MTE tenta identificar empregador de resgatados em situação de escravidão em lavouras de arroz
(Por G1) O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Polícia Federal (PF) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT), trabalha para identificar quem são os empregadores dos 56 trabalhadores resgatados em situação de escravidão em lavouras de arroz em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Dez dos resgatados eram adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. O caso foi descoberto na tarde de sexta-feira (10). Eles trabalhavam fazendo o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxicos. No entanto, de acordo com o MPT, não havia contrato, ferramentas adequadas, equipamentos de proteção e as jornadas eram excessivas. Parte deles estava alojada em um galpão, onde dormia em colchões e não havia banheiro.
Os proprietários da estância São Joaquim disseram que a propriedade está arrendada para uma pessoa que faz o plantio do arroz no local e que “além de não termos a responsabilidade sobre o que estava ocorrendo, não sabíamos dessa condição, que condenamos veementemente o que ocorreu. Jamais imaginamos estarmos envolvidos em uma situação dessas”. O g1 tenta contato com os proprietários da segunda estância.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz), entidade que representa as associações de arrozeiros regionais, disse, em nota, que “estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos”. (Nota, na íntegra, abaixo).
Já o governo do estado divulgou, também em nota, que “fez os atendimentos iniciais para acolhimento dos resgatados” (Nota, na íntegra, abaixo).
De acordo com Vitor Siqueira Ferreira, auditor-fiscal do trabalho, há dúvida sobre quem são os empregadores porque os responsáveis pelas lavouras teriam contratado uma empresa para semear e cultivar o arroz. Teria sido ela que contratou o agenciador que forneceu a mão de obra. Esse homem, de 56 anos e natural de Uruguaiana, chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança. Ele não tinha empresa constituída e exercia uma forma de recrutamento “informal e precária”.
“Estamos verificando quem é o verdadeiro empregador. Uma safra pertence a uma pessoa, mas essa pessoa teria contratado uma empresa robusta para semear e cultivar o arroz. Essa empresa é que seria responsável pela gestão que resultou na contratação dessas pessoas”, explica Ferreira.
O MPT sinaliza que identificar os empregadores é importante porque colhe dados para uma possível ação civil pública contra os envolvidos. A PF instaurou um inquérito para apurar a responsabilidade penal de todos.
Neste sábado (11), o MTE faz reuniões com os trabalhadores para discutir seus direitos trabalhistas e fazer o devido encaminhamento para que tenham acesso a seguro-desemprego.
Situação “degradante e exaustiva” de trabalho
Conforme apurado pela PF, pelo MPT e pelo MTE, os 56 resgatados residiam em Uruguaiana. Cinquenta deles estavam no perímetro urbano e seis em um alojamento no interior, no distrito de Plano Alto, chamado de “acampamento”. As lavouras ficam distantes cerca de 60 quilômetros do Centro da cidade. Do alojamento, cerca de 10 quilômetros.
Esse alojamento era uma espécie de galpão usado pelos seis trabalhadores para dormir em colchões dispostos no chão e comer em um local improvisado. Não havia banheiro. Quem pagava pelo local era o agenciador. Ainda não se sabe exatamente qual era o valor.
As jornadas de trabalho começavam às 7h e terminavam às 17h, com intervalo entre 11h e 13h. No entanto, para ir até as lavouras, era necessário pegar um ônibus, então, os dias iniciavam às 4h30. Até chegarem em casa de volta, eram 19h30. A rotina se repetia diariamente. Parte do trajeto até as lavouras era feito a pé, sob o sol.
Os trabalhadores recebiam R$ 100 por dia de trabalho e o pagamento era feito semanalmente. O agenciador era quem pagava. Ele recebia dos responsáveis pelas lavouras e repassava uma parte do valor para os trabalhadores.
Os trabalhadores atuavam no arranquio do arroz e no uso de agrotóxicos. Para o rouguing ou catação manual, eram usadas facas domésticas. Para o agrotóxico, era usada uma barra química.
Segundo as autoridades que atuaram no resgate, havia homens que trabalhavam no local há cerca de dois meses, outros há 15 dias. Como o cultivo do arroz é sazonal, o trabalho tem muita rotatividade. É normal haver o plantio entre outubro e novembro e a colheita entre março e abril. Geralmente, o trabalho é por dois meses.
“Era uma situação degradante e exaustiva de trabalho. Por isso, houve o entendimento de que configura situação análoga à escravidão. Trabalhadores exerciam a atividade sob o sol, sem proteção, sem água, local para descansar, para fazer a higiene ou para guardar comida, que eles próprios tinham que levar. A comida azedava às vezes e precisavam dividir o que ainda estava em condições de consumo ou ficavam sem comer”, conta Hermano Martins Domingues, procurador do trabalho.
Os adolescentes
De acordo com o MTE, o Conselho Tutelar foi acionado para providenciar o devido acolhimento aos adolescentes que foram flagrados trabalhando em condição análoga à escravidão nas lavouras de arroz.
Responsabilidades
O MTE afirma que os donos das propriedades rurais de onde os trabalhadores foram resgatados vão ser notificados para prestar esclarecimentos. Entidades sindicais também devem ser notificadas para ficarem cientes do caso.
Nota do governo do estado
“As secretarias de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos e a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Profissional estão acompanhando o caso desde ontem. A Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) foi acionada já a partir da articulação de Grupo de Trabalho criado por ordem de serviço do governador, após o caso de Bento Gonçalves.
A SJCDH fez os atendimentos iniciais para acolhimento dos resgatados e verificou-se que todos são da região. Eles já foram encaminhados de volta para suas casas e não houve necessidade de providenciar abrigamento temporário. A STPD está atuando junto ao MTE e ao MPT para liberação dos valores emergenciais a que eles têm direito (seguro-desemprego), bem como para devido pagamento das verbas rescisórias completas”.
Nota da Federarroz
“A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul – FEDERARROZ, vem, a público, tendo em vista seu compromisso irrestrito com o Estado Democrático de Direito e o respeito às Leis do país, sem prejuízo da missão de assegurar a segurança alimentar do povo brasileiro, externar o que segue.
Verifica-se a divulgação, por meio de canais de comunicação e veículos de imprensa, que, em operação organizada por órgãos estatais, se procedeu à identificação de pessoas laborando, ‘em área rural do Estado, ‘em desrespeito às regras trabalhistas vigentes e em condições análogas à escravidão’.
Com efeito, a Federarroz, entidade que representa os produtores de arroz do Rio Grande do Sul, Estado que é responsável por mais de 70% (setenta por cento) da produção nacional do cereal, ressalta que estará acompanhando as apurações decorrentes do caso concreto, de modo a colaborar com seus devidos esclarecimentos.
A par do exposto, os fatos narrados reclamam parcimônia, por parte dos órgãos de fiscalização, imprensa, sociedade civil, entre outros agentes envolvidos, na medida em que, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro, o possível não cumprimento de regras trabalhistas vigentes não culminam, necessariamente, na possibilidade de enquadramento dos fatos como ‘análogo a escravidão’, vez que a Legislação e a jurisprudência pátria exigem o preenchimento de requisitos específicos para a configuração efetiva da previsão legal e, por conseguinte, para punição dos respectivos responsáveis.
A Federarroz reitera os compromissos da lavoura de arroz do Estado do Rio Grande do Sul com a construção de um país e uma sociedade livre, justa e solidária, mediante o desenvolvimento e compatibilização dos aspectos econômico, sociais e ambientais, como a forma de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
3 Comentários
É sério isso que está na nota??? “os fatos narrados merecem parcimônia…” que vergonha.
Todo serviço na lavoura é exaustivo, gostaria de saber se alguém estava ali forçado recebendo R$100,00 por dia, bem acima salário rural, única coisa q vejo analago a escravidão é o alojamento próximo aos químicos. Querem manchar a imagem do RS perante o público. Agora se algum empregado ali estava forçado, aí sim configura escravidão. O crime apenas se refere as leis trabalhista no caso, penso , a não ser q um empregado se manifeste qvrecebia abaixo salário mínimo.
Juliodatrindade, onde esta a vergonha em requerer cuidado e atenção no trato com o assunto????? Acho que ninguém entendeu o teu espanto ou tu comentou sem entender o que leu no texto.