Etanol, protecionismo, direitos humanos e geopolítica

Autoria: José Marcos Domingues*.

Os Estados Unidos extinguiram em janeiro a sobretaxa de US$ 0,17 por litro na importação de etanol, além do subsídio estimado em US$ 6 bilhões por ano pago com ela à indústria do etanol de milho norte-americana na faixa dos US$ 0,13 por litro.

Produtores brasileiros sempre reclamaram contra essas barreiras comerciais. Tal esquema protecionista, perverso e incompatível com o livre comércio, data da década de 1980, instituído no Governo Carter, então tido como guardião dos direitos humanos.

Outras barreiras há no mundo contra o etanol brasileiro. O Japão paga em torno de US$ 0,20 por quilo de arroz empregado na produção de etanol, além de conceder auxílio financeiro à produção do caro etanol de arroz; e a Europa subsidia com 45 euros por hectare as plantações de trigo, beterraba, cevada e centeio, também matérias primas para o etanol, também relativamente mais caro que o produzido no Brasil.

Se o Brasil, por sua extensão e situação geográfica, tem vocação para produzir etanol de cana-de-açúcar barato, a decantada complementaridade das economias globalizadas deveria ensejar ao país condições de desfrutar de suas condições próprias de competição.

As medidas protecionistas contra um país em desenvolvimento como o Brasil, à custa do seu meio ambiente, levantam questões fundamentais conexas a aspectos políticos e econômicos que não se podem olvidar.

A primeira diz respeito aos direitos humanos, envolvendo a industrialização e o desenvolvimento de poucos à custa da desindustrialização e subdesenvolvimento de muitos, causando uma crescente degradação da qualidade de vida na maior parte do Planeta.

Aliás, esta não é uma questão nova: a tensão entre desenvolvimento, exploração de recursos naturais e a vida das populações (não obstante o direito humano a um meio ambiente limpo e saudável) é um problema antigo desde os romanos, as grandes navegações, o colonialismo e o chamado liberalismo. Também se refere a barreiras tarifárias e não tarifárias impostas por países desenvolvidos em tempos de globalização neoliberal.

Enfim, se os recursos naturais e a pobreza se localizam nos mesmos rincões do mundo, cabe questionar se o os países do chamado mundo emergente estão sendo desenvolvidos em benefício dos seus respectivos povos. A preocupação se agudiza quando medidas protecionistas no Primeiro Mundo financiam subsídios em detrimento do livre comércio.

Essas barreiras, toleráveis excepcionalmente em defesa do interesse nacional, são totalmente inaceitáveis quando concebidas para subsidiar opções insustentáveis principalmente em detrimento de economias menos desenvolvidas, porque impõem um esforço produtivo desumano e uma pressão injusta sobre o meio ambiente e habitat de povos que também merecem vida com dignidade, antepondo-se a produção de alimentos à produção de commodities.

O etanol de cana é limpo e renovável, de cuja biomassa se obtém energia barata para usinas auto-suficentes nesse insumo. O custo de produção desse etanol gira em torno de US$ 0,20 por litro, menos que metade do etanol de milho norte-americano.

A recente boa nova do fim das barreiras alfandegárias nos Estados Unidos vem com o gosto amargo da constatação de que se em 2011 o Brasil vendeu 1,5 bilhão de litros de etanol àquele país, neste mesmo ano importou de lá 4 bilhões de litros. Em suma, embotou-se a produção nacional em nome de um esforço de exportação pífio no longo prazo, que faz o brasileiro consumir hoje etanol de milho caro produzido com subsídios pagos ironicamente com seu suor há cerca de 30 anos.

A questão geopolítica subjacente à política fiscal precisa ser enfrentada com agilidade e determinação pelos governos de povos prejudicados, como o brasileiro, cujos empregos, afinal, são transferidos para economias mais ricas, num contra-senso que precisa ser diagnosticado e interrompido em tempo hábil.

O protecionismo é a antítese do livre comércio, internacionalismo e multilateralismo; reforça a pobreza da maioria operosa que financia a minoria protegida, além de gerar maior esforço produtivo em busca de ainda maior eficiência, pressionando a qualidade de vida e gerando degradação ambiental, numa contabilidade em que todos perdem.

José Marcos Domingues

Professor titular de Direito Financeiro da Uerj, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas e Justiça Fiscal (Lappjus-Uerj) e professor adjunto de Direito Tributário da Universidade Católica de Petrópolis, Rio de Janeiro (UCP).

1 Comentário

  • o artigo e veridico so que no Brasil as unidades produtoras de etanol tem sempre o jeito de usina de alcool o de o robo por parte do usineiro e funcionarios e do seculo passado uma severgonhice elas não são industria alimenticia e energetica. Dai pagamos para nossos carros o etanol mais carro do planeta e o BNDS e quem financias eeses roubos (ou os trabalhadores deste pais como os agricultores e assalariados). Eis a questão

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