Nova geração dá continuidade à produção biodinâmica em fazenda
Produzir mil toneladas de arroz por ano, sem usar insumos convencionais, leva tempo, requer paciência e persistência. Veja na segunda parte da reportagem do Globo Rural .
Produzir sem agrotóxico dá trabalho. “O maior capricho possível no preparo do solo e na irrigação, porque arroz quer água, até na panela quando vai cozinhar, então esse manejo da água tem que ser o mais perfeito possível”, explica o agricultor João Volkmann.
Investir num bom sistema de canais e comportas pra manejar a água de irrigação, ajuda a manter a lavoura saudável. “Porque a própria água é que vai fazer o controle das plantas invasoras ou quando temos problemas de inseto na raiz, a gente tem que suprimir a água. E tem que ser possível fazer a drenagem e a irrigação em cada momento que é necessário”, diz.
Para dar conta da lavoura, dos animais e do beneficiamento do arroz, a fazenda tem 15 funcionários fixos. Que além de ter todos os direitos trabalhistas garantidos, são tratados com muito respeito. Família e colaboradores almoçam juntos. Partilham a mesma comida. Dividem responsabilidades.
Wilmar Forte, tem 47 anos. Trabalha na fazenda há quase 30. “Eu me criei trabalhando aqui. O que aprendi a fazer foi aqui. Se sei fazer hoje uma cerca, aprendi aqui. Se sei trabalhar no trator, foi aqui. Se sei ajudar no campo, foi tudo aqui. O que ganha aqui dá pra viver tranquilo”, conta.
O conhecimento aprendido em décadas de trabalho, hoje é compartilhado com quem quiser aprender. Essa, aliás, é outra regra da biodinâmica.
COMPARTILHAR O CONHECIMENTO
Ao longo do ano vários cursos são realizados na fazenda e toda semana tem visita. Como alunos do curso de agronomia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, que estava na fazenda durante a reportagem.
“É um desafio para nós mostrar ao aluno que há possibilidade de produção sem o uso de agrotóxicos. De entender a agricultura de uma outra forma. Eu chamo da filosofia da abundância. Ao invés de querer exterminar as pragas, que a gente vê, como a filosofia da miséria. Então o que a gente quer é partilhar desta experiência de produzir um alimento saudável”, comenta Janaína Bernardo, professora.
No campo, os alunos podem ver de perto o resultado do sistema e até quem é do ramo se surpreende com a qualidade e a produtividade da lavoura de arroz. “Meu vô planta e a gente nasceu vendo eles botando veneno, muito adubo. E ver que é possível produzir sem a utilização desse veneno, sem agrotóxico, é uma coisa surpreendente. Pretendo levar isso pra minha vida profissional. Quando disse que ia vir aqui, o vô disse: tu vê como é que eles fazem, que a gente quer fazer também”, conta Natália Scherer, estudante.
A fazenda também recebe estagiários do Brasil e de outros países. Augusto Colagioia e Damian Ferranti, são dois engenheiros agrônomos recém-formados, argentinos, que estiveram na fazenda para fazer um estágio.
“Considero que a formação como engenheiro agrônomo tem uma parte teórica, que se vive na universidade, e outra parte que é na vida prática. Tivemos a sorte de encontrar o João e vir aprender todo o conhecimento que ele tem aqui”, diz Augusto.
“Somos agricultores familiares. Meu propósito é conhecer diferentes culturas, diferentes movimentos agroecológicos, como orgânico e biodinâmico, para poder levar à argentina alguma coisa dessa experiência”, comenta Damian.
Foi estagiando na fazenda, há alguns anos, que o chileno Sebastian conheceu a Gabriela, filha mais nova de João. Ele é formado em engenharia do agronegócio, um curso que não existe no Brasil. Gabriela é agrônoma. Os dois se apaixonaram e foram pra Alemanha fazer uma especialização em biodinâmica. Agora estão casados e de volta à fazenda.
“A gente enxergava aqui um potencial. Não só para trabalhar com agricultura, para sermos agricultores, mas também pra podermos trabalhar com outras pessoas e desenvolver outras áreas junto com a agricultura”, comenta Gabriela.
“Aqui já existe o arroz como uma área de empreendimento forte. A nossa intenção é começar a explorar aquilo que a fazenda já tem. Conseguir estabelecer isso numa produção. Embora pequena, mas que possa ser o início de uma produção maior”, conta.
Sebastian está selecionando búfalas que são boas produtoras de leite. Na cozinha de casa, ainda de forma experimental, Gabriela faz queijos. Atividade que aprendeu na Alemanha, na fazenda biodinâmica onde estudou e morou por um ano e meio. “Porque é uma coisa muito rápida, uma transformação, uma mágica mesmo que acontece”, diz. Como ainda e pequena, a produção, por enquanto, é usada para abastecer a fazenda.
Jorge Volkmann é sobrinho de João e segue a mesma trilha. Aproveita plantas da fazenda, como a pimenta verde, uma erva nativa da região para produzir chás biodinâmicos. E também trabalha com essências exóticas, como a lótus, planta aquática originária da Ásia, que cresce muito bem nos lagos da propriedade.
“A planta toda é boa para o chá, mas a flor de lótus torna ela mais auspiciosa e os orientais gostam muito da parte da flor, porque acreditam que ela traz desde a lama até o calor do sol”, explica.
Jorge montou uma pequena agroindústria, onde produz mais de 50 tipos diferentes de chá. O processo é simples. As plantas são lavadas, higienizadas e depois desidratadas num secador movido a energia solar.
“Nós temos chás que secam em um dia e meio e chás que secam até em uma semana, 10 dias. A média é de quatro a cinco dias”, diz.
A agroindústria já está legalizada e certificada e já tem muitos clientes. Jorge também construiu uma pousada para hospedar gente quem vêm fazer curso, conhecer a fazenda ou apenas relaxar. “Juntando chá, pousada… Dá pra viver muito bem aqui, porque as pessoas que vêm aqui são muito especiais”, diz.
A fazenda tem cerca de 560 hectares e permite que todos vivam com conforto. “Hoje o custo de produção de uma tonelada de arroz gira em torno de R$ 2.500 e hoje nós vendemos a R$3 o quilo”, afirma João.
Com recurso, paisagem e solo fértil, a fazenda ainda guarda muito possibilidades para a família de seu João. “Deixo um legado, entregando uma terra muito melhor do que a que eu recebi, isso deixa a gente tranquilo, porque a terra não é nossa, a gente está aqui só de responsável”, declara João.
Responsabilidade, respeito, amor à terra… Ferramentas que não são palpáveis, mas que certamente levam à sustentabilidade. Assim, a majestosa figueira do jardim de João, ainda poderá testemunhar a passagem de muitas gerações de agricultores da família Volkmann, que terão no tempo não um inimigo e sim um grande parceiro.