Mercosul põe brasileiros contra brasileiros

Dirigente uruguaio diz que 40% dos produtores de arroz do seu país são brasileiros.

A nova crise nas relações internas do Mercosul colocou brasileiros contra brasileiros na “guerra” do arroz. Cerca de 40% dos produtores do grão no Uruguai e 35% na Argentina são gaúchos que apostaram na atividade quando o Brasil dependia de importações. Agora eles se sentem discriminados pelos protestos dos conterrâneos, que desde o final de abril vêm bloqueando estradas para exigir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a suspensão das compras dos parceiros do bloco comercial, uma das medidas que consideram necessárias para melhorar a cotação do grão.

“Somos atacados por atitudes xenófobas”, reclama o presidente da Associação dos Cultivadores de Arroz do Uruguai (ACA), Hugo Manini Ríos, representante de todos os produtores, inclusive brasileiros, no lado uruguaio. Para Manini, os produtores do Brasil deveriam fazer lobby para baixar impostos internos e trabalhar em parceria com os agricultores dos outros países do Mercosul para exportar para terceiros mercados, em outros continentes, em vez de falar em barreiras e proibições dentro do bloco.

“Quem está lá (no Uruguai) foi atrás de vantagens e agora deve assumir alguma desvantagem”, responde o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Valter José Pvtter. “Nós também queremos Mercosul, mas com assimetrias corrigidas”, ressalta.

Consultor com clientes no Brasil, Argentina e Uruguai, Carlos Cogo, da Carlos Cogo Consultoria Agroempresarial, já fez as contas e concluiu que a diferença está restrita à carga tributária. A tecnologia está equalizada nos três lados e não há subsídio em lugar algum, até porque os governos de Buenos Aires e Montevidéu, em dificuldades financeiras, não teriam condições de oferecer incentivos a fundo perdido.

Os impostos é que variam de 37% a 41% no Brasil e de 18% a 20% no Uruguai, fazendo com que o custo de produção de uma saca de 50 quilos de arroz fique entre US$ 8,40 e US$ 8,80 ao Sul da linha de fronteira e US$ 10 ao Norte. O custo das máquinas agrícolas, fabricadas no Rio Grande do Sul e São Paulo, é menor no Uruguai do que no Brasil por causa da desoneração das exportações.

Completamente dependente do mercado brasileiro, o arroz uruguaio também sofre com a cotação de US$ 7 a US$ 8 a saca, inferior aos custos de produção. Manini lembra que não há crédito para a atividade agrícola no Uruguai desde que 2001 e diz que os brasileiros que defendem salvaguardas deveriam considerar que o País importou neste ano 487 toneladas de arroz beneficiado de países que subsidiam a produção, como Estados Unidos e Tailândia e que, no ano passado, o volume dessas compras chegou a 165 mil toneladas.

Países vizinhos são dependentes do mercado do Brasil
Reunidas pelo consultor Carlos Cogo, as previsões de comércio de cada país mostram a dependência que os produtores de arroz da região têm do Brasil. Os argentinos produziram 1,1 milhão de toneladas para um país que consome 450 mil toneladas. Esperam exportar para o Brasil 450 mil toneladas e para terceiros 250 mil toneladas.

O Uruguai produziu 1,05 milhão de toneladas para uma demanda interna de apenas 95 mil toneladas e aposta na venda de 600 mil toneladas para o Brasil e 350 mil toneladas para terceiros.
Até 2003, a oferta do Mercosul era equilibrada pela demanda brasileira, superior à produção interna.

Cálculos da Federarroz indicam que a produção nacional de 12,2 milhões de toneladas, somada ao estoque de passagem de 1,3 milhão de toneladas, supera o consumo previsto de 12,6 milhões de toneladas. Incluindo a oferta de 1,05 milhão de toneladas do Mercosul, o mercado está favorável ao comprador, tanto que o preço da saca, que chegou a R$ 32,00 há um ano, está próximo de R$ 20,00 atualmente.

Enquanto o preço não pagar o custo de produção, os produtores brasileiros que podem retêm o produto no silo, rolam dívidas ou pedem paciência aos credores. É o caso de João Alberto Dutra Silveira, de Jaguarão, fronteira do Uruguai, que mantém 3,6 mil toneladas em estoque e calcula que ficará com 36% das contas a descoberto. “Não estou vendendo e não estou pagando”, afirmou

É consenso entre os arrozeiros do Norte do Uruguai que o cultivo do grão foi ali introduzido pelos brasileiros a partir dos anos 50 do século passado. As terras parecidas, a necessidade que o Brasil tinha de aumentar a produção e algumas oportunidades de negócios atraíram investidores do interior do Rio Grande do Sul. Hoje eles estão totalmente integrados à comunidade local, embora mantenham casas em Jaguarão, Camaquã e Santana do Livramento e mandem os filhos estudar em Pelotas e Porto Alegre.

João Carlos Furtado, de Arroio do Meio, não teve o mesmo fôlego. Plantador de 80 hectares, sentiu-se obrigado a vender os 9 mil sacos que colheu por preços entre R$ 19,00 e R$ 20,00. “Faltaram R$ 80 mil nas minhas contas” – a diferença entre o que esperava receber e o que recebeu de fato. Para viver até a próxima colheita, Furtado diz que contará com o salário de professora da mulher e com a venda de um dos dois tratores que tem.

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