Em busca do novo normal

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Tagliapietra e Marchesan: união de esforços

Região Central busca se reconstruir após a sua maior tragéria

Considerada um dos pontos de partida do cultivo de arroz irrigado no Sul do Brasil, a Região Central gaúcha junta os pedaços, depois do seu mais extremo evento climático em 80 anos, para iniciar aquela que talvez seja a mais desafiadora de suas safras. Em maior ou menor proporção, toda a cadeia produtiva e os 23 municípios foram atingidos na região formada por vales e morros e sentiram impacto das inundações, deslizamentos e enxurradas.

Estas, além de gerarem a perda de quase 100% dos 35% de área que ainda faltava colher, pois a safra vinha atrasada pelo excesso de chuvas na época de plantio, inutilizaram dezenas de milhares de sacos de arroz, soja e cultivos de invernos já colhidos e nos silos. As perdas mensuráveis em equipamentos, construções e grãos somam R$ 180 milhões.

Se somados danos às estruturas, estradas, pontes, assoreamento de rios e perda de solo por erosão ou deposição de materiais, como areia, árvores, seixos, grandes pedras e restos de construções e redes elétricas, os prejuízos são imensuráveis. “Levaremos décadas para que o solo da região volte a ser o que era”, reconheceu o agrônomo José Mário Tagliapietra, da Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma (Camnpal), profundo conhecedor da agricultura na Quarta Colônia de Imigração Italiana, que reúne municípios como Dona Francisca, Vale Vêneto e Faxinal do Soturno.

Segundo ele, o produtor já está fazendo o que pode, com os recursos que tem, mas será preciso uma alavancagem por parte dos governos federal e estadual para que o agricultor volte a se erguer. ” Estamos falando de produtores pequenos, em sua maioria, e a tragédia foi enorme. Sozinho, muitos podem se recuperar, mas levará muito tempo. O governo precisa passar do discurso e estender a mão”, observou.

TEMPO
Outro profundo conhecedor da região, o professor Enio Marchesan, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também defende que o aporte de recursos financeiros e estruturais por meio do poder público será fundamental, em especial nesta primeira safra. “O tempo é curto, e o trabalho é grande. Sozinhos, teremos produtores que vão recuperar-se parcialmente, mais ou menos, mas muita gente ainda vai ficar muito aquém do seu potencial nessa missão sagrada de produzir alimentos”, alertou.

Diagnóstico dos danos das enchentes em lavouras de arroz da Região Central
– Municípios: 23
– Área semeada: 118.107
– % no estado: 13,1%
– Número de produtores: 2.626
– % no estado: cerca de 40%
– Unidades produtivas: 1.819
– Produtores atingidos: 1.914 produtores
– % no estado: cerca de 30%
– Área total atingida: 41.474 hectares
– % no estado: 4,6%
– % na região: 35,1%
– % por colher no estado: 15,8%
– % por colher na região: 36%
– Acúmulo de areia/pedras: 5.575ha
– Deposição de areia/pedras: 28.834.800 m³
– Equivalente em cargas: 2.883.480
– Remoção de solo até 25cm: 1.085ha
– Erosão 1,5 a 5,5m³: 154ha ou 4,7 milhões de m³
– Equivalente em cargas: 470 mil caçambas
– Assoreamento de rios: 614,5km

Solo lunar: onde havia uma lavoura de seis hectares, restou crateras com até oito metros de profundidade

Prioridade é recuperar área agricultável

Perfil do solo da região foi profundamente alterado

Apesar das dificuldades de acesso, é intensa a movimentação de máquinas e caminhões pelas estradas do interior da Região Central. Mas, diferentemente do movimento de preparo de solo e cargas de insumos do restante do estado, são máquinas de grande porte que se movimentam para remover entulhos, restos de construção, árvores e pedras.

Nas regiões mais altas, os problemas foram mais concentrados na perda de produção e alguma erosão, porém, nas áreas mais baixas, não apenas a estrutura de lavoura foi comprometida, mas o próprio solo, seja por erosão ou deposição de pedras, areia e outros materiais. Neste caso, os primeiros desafios são recompor a rede elétrica, os pontos de captação, o sistema de irrigação e retirar o máximo desse material depositado e fechar os buracos e vazantes.

“São obras de engenharia, de alto custo, mas sem as quais teremos boa parte das lavouras inviáveis para a próxima safra”, explicou Jair Buske, diretor da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz). Ele teve a sorte de dispor de um hectare de coxilha, no qual fez um corte para cobrir os buracos nas lavouras. “Mas tem muita gente que tinha toda a terra aplainada e não vai conseguir. De onde vem a terra para isso”, questionou.

Lembrou também que todas essas atividades precisam estar de acordo com a legislação ambiental e, como demandam máquinas pesadas, que o produtor não dispõe, têm alto custo. Buske ainda enfatizou que, na região, duas gerações de produtores melhoraram o solo e o sistema de cultivo. Não será fácil voltar a ser como era.

O Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) avaliou que o acúmulo de areia e pedras atingiu 5.575 hectares na região, com deposição de 28.834.800 metros cúbicos de materiais, que equivaleriam a 2,88 milhões de cargas de caçambas para remover. Outros 1.085 hectares perderam o perfil de até 25 centímetros de solo e, em algumas propriedades, até dois terços da área agricultável. Erosão grave, de até seis metros de profundidade, alcançou 154 hectares – ou 4,7 milhões de metros cúbicos de terra.

O assoreamento chegou a 614,5 quilômetros dos rios da região.

Menos pode ser mais

Mesmo com expectativa de ser a única região a diminuir a dimensão das lavouras, o Centro do RS está retomando o plantio

Cerca de 65% dos produtores da Região Central entrevistados pelo Irga não têm pendências financeiras com custeio ou investimentos e poderão recuperar parte ou totalmente suas áreas com recursos próprios. A maior parte corresponde aos que tiveram pequenas áreas afetadas e perdas parciais e/ou conseguiram semear na primavera, colher e remover os grãos para as indústrias ou áreas mais altas.

Iuri Pfeiffer, 24 anos, é um desses produtores. De quase 80 hectares semeados, perdeu quatro de arroz e boa parte da soja, que apodreceu na lavoura. Contudo, os estragos pegaram a soja em oito hectares. Em algumas de suas áreas, há até um metro e meio de areia, mas ele está recuperando até mesmo as estradas municipais, em Cerro Branco, para garantir a melhoria da drenagem das áreas.

“As áreas que não foram atingidas por enxurradas estão prontas, então, vamos concentrar as forças nas mais atingida. O pequeno produtor não tem alternativa, é plantar ou plantar. Não podemos abrir mão de nem um pedacinho de terra”, explicou.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Ibanor Anghinoni, consultor do Irga, recomenda uma apurada análise de solo nas áreas atingidas. “Temos visto situações as mais diversas. Áreas que perderam e muito a fertilidade, e outras que melhoraram. Só a análise vai dizer com clareza como cada um deve proceder”, reconheceu.

O agrônomo Adauto Siqueira, de Candelária, considera que os agricultores terão o custo de 1,8 safra na temporada 2024/25. “É o custo da safra, mais 0,8 vezes do custo de recuperação das áreas”, observou. Segundo ele, no seu município, choveu 946 milímetros entre 27 de abril e 13 de maio, com danos imensuráveis.

A grande questão do momento é que o produtor sabe o que precisa fazer para recuperar sua área ou quem pode lhe ajudar nesse sentido, mas, apesar dos anúncios, os recursos não chegaram, não há ações efetivas nesse sentido. “O produtor que pode, está fazendo com suas reservas ou o seu crédito”, disse Alan Kochenborger, agrônomo que teve a propriedade da família, casa e silos completamente inundados, mas trabalha na recuperação para semear a nova safra.

Anderson Ruhoff, da Ufrgs, considera importante o desenvolvimento de um programa amplo para evitar danos maiores às terras baixas. “Eventos climáticos serão cada vez mais extremos e mais constantes”.

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