Muitos cenários na temporada

 Muitos cenários na temporada

Quem teve água para irrigar se deu bem

Rio Grande do Sul teve safras diferentes em duas regiões distintas

O “caminho das chuvas” foi determinante para estabelecer dois perfis distintos dos efeitos do clima e resultados da safra 2022/23 de arroz no Rio Grande do Sul, estado que produz cerca de 70% do grão no Brasil. De um lado, a dependência de rios, arroios e barragens de capacidade diminuída pela ausência de chuvas em três safras, as maiores perdas se concentraram na fronteira oeste, em especial, e também nas regiões central e da campanha.

De outro lado, a faixa litorânea teve seus problemas, mas a ocorrência mais estável de chuvas – mesmo abaixo da média – e a fartura de água das lagoas – apesar de episódios de salinidade –, além de uma área bem maior em resteva de soja, ajudaram a produzir uma colheita mais próxima da estabilidade para o arroz. As chuvas que costumam entrar no oeste gaúcho, pela Argentina, rarearam com o epicentro da seca em Corrientes, na fronteira. As precipitações que entram pelo Uruguai e cruzam o litoral sul gaúcho, amenizaram os efeitos da estiagem.

Rodrigo Schoenfeld, engenheiro agrônomo do Irga, destaca que esse cenário é mais evidente ao se observar as médias e os “pontos fora da curva”, traçando uma linha entre as seis regiões arrozeiras gaúchas. “Em geral, o arroz mais perto do litoral teve melhor desempenho, seja pela ocorrência mais pontual de precipitações, porque há boa parte das áreas cultivadas em resteva de soja ou pelos investimentos em tecnologia e manejo que dão estabilidade ao sistema produtivo”, lembra. Para o especialista, foi uma safra de ouvir números que não se está acostumado em lavouras de arroz, no caso de quem teve água e aplica alta tecnologia. “Outubro, novembro e dezembro tiveram uma radiação solar fantástica. Quem manejou bem a lavoura, teve um recurso raríssimo e gratuito ao seu dispor e confirmou o potencial em muitas áreas”, avalia.

Ramiro Alvarez de Toledo, da Vetagro, de Uruguaiana, aponta que na fronteira oeste os arrozeiros saíram da safra 2021/22 castigados por seca muito forte e temperaturas muito altas. “Houve prejuízos significativos à produtividade. Mas era sensação unânime de que uma seca daquelas não se repetiria. Para surpresa geral, não só repetiu, como foi pior na safra 2022/23”, observa. Os mananciais hídricos, em especial as barragens, não resistiram à demanda de água.

“A última temporada não teve temperaturas tão altas, mas a sua nefasta característica foi o longo tempo sem chuvas. Tivemos uma primavera seca, justamente quando ocorrem as principais chuvas de reposição dos mananciais”, acrescenta. Segundo Toledo, os campos da fronteira em dezembro de 2022 tinham o aspecto de dessecados. O Rio Quarai parou de correr e ficou assim por dois meses. O Rio Uruguai podia ser atravessado a pé em vários pontos.

CAOS
Os resultados foram diversos. “Tivemos lavouras parcial ou totalmente abandonadas, mantidas com irrigação ineficiente e tiveram redução da produtividade e baixa qualidade de grãos, e algumas com boas produtividades e qualidade”, resume. Outra característica foi uma safra com aumento de custos, em particular pela alta dos componentes da irrigação (energia elétrica, manutenção de levantes, pessoal), dos fertilizantes e herbicidas, como o glifosato.

De positivo as safras 2021/22 e 2022/23 deixaram novos indicadores de controle da capacidade de irrigação. Para a fronteira oeste, o volume padrão da demanda hídrica da lavoura era de 12.000 metros cúbicos por hectare/ano. Mas quem trabalhou nos dois últimos anos com esta referência técnica se deu mal, pois a irrigação foi ineficiente e a barragem não suportou.

Nem todos tiveram baixa produtividade

Mazzuco de Souza: depois do susto, uma lavoura com resultados acima do esperado

Apesar de todas as dificuldades desta temporada, houve produtores que deram a volta por cima. A região de São Borja, na fronteira com a Argentina, teve alguns dos maiores prejuízos na safra 2021/22. Por isso, muitas áreas que dependiam de mananciais menores para a irrigação do arroz deram espaço ao pousio, pastagem ou soja, que demandariam menos água.

Pablo Mazzuco de Souza, consultor da Rice Checked, reconhece que até dezembro os produtores a quem assiste estavam assustados. “Vínhamos de uma seca que obrigou a reduzir área, de alto custo de produção e a velocidade com que baixavam as barragens e rios por falta de chuvas obrigava a refazer os cálculos e pensar em banhos, irrigação intermitente e até em abandonar áreas de menor potencial. Então, ocorreram chuvas, escassas, é verdade, mas que permitiram levar algumas lavouras até o final do ciclo, ainda que sem as melhores condições. Nestas, o estresse resultou em redução da produtividade”, afirmou.

Mas, segundo Souza, diante do cenário de seca, quem conseguiu dimensionar adequadamente a água do início ao fim do ciclo produtivo teve os resultados potencializados pelos espetaculares índices de radiação solar. “Lavouras que alcançaram recordes em produtividade e qualidade de grãos”, destacou. Para o engenheiro agrônomo, o avanço tecnológico e uma gestão eficiente dos recursos ajudaram a garantir a sustentabilidade dessas lavouras, mesmo sob condições de estiagem. “E alguns deram sorte de estar no caminho de uma ou outra chuva mais desgarrada que passou por aqui”, reconheceu.

Para Eduardo Munhoz, diretor da Porteira Adentro Consultoria Agronômica, os pontos positivos da última safra se concentraram nas lavouras que não tiveram limitações hídricas. Na média, a produtividade nessas propriedades foi melhor que em 2021/22. “Atribuo isso à evolução do manejo, uso de cultivares de ciclo mais longo, como Irga 424 RI e BRS Pampeira, uma área importante de lavouras construída sobre a resteva de soja e o fato de que uma redução de quase 10% na superfície semeada reflete na exclusão daquelas lavouras de maior custo e menor potencial produtivo”, explanou.

Segundo Munhoz, o redimensionamento das áreas e a condição climática favoreceram a disponibilidade de máquinas e mão de obra, o que permitiu que as operações de semeadura, fertilização, manejo da irrigação e controles de pragas, doenças e invasoras e a própria colheita ocorressem no momento ideal ou o mais próximo disso. Por outro lado, em solos nos quais faltou água, jorraram problemas, como a perda de qualidade pelo aumento de grãos quebrados, de valor comercial mais baixo. “Isso ocorreu bastante pelo déficit hídrico e em lavouras levadas a banho ou pela condição de temperaturas muito altas e nos casos em que a irrigação terminou com a planta recém-dobrando a panícula”, enfatizou.

Acamamento
Outro problema registrado bem acima do normal foi o acamamento das plantas perto do ponto de colheita. “Chuvas na primeira quinzena de março, com as plantas já prontas, encachadas, pesaram e colaram a palha no chão. É preciso lembrar dos problemas na estrutura da planta que vieram lá de outubro, novembro do ano passado, quando as baixas temperaturas noturnas afetaram o seu desenvolvimento vegetativo. Isso reduziu a produtividade, pois muito arroz acamado não foi colhido”, explicou Eduardo Munhoz.

Indecisões na fronteira

Após a maior estiagem de sua história recente, a fronteira oeste gaúcha, região que concentra a maior produção de arroz do Brasil, terá que administrar o dilema da indefinição. Para o engenheiro agrônomo Ramiro Alvarez de Toledo, da Vetagro, isso ocorre pela dependência das barragens, que estão esvaziadas, para irrigar as lavouras na safra 2023/24. “Não há certeza sobre a superfície a ser semeada, portanto, não se sabe quanto adubo se deve comprar”.

Também há indefinição sobre a área a ser entaipada. A recomendação nesses casos é ser conservador, pois o momento não permite gastos que não sejam utilizados na lavoura.

Assim, apesar do anúncio de El Niño, que significa maior ocorrência de chuvas, o conselho é avaliar a área de captação de cada barragem.

“Desta maneira, a lógica é a seguinte: para barragem com boa captação, se deve planejar o plantio de 80% a 100% da capacidade de irrigação. Naquelas com média captação, a área deve ser dimensionada em torno de 50% da capacidade de reservação de água. Nas com baixa captação, não se deve superar os 30%”.

Uma das poucas notícias boas para a próxima safra é a redução do custo em itens importantes. Caiu significativamente o preço dos fertilizantes, do herbicida glifosato e, caso se confirme o fenômeno El Niño, a irrigação será mais econômica.

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