O Agro e o pós Coronavírus
Autoria: José Nei Telesca Barbosa – Engenheiro Agrônomo, Advogado.
Todos nós, dos adultos às crianças estamos vivenciando um momento histórico, talvez único em nossas vidas, qual seja a pandemia do coronavírus. Sem entrar no mérito da sua origem, forma de disseminação, letalidade e outras questões de epidemiologia, resta cuidarmo-nos e tirarmos lições desse período angustiante, mas de muita reflexão.
Vivenciamos o período anterior a essa pandemia, estamos atravessando o presente e, com os cuidados que estão sendo exigidos, talvez possamos vivenciar ou até mesmo “projetarmos” ou planejarmos o momento futuro pós coronavírus. Cabe registrar que antes do início dessa pandemia, vivíamos um pandemônio na economia, na política e, em particular no agronegócio, em fato já descrito no artigo “O Agro e a Tecnologia”, no qual demonstramos a insustentabilidade do agronegócio diante da relação desfavorável no confronto custo e benefício na maior parte dos seus estabelecimentos.
Pode-se enumerar uma série de empreendimentos que confirma essa afirmação. No entanto, esta listagem nunca será dada por completa e qualquer um poderá acrescentar ou tirar algum item, ou mesmo analisar cada um em separado, quanto ao seu passivo/ativo ambiental, econômico e social.
O fato é que esse período do isolamento do coronavírus é importantíssimo para refletir, projetar o futuro e registrar as modificações necessárias, e quando a travessia for feita as correções estarão prontas para ser implementadas.
1) É insustentável a relação custo benefício de muitos agricultores pelo grau de endividamento em bancos, revendas de insumos, máquinas, equipamentos e em tradings de comercialização. O quadro atual mostra que o produtor gira um negócio numa cadeia de muitos agentes envolvidos, todos com uma rentabilidade significativa e, ao produtor, responsável primeiro por essa movimentação fica a menor parte do bolo, ou amarga um prejuízo ao final do exercício;
2) É insustentável a exigência de maior produção e produtividade, juntamente com elevados custos ambientais, de arrendamentos, de custeios e dos investimentos necessários. Criou-se ao longo do tempo a ideia que a tecnologia está associada exclusivamente a altos rendimentos e à elevada produção, fazendo com que as inversões em itens de custeio e investimento fiquem acima da capacidade de produção da lavoura, sendo que cabe apenas ao produtor, suportar eventuais prejuízos no resultado final;
3) É insustentável, que a produção final seja vista apenas como uma commodity e dessa forma ser repassada aos agentes de comercialização internos ou externos, resultando num baixo retorno financeiro ao produtor. Ao Estado, os produtos agropecuários que são exportados deixam de recolher impostos de circulação de mercadorias, não gerando essa receita e não ressarcindo os desgastes e investimentos em estradas, portos etc;
4) É insustentável a financeirização da agricultura sem que o seu principal interessado, o agricultor, tenha conhecimento suficiente para entender todo o processo. Os diferentes títulos do crédito rural em geral, suas taxas, encargos, prazos etc, envolvem cálculos bastante complexos para que o produtor com suas múltiplas tarefas possa escolher dentre aqueles que sejam mais adequados para a situação que necessita;
5) É insustentável a atuação isolada do agricultor, numa posição de “franco atirador” no seu relacionamento com o mercado de compra da produção ou da venda de insumos, máquinas, equipamentos e do arrendamento das terras de plantio. Novamente aqui aparece a figura isolada do produtor atuando diante de muitas variáveis, que, definitivamente, no estágio atual do agronegócio, exige alta especialização para a tomada das melhores decisões, devendo o produtor integrar-se com outros agentes cujos compromissos de cada um sejam pactuados de início;
6) É insustentável a cadeia do fumo ou do tabaco (nome escolhido para suavizar o mal que o produto causa a saúde pública), que torna os usuários do cigarro vítimas em potencial dessa pandemia, diante do estrago provocado ao pulmão, coração e artérias, debilitando-os e contribuindo para colapsar os precários sistemas de saúde. Diante desse fato deveria ser estabelecida uma cota de contribuição da renda bruta das industrias fumageiras para fazer frente à manutenção e investimentos em hospitais e casas de saúde. Essa afirmação não desmerece o excelente modelo de integração e de produção de renda aos pequenos agricultores, que poderia ser redirecionado aos demais produtos agropecuários de modo a mantê-los no campo com emprego e renda;
7) É insustentável a produção de leite, que exige um sistema sofisticado de alta produtividade, instalações e equipamentos caríssimos, complexos e com uma remuneração baixíssima ao produtor. O valor pago ao produtor por litro tem como base o preço do leite fluído, que há muito deixou de ser o principal item de venda no varejo e sim, na forma de queijos, flans, yogurtes, bebidas lácteas etc. Esse valor irrisório pago ao produtor, faz com que um percentual elevado de produtores abandone a atividade por apresentar-se deficitária;
8) É insustentável, que o setor da inteligência, de apoio e de representação dos produtores, como as entidades de classe, ensino, pesquisa e assistência técnica, ajam como meros observadores e sigam na lógica do aumento da produção e da produtividade, ou no máximo, propondo soluções paliativas quanto à sustentabilidade do agronegócio. Esse setor de acompanhamento do agronegócio limita-se a divulgar técnicas relacionadas à produção e produtividade e muito pouco em relação aos temas socioeconômicos, que possam contribuir para o aumento da renda rural. Os líderes e entidades, ao invés de agir na defesa econômica do custo e da renda, muitas vezes até fazem o contrário, facilitando os fabricantes e fornecedores no seu trabalho, organizando exposições e feiras como nos grandes shows rurais;
9) É insustentável, que o consumidor tenha praticamente deixado de preparar seus alimentos no domicílio e ficado sem tempo para adquirir produtos frescos e os saborear em volta de uma mesa, conjuntamente com os seus familiares. Persistindo o atual sistema de consumo deverão os produtores e as empresas desenvolver formas de fazer chegar os alimentos mais proximamente ao consumidor ou processá-los minimamente na zona de produção.
Outra questão a ser levantada é sobre como serão implementadas essas mudanças, se os agentes de Estado foram tão desconsiderados em suas funções? Iremos revisar essa postura e nos comprometermos com essa nova visão, que certamente deverá preponderar após estes dias de isolamento e de reflexão sobre as causas dessa tragédia mundial?
Uma verdadeira cruzada deverá ser empreendida por todos os agentes do agronegócio e seus interessados, dentre eles produtores e consumidores para trazer uma vida sustentável ao agro e ao seu entorno, com renda, emprego e saúde.
Oxalá nos encontremos no futuro pós coronavírus!
3 Comentários
Fiquei impressionado com o teu pessimismo José Nei. Tu listaste 9 itens onde tentas comprovar a insustentabilidade do produtor de arroz, e aproveitou para palpitar sobre leite e tabaco.
Só que não indicas nenhuma saída racional para esse problema de insustentabilidade que mencionas. Chegas a dar a entender que a exportação de arroz, que nos dá sustentabilidade, seria prejudicial aos cofres públicos. Que absurdo. Entendo que quanto menos recursos forem carreados aos cofres públicos melhor para todos, exceto para os parasitas que vivem do nosso dinheiro. Essa pandemia, mais uma vez mostra que nós do setor privado somos sempre os que acabam pagando a conta de todos os prejuízos, inclusive e principalmente os causados pelos políticos e burocratas de plantão.
Bom dia, sr. Walter! Que bom nos encontrarmos nesse período ‘durante a pandemia’ e oxalá nos encontremos no período pós-pandemia! Como disse este momento deve ser de muita reflexão e aproveitarmos para ver ‘a quantas andamos’! Também acredito que é momento de colocarmos ‘ a bola no meio de campo’ e nos prepararmos para não voltarmos ao mesmo ritmo alucinado e do ‘salve-se quem puder’ do período anterior, que faz muito mal para a saúde financeira da maioria dos produtores. Isso pode ser evitado com um planejamento que inclua empresas de maquinas, equipamentos, tradings, entidades dos produtores e do governo. Acredito que sem uma contribuição dos particulares não poderemos realizar um trabalho organizado e, ao que parece, não há algum exemplo disso no mundo ou algo tão liberal. Encaminhei outro texto complementar a esse, em que o senhor pode tecer sua crítica, que será muito apreciada.
Agradeço tua atenção em responder ao meu comentário.
Gosto de debates em alto nível e com fundamentos claros.
Vou esperar teu próximo artigo. E te desejo sucesso!