“Os arrozeiros são muito fortes”

 “Os arrozeiros são muito fortes”

Engenheiro agrícola, Lauro Soares Ribeiro, 30 anos, diretor da Agropecuária Canoa Mirim, em Santa Vitória do Palmar, tornou-se o general das ações voluntárias dos arrozeiros na drenagem de áreas alagadas no Aeroporto Salgado Filho, bairros de Porto Alegre, junto ao Canal de São Gonçalo, em Pelotas, e, também, em Novo Hamburgo, durante as inundações históricas de maio deste ano. Ele é o nosso entrevistado desta edição.

Planeta Arroz – O que foi o Drenar-RS?
Ribeiro – “Um movimento voluntário de arrozeiros, com apoio de entes públicos e privados, para evitar ou solucionar questões ligadas ao bombeamento e drenagem de áreas urbanas e evitar o colapso das cidades ou agilizar a retomada das atividades e normalidade destes locais e das pessoas que vivem neles”.

Planeta Arroz – Como começou?
Ribeiro – “Após chuvas intensas na Zona Sul e a queda dos sistemas de proteção em Porto Alegre, o Márcio Sanchez da Silveira, também diretor da Canoa Mirim, comentou que as casas de bombas da Sanep, em Pelotas, talvez inundassem. Fomos lá olhar e vimos que havia uma série de vulnerabilidades, desafios, mas coisas normais do nosso dia a dia na irrigação e drenagem das lavouras de arroz, e que poderíamos ajudar”.

Planeta Arroz – Que desafios?
Ribeiro – “A vulnerabilidade estrutural. Se a água subisse pelo lado interno, extravasasse ou rompesse o dique, as casas de bombas parariam de funcionar, igual aconteceu em Porto Alegre. Os projetos são os mesmos e os problemas seriam os mesmos. Criamos novo ponto de bombeamento para que, se a água invadisse Pelotas, ajustando os diques, conseguíssemos retirá-la em até uma semana”.

“Desafios são normais no nosso dia a dia”

Planeta Arroz – Não foi algo fácil…
Ribeiro – “Todo mundo ajudou. Em menos de 24 horas conseguimos o rebaixamento de tensão da rede elétrica e, em quatro dias, tínhamos 25 bombas instaladas em Pelotas. Percebemos que o ponto vulnerável para colapsar a cidade era o Porto, onde não há diques, e conseguimos mobilizar a Prefeitura, Exército e voluntários para criar uma contenção, que evitou danos maiores”.

Planeta Arroz – E as casas de bombas?
Ribeiro – “Conseguimos reforçar as casas de bombeamento. Se houvesse mais chuvas torrenciais e/ou entrasse água pelas tubulações de drenagem, que não há como vedar 100%, precisávamos capacidade de retirada maior do que o volume que entrava. Fortalecemos cinco pontos de bombeamento e ajudamos a drenar a região do Laranjal, junto da Lagoa dos Patos”.

Planeta Arroz – Várias pessoas ajudaram.
Ribeiro – “Foi um movimento fantástico, sem pedir algo em troca. Mobilizamos quase 300 pessoas e empresas. Não houve aplicação direta de nem um centavo público”.

Planeta Arroz – Como foram para Porto Alegre?
Ribeiro – “Havia voluntários com interlocução em Porto Alegre e Novo Hamburgo, cidades que precisavam de ajuda. Como eram necessários mais equipamentos, pedimos ajuda à Federarroz e batizamos a ação de Drenar-RS. Vieram bombas de Santa Maria e Uruguaiana, entre outros, revendas nos cederam tratores, o Exército transportou, a Federarroz ajudou a pagar fretes”.

Planeta Arroz – E foram drenar o aeroporto?
Ribeiro – “Oferecemos auxílio, e o Dmae nos designou o Aeroporto Salgado Filho, pois a operação ali reduziria o volume de águas na região dos bairros Humaitá, Mauá, Anchieta, 4º Distrito. Assim, colaboramos também para baixar as águas nas casas de bombas que estavam desligadas, para permitir acesso e a recuperação dos equipamentos”.

Planeta Arroz – E em Novo Hamburgo e São Leopoldo?
Ribeiro – “Lá foram utilizados equipamentos do Grupo Ceolin, de Uruguaiana, na região do Arroio Gauchinho. Muita gente ajudou como podia”.

Planeta Arroz – Como assimilou o setor público?
Ribeiro – “Havia críticas públicas, nas redes sociais, sobre a atuação do setor público. Então, as primeiras reações foram um pouco desconfiadas. Mas, rapidamente, conseguimos a confiança dos entes públicos, pois perceberam que estávamos ali para ajudar. As ações foram desenvolvidas em consonância. O setor público dava o guarda-chuva, e o setor privado, com sua agilidade, ajudava a resolver”.

Planeta Arroz – Quem comandou as operações?
Ribeiro – “Muitas pessoas. Todos foram incríveis, mas quem atuou desde o começo foram o Guilherme Gadret, Antoniony Winkler, Fabrício Iribarrem, Henrique Levien e eu, mas, na segunda etapa, o Rogério Goulart, da CCM Automação, foi fundamental também, além do Daniel Gonçalves, em Porto Alegre, e do Joel Micheloti, do Grupo Ceolin, em Novo Hamburgo”.

Planeta Arroz – Dá para mensurar em números?
Ribeiro – “Não. Em custos, cada um pagou do bolso, ninguém cobrou. Tivemos 48 bombas movimentadas, de 300 litros por segundo até 2.500 litros por segundo. E na construção de contenção com sacarias com areia, por exemplo, envolvemos 100 pessoas, entre civis voluntários e militares. Imaginamos ter impactado perto de 500 mil pessoas, direta ou indiretamente”.

Planeta Arroz – Além das cidades, os arrozeiros foram muito impactados.
Ribeiro – “Sim. Foram grandes as perdas no setor por causa deste evento climático. No arroz, a área mais atingida foi a Região Central, embora outras regiões tenham também amargado alguns prejuízos. Mas, no caso da soja, todos perdemos bastante. Boa parte da cultura ainda estava no campo, e além de perdermos em quantidade, perdemos muito em qualidade, pela deterioração do grão. Isso levou a produzir menos, com menor qualidade e, ainda, receber menos pelo produto que conseguimos salvar”.

“Somos muito fortes como classe, como sociedade”

Planeta Arroz – Teve gente que perdeu tudo?
Ribeiro – “Sim. A gente sabe que tem uma indústria a céu aberto e corre riscos a cada safra. Mas, neste caso, foram casas, silos, galpões, máquinas, equipamentos e lavouras. Até solo teve gente que perdeu. Daí a pergunta que fica é: como alguém que perdeu tudo se manterá plantando? Precisamos de ações coordenadas e organizadas pelos governos estadual e federal para dar suporte e reestruturar este produtor”.

Planeta Arroz – Esses eventos se devem à aceleração da mudança climática?
Ribeiro – “Não entendo de mudanças climáticas. Este ano, tivemos um El Niño muito forte, que trouxe graves consequências pelo excesso hídrico. Nas minhas funções, cabe me preparar para ver até onde consigo proteger minhas estruturas, lavouras e avaliar que precisamos de um seguro agrícola mais eficiente, pois o risco persistirá. Agora, para as cidades, ficou a lição de que será necessário ampliar as estruturas dos diques, modernizar os sistemas de bombeamento e drenagem e as contenções para evitar novas inundações”.

Planeta Arroz – De onde os arrozeiros tiraram força?
Ribeiro – “Os arrozeiros já vivenciaram muitas crises, acabaram se tornando muito fortes. Essa resiliência ajuda a ter discernimento sobre como ajudar as cidades. Conhecemos o assunto que é irrigar e tirar água, drenar, elevar diques, e usamos essa expertise. Não há quem não quisesse ajudar o Rio Grande do Sul”.

Planeta Arroz – Que lição fica desse movimento?
Ribeiro – “O que fica de mais importante é nossa capacidade de organização. Somos muito fortes como classe, como sociedade. Trabalhamos com objetivo comum, de forma organizada, cada um contribuindo a seu tempo e respeitando a capacidade de todos. Funcionou bem e trouxe uma onda positiva. Tem sido pauta de nossas conversas manter este tipo de mobilização para que possamos apoiar o setor público no sentido de que tome melhores decisões em prol da sociedade. Não podemos agir apenas no embate”.

Planeta Arroz – Do ponto de vista pessoal, qual sua avaliação?
Ribeiro – “Eu voltei a acreditar muito fortemente na sociedade”.

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