O que pensam os uruguaios sobre o impasse do arroz no Mercosul

Em entrevista exclusiva à Planeta Arroz, o presidente da Associação dos Cultivadores de Arroz do Uruguai, Hugo Manini Rios, analisa o impasse sobre as importações de arroz do Mercosul, as barreiras dos produtores brasileiros e o painel do arroz na OMC.

A crise de preços no Mercosul, o protesto dos arrozeiros gaúchos e o movimento pela abertura de um painel de arbitragem na Organização Mundial de Comércio pelas entidades arrozeiras contra os subsídios norte-americanos ao arroz são temas que movimentaram a cadeia produtiva do Cone-Sul. Para saber qual a visão dos maiores exportadores do cereal no Mercosul, principalmente para o mercado brasileiro, Planeta Arroz foi entrevisar o presidente da Associação dos Cultivadores de Arroz do Uruguai (ACA), Hugo Manini, uma voz forte na cadeia orizícola internacional.

A seguir, os trechos mais importantes de uma longa entrevista:

PLANETA ARROZ:
O senhor acredita na viabilidade do Mercosul consolidar-se como um bloco agroexportador também na área do arroz?

HUGO MANINI:
– Estou otimista. O Mercosul tem seus defeitos e precisa de ajustes, mas seu princípio e seus objetivos são maiores. Acredito na organização do bloco para buscar o respeito à eqüidade das regras do mercado mundial. No caso do arroz, inclusive.

PA:
Como o senhor analisa a atual conjuntura do Mercosul e os incidentes recentemente ocorridos na fronteira no protesto de arrozeiros brasileiros?

MANINI:
– O Mercosul tem regras de funcionamento e é preciso saber respeitá-las e adequar-se a elas. Hoje, 38% dos produtores da ACA são brasileiros. Mas, mesmo diante deste cenário, tivemos dois dias infelizes em 19 e 20 de outubro com esta ação de arrozeiros brasileiros, mobilizados por suas entidades. Digo isso porque ocorreu logo depois das duas grandes reuniões que realizamos em Porto Alegre e na Argentina, onde estabelecemos metas e um acordo setorial do bloco para buscar soluções conjuntas e negociadas para o arroz. Todas as lideranças da cadeia produtiva e industrial do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, inclusive o secretário da Agricultura (Odacir) Klein, Pery (Sperotto Coelho) do Irga e Valter (José Põtter) da Federarroz, concordaram com os termos. Se criou uma Câmara Setorial do Mercosul para resolver as questões relativas ao setor.

PA:
O senhor acredita que houve prejuízo às tratativas do Mercosul?

MANINI:

– Creio que superaremos, mas andamos para trás com estes atos imaturos. Me pergunto: se a produção de arroz do Mato Grosso, Tocantins e Goiás aumentar muito, os gaúchos vão protestar em São Paulo. Vão fechar as estradas também. Somos tão integrantes do Mercosul, na condição de mercado comum, quanto qualquer estado brasileiro, mesmo guardadas as diferenças e reconhecidos os ajustes necessários.

PA:
O senhor acredita que os protestos comprometeram este acordo?

MANINI:
– Foi criada uma guerra psicológica via imprensa. Não é bom que dirigentes brasileiros assinem um acordo e depois comandem um protesto contra o Mercosul, esquecendo o compromisso maior de nossos países. O Brasil é um dos maiores importadores de arroz do mundo e apenas este ano alcançou auto-suficiência por que o clima foi muito favorável. Os dirigentes precisam ter maturidade para solucionar os impasses sem radicalizar. Que nossos reais adversários, aqueles que dominam o mercado internacional com pesados subsídios, não nos usem por meio de protestos de gente imatura, que não entende o substancial das propostas que nos uniram em Porto Alegre e na Argentina e há mais de 10 anos no acordo máximo de nossos países.

PA:
O senhor concorda que a crise do arroz foi gerada pelos excedentes do Mercosul que foram direcionados quase exclusivamente para o Brasil?

MANINI:
– A crise do arroz começou antes de 2000. E o clima interferiu nos últimos anos, principalmente no Brasil, cuja produção oscila muito a cada ano. A causa é justamente o excesso de arroz subsidiado que entra no Brasil. E que impedem o Mercosul de participar mais efetivamente do mercado extra-bloco, apesar de todo o nosso esforço e competitividade. Vendemos um terço de nossa produção para terceiros mercados e continuamos insistindo. O Brasil em 2005 não será auto-suficiente. De cada 10 anos, nove o Brasil precisa de arroz do Uruguai e da Argentina para abastecer seu mercado. E as vezes até da Ásia e Estados Unidos. Os arrozeiros do Brasil precisam alcançar um patamar de maior competitividade, no nível dos uruguaios e argentinos. O mundo inteiro precisa de arroz e nós temos de sobra. Nosso desafio é vencer os subsídios e ter competência para abastecer estes mercados demandantes.

PA:
– Qual a participação do Uruguai nos estudos para promover um painel de arbitragem na OMC contra os subsídios norte-americanos ao arroz, que tanto interferem no mercado mundial?

MANINI:
– Depois dos avanços do G-20 e dos painéis do açúcar e do algodão, podemos ganhar agora o do arroz. Vamos acompanhar o Brasil nesta iniciativa, honrando o compromisso firmado diante das autoridades brasileiras e argentinas. Acreditamos que o presidente eleito do Uruguai, Tabaré Vázquez, apoiará essa medida.

PA:
Como o senhor acha possível alcançar o objetivo de um Mercosul agro-exportador de arroz?

MANINI:
– Eu creio que o painel é fundamental. Mas, além disso, a receita utilizada pelo Brasil para, em seis anos duplicar o volume de grãos produzidos e tornar-se o maior exportador de carne do mundo, precisa ser usada. Precisamos ser competitivos, ter produto de qualidade e capacidade de produzir. Precisamos ter competência, pois em igualdade de condições, sem os subsídios, somos imbatíveis e temos o único lugar do mundo onde é possível expandir área para a produção agrícola.

PA:
– Porque o arroz uruguaio é tão mais barato que o produto brasileiro?

MANINI:
– Entre 1999 e 2003 perdemos quase 40% dos produtores quando os preços cairam muito. Mas, mesmo assim, historicamente mantivemos preços de um dólar a um dólar e meio mais baixos do que no Brasil. Isso por questões como clima, rotação com pastagens, ausência de arroz preto e vermelho, pragas e até uma tonelada de produtividade média superior ao Rio Grande do Sul. Existe esta diferença, uma vantagem competitiva. Mas, o preço do arroz brasileiro é fixado pelos atacadistas de São Paulo, não pelos produtores uruguaios e argentinos. E estes empresários paulistas definem os preços baixistas porque o Brasil alardeou uma supersafra, forçando quedas muito antes que o mercado realmente indicasse esta tendência. O que faz um supermercadista diante de uma grande oferta de arroz? Ele quer comprar mais barato. Quem quer vender, se sujeita. Os compradores não são sociedade de caridade. Querem lucro. É a lei do mercado.

PA:
– Mas, existem vantagens tributárias no Mercosul que o Brasil não tem…

MANINI:
i – Este assunto foi muito bem discutido em Paraná, capital de Entre Rios. Há uma via de duas mãos no Mercosul para transitar e buscar informações e soluções entre os governos. Há boas intenções do presidente Lula e também dos dirigentes da Argentina e do Uruguai para buscar a igualdade de condições no Mercosul, mas existem pressões internas, de parte a parte. É preciso haver habilidade por parte dos verdadeiros líderes para unificar critérios.

PA:
O que se projeta de produção, área e produtividade no Uruguai para a próxima safra? E quais os estoques atuais do Uruguai e da Argentina?

MANINI:
– A Argentina deve plantar 150 mil hectares, talvez menos, 140 mil, pelo déficit hídrico em Corrientes e Entre Rios. O Uruguai plantará 30 mil a menos, ficará entre 165 mil a 170 mil hectares, pelo mesmo motivo. Mas, veja, um dirigente hábil e maduro não diz aos compradores e atacadistas qual o estoque. Dependendo da interpretação que quiserem dar, isso reduzirá os preços. Segundo a FAO, o estoque de passagem de um país deve ficar em torno de 14% do consumo. No Mercosul o estoque de passagem ficará muito abaixo dos 14%.

PA:
Quais as maiores razões para que Brasil, Uruguai e Argentina não tenham conseguido encontrar novos mercados para vender seu arroz?

MANINI:
– Subsídios. Subsídios americanos que interferiram nos preços e fecharam os mercados para nós. E a alta dos fretes internacionais. Os norte-americanos dominam o mercado neste lado do planeta, e não podemos concorrer com seus subsídios. Daí, a importância do pedido de abertura de painel na OMC.

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