Irrigação é prioridade no RS
Apontado como um modelo a ser seguido no restante do país, o programa Mais Água, Mais Renda foi elaborado pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do Rio Grande do Sul (Seapa) com a proposta de duplicar a atual área irrigada no estado, estimada em 105 mil hectares. Uma das bases do programa é o subsídio oferecido pelo governo do estado, que deverá totalizar cerca de R$ 275 milhões.
Nesta entrevista exclusiva concedida à revista Planeta Arroz o engenheiro agrônomo, doutor em Ciência do Solo e diretor-geral e secretário de estado adjunto da Seapa, Cláudio Fioreze, avalia o impacto da irrigação e da diversificação de culturas no crescimento da agricultura no estado e como o programa pode beneficiar os agricultores gaúchos, incluindo os arrozeiros.
Planeta Arroz – A irrigação vem ganhando importância no contexto da agricultura brasileira e do RS, visto o grau de exposição que o tema recebeu durante a Expointer 2012. Como o governo estadual avalia esta questão e qual o peso deste tema na pauta de prioridades da Seapa?
Cláudio Fioreze – A economia gaúcha depende muito do setor agropecuário e do agronegócio, que é responsável por mais de 40% do produto interno bruto (PIB). Neste contexto, as frequentes estiagens ocorridas no Rio Grande do Sul têm causado enormes prejuízos aos produtores, às economias dos municípios e ao próprio estado. Nos últimos 25 anos deixaram de ser colhidos 60 milhões de toneladas de grãos devido às estiagens, o que soma um prejuízo de R$ 30 bilhões aos agricultores e cujo reflexo se observa na diminuição do PIB nos anos de safras frustradas, como ocorreu em 2012. O governo do estado avalia que uma das políticas para inverter este quadro é implementar projetos de irrigação que visam dar segurança e garantia de colheita ao agricultor, todos os anos, independente da falta de chuvas no verão e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade das culturas por hectare, ampliando assim a renda dos agropecuaristas. A ênfase da Expointer 2012, através dos programas Mais Água, Mais Renda e Irrigando a Agricultura Familiar, trouxe resultados como a comercialização recorde de equipamentos de irrigação durante a feira.
Planeta Arroz – Um dos gargalos para a expansão da irrigação no Brasil é a burocracia que envolve os aspectos legais para o licenciamento ambiental, a outorga de água, o acesso ao crédito, a disponibilidade de energia elétrica, etc. O programa Mais Água, Mais Renda, no entanto, se caracteriza por abordar de forma mais dinâmica essas questões, sobretudo no que se refere à desburocratização, correto?
Cláudio Fioreze – Exatamente. O programa Mais Água, Mais Renda abrange como beneficiários todos os agropecuaristas gaúchos, pequenos, médios e grandes produtores, e visa a expansão da agropecuária irrigada em lavouras de sequeiro como milho, soja, feijão e outras culturas, bem como na fruticultura e olericultura. Assim, o programa tem licenças de operação concedidas pela Fepam para construção ou regularização de açudes de até 10 hectares de lâmina de água e áreas irrigadas de até 100 hectares a produtores que estão buscando agilizar o licenciamento ambiental. Outro instrumento forte é o incentivo financeiro. O governo do estado apoia os produtores com a subvenção de parte das parcelas dos financiamentos de linhas de crédito como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra), Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), Programa Sustentação do Investimento (PSI), etc, para financiamento de açudes e equipamentos de irrigação, algo inédito em termos de fomento à irrigação no país.
Planeta Arroz – E quanto à execução dos projetos?
Cláudio Fioreze – A capacitação de técnicos da extensão rural em irrigação é uma das estratégias básicas. A Seapa firmou convênio com a Emater para um grupo de técnicos atuar exclusivamente em irrigação com uma meta de elaborar 3.600 projetos até 2014. Entretanto, o programa tem como princípio o não envolvimento do governo na execução das obras e serviços, deixando isso a cargo dos produtores. Isso o produtor faz melhor, mais rápido e com mais economia.
Planeta Arroz – Um dos objetivos do programa Mais Água, Mais Renda é a diversificação da atividade agrícola no Rio Grande do Sul. O programa não é direcionado à lavoura de arroz, mas a todos os agricultores do RS, incluindo os arrozeiros. De que maneira ele pode beneficiar estes produtores ou proporcionar oportunidades de diversificação à atividade?
Cláudio Fioreze – Primeiramente é sempre bom ressaltar que o RS responde por 63% da produção brasileira de arroz. É o segundo produto em importância na agricultura gaúcha e é a principal atividade econômica da metade sul. O Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga) vem desenvolvendo programas visando tornar cada vez mais eficiente o uso da água na irrigação da lavoura com redução significativa do volume utilizado por hectare. O programa, no entanto, não inclui a lavoura de arroz, mas poderá beneficiar a diversificação em áreas de várzea com financiamento de equipamentos que permitem o plantio de outras culturas, como milho e soja, por exemplo, o que é uma tendência.
Planeta Arroz – A maior dificuldade enfrentada pela lavoura de arroz do RS em termos de diversificação tem sido justamente o modo como ela está estruturada em áreas de várzea. Uma das alternativas que vêm sendo utilizadas é o cultivo da soja nestas áreas. Que modelo de irrigação pode ser adotado nesses casos?
Cláudio Fioreze – A soja é uma cultura muito sensível à deficiência e ao excesso hídrico. Nesse sentido a irrigação na medida exata é fundamental. Com o plantio em microcamalhões nas áreas de várzea o produtor pode usar a irrigação por sulcos para complementar a necessidade hídrica quando necessário. Isto é feito através de uma máquina semeadora que realiza em uma única operação a formação de elevações da superfície do solo e a semeadura de soja.
Planeta Arroz – Existe uma linha de financiamento especial para a aquisição da microcamalhoneira e como isso funciona?
Cláudio Fioreze – Sim, o produtor pode financiar a microcamalhoneira* a partir das linhas de crédito rural existentes e oferecidas pelos agentes financeiros e solicitar inclusão no programa com o benefício da subvenção. O produtor pode obter as informações na Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa), o que pode ser feito pelo site www.agricultura.rs.gov.br, pelo telefone (51) 3288-6394 e também nos escritórios da Emater e do Irga, bem como através das empresas privadas que elaboram projetos técnicos.
Planeta Arroz – Por qual razão a irrigação ganhou posição de destaque nas ações do governo estadual?
Cláudio Fioreze – O uso da irrigação nas regiões de agricultura de sequeiro no Rio Grande do Sul ganhou maior importância depois das constantes secas que atingiram o estado na última década, provocando quebras de até 50% da produção. Nos últimos 10 anos houve um comprometimento do potencial produtivo das lavouras gaúchas de 70%, fazendo com que a necessidade de irrigação suplementar às culturas varie de 80 a 300 milímetros. Dos 429,9 mil estabelecimentos agrícolas do estado, só 26,8 mil utilizam algum tipo de irrigação, significando 6,2%, sendo que o sistema mais utilizado é o de superfície (inundação), adotado em 16 mil estabelecimentos rurais gaúchos em lavouras de arroz, atingindo cerca de 1,2 milhão de hectares. Nas áreas de sequeiro, onde se cultiva na primavera-verão cerca de 5,6 milhões de hectares de soja, milho, fumo, feijão e hortícolas, até 2011 havia apenas 70.000 hectares irrigados com pivô central, 30.000 hectares com aspersão convencional e 5.000 hectares com irrigação localizada (gotejamento).
Observação: *A microcamalhoneira é uma plantadeira que forma sulcos e camalhões e deposita as sementes (em duas linhas de plantio, com 50 centímetros de espaçamento, sendo que o espaço entre cada microcamalhão é de 90 centímetros). O equipamento é o primeiro a ser fabricado no Brasil e foi desenvolvido pela indústria de máquinas e implementos agrícolas KF, de Cândido Godói (RS), em parceria com o Irga e pode ser utilizado tanto para o cultivo de soja quanto de milho na rotação de culturas com o arroz.
