“Os danos foram muito além das lavouras”
Alexandre Azevedo Velho, 57 anos, é agropecuarista, realiza sua 39ª colheita e preside a Federarroz (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul) há cinco anos. Em 2025, encerra o segundo mandato à frente da entidade. Sob sua responsabilidade, a Abertura Oficial da Colheita do Arroz mudou-se para a Embrapa Clima Temperado, agregou cultivos em terras baixas e realizou as maiores edições. O arroz chegou a preços históricos, mas a categoria passou por catástrofes climáticas, perdas e a necessidade de se reinventar inúmeras vezes.
Planeta – Por onde passou a formação de preços em 2024?
Alexandre – “A área semeada em 2023/24 foi menor e gerou expectativa de redução no volume colhido. Isso ajudou inicialmente, mas a evolução dos preços internacionais levou a cotações recordes no Mercosul. As ameaças à colheita, tanto por razões climáticas como por razões políticas, somaram-se ao quadro. Por sorte, a colheita chegava a 85% nas enchentes de maio. A conjuntura gerou bons preços ao longo da cadeia produtiva”.
“Indústria e produtores foram acusados de especuladores”
Planeta – Que razões políticas?
Alexandre – “Em meio às enchentes, o governo federal fez equivocado anúncio de leilão de compra de um milhão de toneladas de arroz no exterior e cogitou faltar grão no país, apesar da Federarroz garantir o abastecimento. Isso alterou a lógica das cotações no Mercosul e até na Ásia, que passaram a contar com a importação brasileira em volume capaz de desestabilizar o equilíbrio do comércio internacional. Isso só fez subir os preços externa e internamente, com repercussão no preço ao consumidor. O leilão foi cancelado por suspeitas de irregularidades”.
Planeta – Sem dúvida, houve o desequilíbrio…
Alexandre – “O Brasil fechou o ano com 94 mil toneladas de déficit na balança comercial, praticamente o mesmo volume que importou da Ásia. Os danos desta tentativa de intervenção foram além das lavouras e da safra 2023/24, afetaram a safra 2024/25 e toda a cadeia produtiva”.
Planeta – Mas as enchentes afetaram os preços…
Alexandre – “Pelo medo de desabastecimento enquanto não se sabia a dimensão dos danos. As inundações geraram expectativa de uma enorme quebra de safra, que não se confirmou. Naquele momento, o problema foi logístico. Estradas e pontes interrompidas não permitiam o fluxo normal das cargas aos centros consumidores. O sistema de emissão de notas fiscais eletrônicas do Estado caiu, afetado pelas inundações em Porto Alegre. Por uma semana, 10 dias, não havia como vender e nem como transportar. O varejo, temendo desabastecimento, limitou as vendas e muitos consumidores resolveram estocar arroz. O governo ajudou a gerar a insegurança”.
Planeta – Foi algo pontual…
Alexandre – “Exato, e deveria ter sido tratado como tal, mas indústria e produtores foram acusados, injustamente, de especuladores”.
“A ajuda à Região Central foi insuficiente”
Planeta – Esses fatores trouxeram impacto aos arrozeiros?
Alexandre –“Muitos. Além dos danos diretos em áreas atingidas, o custo de produção aumentou, pelo menos, 5% para a safra 2024/25. Nas regiões atingidas foi muito mais. Sabemos de produtores que, para recuperar a área parcialmente, tiveram um custo 70% maior para implantar uma lavoura que não terá o mesmo retorno produtivo que havia antes das enchentes”.
Planeta – Neste caso, o que faz o produtor?
Alexandre – “Busca uma perfeita gestão financeira, identifica seus custos de produção detalhadamente e se convence que não pode vender arroz por menos de R$ 100,00. Na maioria das regiões arrozeiras, o custo não baixará dos R$ 90,00 a R$ 100,00 de média por saca, dependendo da produtividade obtida”.
Planeta – Alguém vendeu abaixo disso em 2024?
Alexandre – “Eventualmente. Importante é manter o preço estabilizado na colheita, acima dos R$ 100,00, e depois em recuperação. Esperamos manter um piso perto de R$ 100,00 em 2025”.
Planeta – Sobre a Região Central, recebeu a ajuda necessária?
Alexandre – “Não. Foi insuficiente. A Região Central precisa de ajuda: os municípios para recuperar estradas e pontes e os produtores para a recuperação das áreas e estrutura de produção. Estes, e alguns em outras regiões, precisam de repactuação de financiamentos, pois estão com as garantias comprometidas e não colheram, não há como pagar financiamentos e obter crédito para investir na estrutura, no solo, na nova safra. A região necessita de ações concretas e recursos que cheguem ao produtor pelo seu aspecto econômico e social. São pequenos municípios e 13% da área semeada, mas quase 40% dos produtores gaúchos”.
Planeta – O governo atrapalhou?
Alexandre – “O ano de 2024 foi marcado por intervenções ou ameaças do governo federal à cadeia produtiva. Começando com anúncio precipitado da compra de um milhão de toneladas, que fez os preços subirem mais do que deveriam. Continuou, de forma equivocada, com o inédito anúncio de leilões de Contratos de Opção, com referência de preços abaixo do custo e dos preços de mercado em plena entressafra, o que demonstra uma clara intenção de baixar preços na marra e o desconhecimento dos fatores de mercado que impactam as cotações”.
Planeta – Falta informação?
Alexandre – “É preciso que o governo aceite que o produtor não coloca preço no arroz. O valor depende de várias questões, como oferta e demanda, paridade com o Mercosul, mercado internacional, câmbio, clima, safras no país e mundo a fora. Isso foge ao controle do rizicultor”.
Planeta – Então, superestimou a safra…
Alexandre – “Começamos o ano com o anúncio superestimado pela Conab, projetando área semeada de 988 mil hectares no Rio Grande do Sul, quando o Irga apontava 928 mil hectares, ou seja, 60 mil a menos. Isso demonstrou desconhecimento e desrespeito com a cadeia produtiva e mais uma tentativa de intervenção nos preços”.
“O produtor não põe preço no arroz”
Planeta – Qual o maior desafio do sistema de cultivo de arroz no RS no momento?
Alexandre – “O maior desafio em manter um sistema produtivo, e com rotação de arroz com soja e milho, é fazer com que estas culturas mantenham-se rentáveis”.
Planeta – Sim, mas além da situação climática?
Alexandre – “Necessitamos da rotação, pois aumenta a fertilidade do solo, reduz a competição das invasoras, pragas, doenças, traz melhor produtividade e melhores condições de enfrentar a tendência de aumento dos custos. Ainda precisamos de estabilidade produtiva. Grande desafio hoje, na cultura do arroz, é manter o sistema produzindo e gerando renda, não apenas agregando soja ao portfólio, mas a pecuária, que beneficia muito todo o sistema produtivo”.
Planeta – E em relação a preços?
Alexandre – “Esperamos preços que estejam, ao menos, acima dos custos de produção para o ano comercial de 2025, em função de que o aumento de área foi da ordem de 3%, o que não é substancial para mexer na relação comercial. Iniciamos com um estoque menor e temos uma boa projeção de exportações. Também confio na consciência que os agricultores desenvolveram com relação aos preços e o momento de comercializar. Embora a dimensão da lavoura de soja em terras baixas e as cotações desta oleaginosa tenham diminuído, ela também vai ajudar bastante por estar presente no portfólio. E parte dos produtores ainda têm a pecuária. Com um portfólio maior de produtos, é mais fácil buscar alavancagem nos preços para a temporada”.
Planeta – Ou seja, dá pra segurar um pouco mais a oferta?
Alexandre – “Dá para definir o melhor momento de venda e evitar ofertar em momentos mais sensíveis do mercado. O poder de barganha, hoje, é maior por parte dos produtores. Também esperamos que o fluxo de negócios seja mantido em níveis que a indústria não precise comprar volumes maiores no exterior, o que pode ser bom por unidade, mas prejudica o sistema como um todo. E sabemos que a indústria prefere usar arroz adquirido no mercado interno”.
Planeta – A Federarroz recomenda que os produtores, em algum momento, parem de vender?
Alexandre – “Não. Recomendamos que os produtores mantenham o mercado abastecido, mas buscando suprir seus custos e alcançar um lucro razoável. É preciso ter renda para investir e para sobreviver. E com seu fluxo atendido, a indústria importa menos”.
Planeta – O que a Federarroz quer para 2025?
Alexandre – “Uma ótima Abertura da Colheita, uma agenda positiva, o governo se preocupando com o que precisa se preocupar e paz para que os arrozeiros gaúchos possam trabalhar”.