuária extensiva, com algum avanço no sentido de usar pastagens nativas melhoradas.

O inverno, porém, vê as áreas de lavouras caírem a um quinto no estado, e mais ainda nas terras de várzeas. Atualmente, estima-se entre três mil e cinco mil hectares com cultivos de inverno, em especial o trigo, em áreas de arroz e sobre sulco-camalhão. As pastagens, principalmente consorciando azevém e aveia, são o método tradicional de sucessão das culturas de verão.

A Federação de Agricultura e Pecuária do RS (Farsul) estimou que o estado, contando terras baixas e “coxilhas”, produz 1,09 safra por ano e lançou o projeto Duas Safras, visando intensificar as áreas e os resultados agropecuários. “Parte do Brasil desenvolve pesquisas para ter três safras, o Rio Grande do Sul ainda luta para fazer 1,1 por ano. Nosso desafio é superar esses números, alcançar duas safras anuais e produzir mais grãos e proteínas, trazendo renda, melhorando o solo e dando sustentabilidade econômica e social para estes produtores e regiões”, explicou Gedeão Pereira, presidente da Farsul.

A Embrapa assumiu um papel fundamental no desenvolvimento e suporte científico ao projeto Duas Safras, que na metade sul tem tudo a ver com as áreas de arroz. “Coincide, porque estamos buscando um uso mais intensivo das terras baixas por meio da rotação, da diversificação de culturas e integração lavoura-pecuária, e temos importantes ações desenvolvidas neste sentido”, observou André Andres, pesquisador e coordenador da Estação de Terras Baixas da Embrapa Clima Temperado, em Capão do Leão (RS). Segundo ele, o grande desafio da pesquisa é dar suporte para que o agricultor consiga produzir 12 meses por ano. “Tem gente muito próximo disso, mas há produtores distantes desta meta”.


SULCO

Entre as ações, destacam-se atividades como o cultivo sobre sulco-camalhão – inclusive de cereais de inverno, como trigo e triticale, com produtividade acima de 60 sacas/ha – e a integração lavoura pecuária com o manejo de forrageiras de inverno, com ganhos de um quilo por animal/hectare. No verão, as áreas retornam ao cultivo da soja, milho, o próprio arroz e pastagens de verão. “Há uma possibilidade, ainda, do sorgo ganhar espaço”, reconheceu Andres.

Questão básica

O projeto reúne pesquisadores de diversas áreas. Além de André Andres, Giovani Theisen, Jorge Schafhauser e Walkyria Scivittaro, da unidade de Clima Temperado, o pesquisador Danilo Santanna, da Embrapa Pecuária Sul, Bagé, apresenta propostas de pastoreio alternado em terras baixas, e o pesquisador Giovani Fayé, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, avalia o desenvolvimento das culturas de inverno e adaptação de cultivares de trigo e triticale.

 

Lavouras experimentais produziram mais de 60 sacas por hectare

Primeiros resultados

A primeira colheita e avaliação de cereais de inverno produzidos em sistema sulco-camalhão em terras baixas realizada na Estação Experimental Terras Baixas (ETB), da Embrapa Clima Temperado, ocorreu no fim de 2021. O estudo envolveu as culturas de trigo e triticale cultivados em sucessão à soja, dentro do escopo do projeto Duas Safras, uma parceria da Farsul, Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa) e as unidades da Embrapa no sul do país.

Essa iniciativa teve o objetivo específico de avaliar o desempenho e adaptação das culturas inverneiras em solos de várzeas, aproveitando a infraestrutura de sulcos e camalhões estabelecida para a soja. Assim, foi gerada segunda safra e fonte de renda no mesmo ano. Observações e dados preliminares são considerados positivos pelos pesquisadores. Os estudos, porém, se estenderão por dois ou três anos para consolidar os números e as experiências e gerar recomendações.

Fazem parte do projeto a Embrapa Pecuária Sul (Bagé), Embrapa Suínos e Aves (Concórdia/SC) e Embrapa Trigo (Passo Fundo). Em Pelotas, a Embrapa Clima Temperado atua em três linhas: cultivo de cereais de inverno em terras baixas com avaliação de manejo de animais sob pastoreio de forma alternada; avaliação do desempenho de trigo e o triticale em sistema sulco-camalhão; e avaliação de triticale, trigo, aveia e azevém com o uso da tecnologia de camalhões de base larga.

O pesquisador André Andres fala que as unidades descentralizadas da Embrapa na região sul se reuniram para buscar alternativas de produção de mais alimentos, especialmente no período frio. “As terras baixas têm um desafio no manejo das culturas que é retirar ou colocar água. A irrigação já é amplamente dominada, mas agora também temos o que buscar melhores informações sobre a drenagem”, disse.

As bases
Uma das linhas de pesquisa que chama a atenção dos produtores são os experimentos com triticale, um híbrido de centeio e trigo com maior produção de biomassa – conquistando 6,5 toneladas de matéria seca de silagem para vacas de leite, por exemplo. Mas que pode atender também aos rebanhos gerais. Uma das bases de todos esses experimentos é o sistema de cultivo em sulco-camalhão, que, entre outras, vantagens como um sistema que viabiliza drenagem e irrigação na medida necessária. Os dados iniciais indicam um rendimento de dez mil reais por hectare com o cultivo de cereais de inverno em sistemas de produção em terras baixas. Os resultados e o acompanhamento do projeto serão possíveis durante a Abertura Oficial da Colheita do Arroz, entre 16 e 18 de fevereiro, em Capão do Leão (RS), afinal, mesmo com a diversificação possível e necessária, o arroz segue sendo o protagonista da produção em terras baixas no país.

Alternativas de inverno

Após a colheita, iniciam as avaliações dos resultados

 

A área experimental com trigo e triticale em sistema sulco-camalhão foi conduzida pela pesquisadora Walkyria Scivittaro. Além da adaptação desses cultivos ao sistema, foi observado o manejo do nitrogênio nessas culturas. Os resultados iniciais são promissores, com bom desenvolvimento das plantas cultivadas nos camalhões e sulcos de irrigação. Além disso, a perspectiva é definir doses econômicas de nitrogênio para os cereais em sucessão à soja em terras baixas e determinar melhor a produtividade de grãos e de biomassa vegetal da área. Estão sendo realizadas avaliações da qualidade de grão e da sanidade da lavoura. O material produzido foi utilizado em alimentação animal como forma de enriquecer a silagem do rebanho experimental da unidade de Clima Temperado.

As culturas de trigo e triticale em sistema sulco-camalhão permitem verificar a durabilidade e eficiência de drenagem após vários cultivos, pois os cereais de inverno são a quarta lavoura sucessiva na mesma área. Ela abrigou duas safras de soja no período de primavera/verão (2019/2020 e 2020/2021) e uma de azevém, no outono/inverno (2020), mais as de trigo ou triticale e, agora, estão com a quinta operação, de milho. “Além do excelente desenvolvimento das plantas sobre os camalhões, construídos para favorecer a drenagem nos períodos chuvosos, é possível observar bom escoamento da água ao longo dos sulcos e plantas bem desenvolvidas também nessa porção da lavoura”, disse.

Neste primeiro ano de observações, com inverno caracterizado por boa distribuição de chuvas, ambos os cereais de inverno, trigo e triticale, desenvolveram-se muito bem no cultivo em sistema sulco-camalhão, não mostrando limitações.

INFRAESTRUTURA
A diversificação de culturas em terras baixas se dá com a produção de soja em rotação ao arroz irrigado. Nos últimos anos, a tecnologia sulco-camalhão alavancou essa rotação e, também, com milho, pelo potencial de superação dos estresses hídricos. Recentemente, a infraestrutura passou a ser utilizada na produção de cereais de inverno. Em algum momento, porém, o arroz retorna ao sistema. Esse retorno implicava no entaipamento da área para o cultivo de arroz irrigado por inundação e, na sequência, em preparo da área, com grande movimentação do solo para receber os cultivos de sequeiro em rotação.

“Para evitar a movimentação do solo, economizar tempo e recursos financeiros, vislumbrou-se como oportunidade de aproveitamento da infraestrutura de sulcos e camalhões construída para o cultivo de soja ou milho para produzir arroz em sistema irrigado por sulco. A partir desta safra, teremos resultados para repassar ao setor produtivo”, comentou.

Experiências compartilhadas
O produtor Celso Nunes da Silveira, do Agronegócio Eckert, do município de Tapes (RS), comemorou os primeiros resultados obtidos com cereais de inverno na sua propriedade. Ele formou uma lavoura de 20 hectares de trigo, 10 hectares de centeio, 10 hectares de pastagem e 85 hectares de aveia em terras de arroz. “Sem medo de errar, digo que o RS tem um potencial não explorado, pois as terras são boas e estamos num ambiente privilegiado na metade sul, pois temos condições de bom desempenho para o cultivo de cereais e para o feijão. É uma questão de utilizar e aperfeiçoar os conhecimentos, a tecnologia e dominar o ambiente e o manejo das cultivares. Seria um novo passo, como o que está ocorrendo com a soja e o milho no verão”, entende.

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