Os preços dependem de equilíbrio

 Os preços dependem de equilíbrio

Lucilio Alves: informação para o mercado

Lucilio Rogério Aparecido Alves é pesquisador desde 2003 na área de grãos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Filho de produtor rural, é formado em Ciências Econômicas pela Unioeste, de Toledo (PR), mestre e doutor pela Esalq, em Piracicaba. Desde 2008, é professor no Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq. Suas atividades são relacionadas à comercialização agrícola e gestão do negócio agropecuário, com foco nas cadeias produtivas de arroz, soja, milho, trigo, algodão e mandioca. É responsável pelos indicadores, alguns referência para liquidação financeira de contratos futuros na Bolsa de Valores (B3), em São Paulo.

PLANETA ARROZ – Como tem sido a rotina de produzir informações sobre o mercado?
LUCILIO ALVES – “Ao longo da carreira, tenho publicado artigos discutindo inter-relações e transmissão de preços do campo ao consumidor nas diferentes cadeias agroindustriais. Me dedico a quantificar riscos de liquidez e rentabilidade na produção agrícola num contexto de portfólios produtivos em fazendas. Sobre comercialização e gestão, sugiro consulta aos livros: ‘Panorama da agricultura brasileira: estrutura de mercado, comercialização, formação de preços, custos de produção e sistemas produtivos’ e ‘Gestão de negócios agropecuários com foco no patrimônio’, da editora Alínea”.

PLANETA ARROZ – Como funciona o indicador?
LUCILIO ALVES – “O Cepea é o centro de pesquisa do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq. Para elaborar indicadores, tem apoio de entidades nos custos operacionais, via contrato com a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq). No arroz, após a elaboração de metodologia com a cadeia produtiva, de 2005 a 2015, contribuiu a BM&FBovespa e, após, a BBM (Bolsa Brasileira de Mercadorias). Entre 2015 e 2020, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS). Entre julho de 2020 e janeiro de 2022, Fealq e Cepea bancaram os custos para manter o indicador, enquanto buscava acordo com o Irga, que prevaleceu em 1º de fevereiro de 2022, com a denominação de ‘Indicador do arroz em casca Cepea/Irga-RS’. A negociação coincide com o período em que novos agentes assumiram a direção do instituto”.

PLANETA ARROZ – Quanto vai durar a parceria?
LUCILIO ALVES – “Esperamos que seja uma parceria duradoura e com melhorias contínuas. Além do indicador oficial, o Cepea acompanha preços de vários rendimentos, o que permite estudos sobre os impactos de ajustes que podem ser vislumbrados. Será preciso a continuidade da sintonia entre Cepea, Fealq e Irga, e entidades, para acompanharmos a comercialização diária”.

PLANETA ARROZ – Onde avançar?
LUCILIO ALVES – “Será importante um processo educacional para os agentes de mercado entenderem o método aplicado no cálculo do indicador e, então, verificar a utilização em suas tomadas de decisões. Precisamos da boa vontade dos agentes em colaborar com o Cepea e relatar preços de negócios, ofertas de compra e venda, condições envolvidas nas negociações. Esse é o ponto central para que tenhamos sempre boa amostra de dados diários, representando as características de transações em cada dia. Quem negocia frequentemente e está disposto a colaborar, não hesite em contatar o Cepea para se tornar um colaborador do projeto”.

PLANETA ARROZ – O indicador chegará a outros estados?
LUCILIO ALVES – “O Cepea está à disposição para alinhar parcerias com entidades de outros estados e ampliar o acompanhamento de preços. É importante que as entidades queiram colaborar e apoiar as pesquisas do setor por uma instituição sem interesses comerciais sobre a cadeia produtiva, mas com presença e conhecimento sobre o funcionamento setorial”.

PLANETA ARROZ – Que referência o indicador dá ao setor?
LUCILIO ALVES – “Quanto mais informações divulgadas, menores as assimetrias das informações. No caso do preço, observa-se que, ao final do dia, os agentes saberão a cotação média das negociações que colabora na definição quanto à necessidade de ajustes nos valores de ofertas de compra e venda no dia seguinte, inclusive ao relacionar com aspectos externos à cadeia produtiva. Informações regionalizadas enriquecem as análises e tomadas de decisões dos agentes, assim como permite o entendimento da transmissão de preços entre regiões, estados, elos da cadeia produtiva, etc.”

PLANETA ARROZ – É ótimo para compradores e vendedores?
LUCILIO ALVES – “As informações detalhadas permitem a avaliação da rentabilidade da atividade, assim como da sazonalidade e identificação de períodos mais propícios para a realização de negócios. Para as entidades representativas, o acompanhamento da evolução dos preços possibilita a avaliação de demanda para órgãos públicos e de pesquisa que visem a sustentabilidade da atividade”.

PLANETA ARROZ – Como vê a evolução dos preços ao produtor?
LUCILIO ALVES – “Preços são o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, que operam com base nas informações disponíveis, inclusive em expectativa quanto a tendências. No Brasil, o que se observou ao longo do tempo foi a redução da demanda doméstica, em parte influenciada pelo aumento da renda nos anos passados e substituição de produtos alimentares, cuja redução não foi compensada pelas vendas externas, por exemplo”.

PLANETA ARROZ – Então, o brasileiro come menos arroz?
LUCILIO ALVES – “Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, na média do Brasil, a ‘aquisição domiciliar per capita anual’ reduziu 16,1% entre 2002 e 2008 e, depois, mais 25,4% entre 2008 e 2018. Números expressivos, em parte compensados pelo consumo fora do domicílio. Mas não na mesma intensidade. Com excedentes domésticos, a alternativa tende a ser buscar mercado externo. Mas menos de 10% da produção mundial é transacionada entre países e há tipos de grãos e hábitos alimentares diferentes, limitando as transações”.

PLANETA ARROZ – Esses fatores impactam o cenário doméstico…
LUCILIO ALVES – “As cotações são alinhadas com a tendência de médio e longo prazos dos preços internacionais. Médias de exportação e importação pelo Brasil sinalizam esta relação. Nos últimos anos, a oferta superou a demanda no país, pressionando cotações. A receita gerada não remunerou como devia o patrimônio investido pelo rizicultor, resultando na redução da área da cultura e busca por alternativas rentáveis, ou ajuste de sistemas produtivos. Publicamos artigo em setembro de 2019: ‘Patrimônio investido em arroz no RS não é remunerado ao longo de 10 safras’”. (https://www.cepea.esalq.usp.br/upload/revista/pdf/0916800001573583145.pdf).

PLANETA ARROZ – O produtor perdeu renda…
LUCILIO ALVES – “A margem menor/negativa se estende a outros elos da cadeia. A relação entre preços do beneficiado e do casca diminuiu ao longo dos anos, indicando margens menores”.

PLANETA ARROZ – Como a pandemia afetou o mercado e que lições deixou?
LUCILIO ALVES – “A busca por aquisições ‘fora do padrão’ no primeiro semestre de 2020 e a restrição às exportações por países asiáticos favoreceram reações expressivas de preços nos mercados interno e externo. No Brasil, a safra estava consolidada e houve o repasse de recursos sociais à população de baixa renda, que passou a demandar mais em curto período de tempo. As exportações deram um salto, puxadas por demanda externa. Muitos compradores queriam formar estoques. O clima era de incertezas sobre a dinâmica futura. Os preços mais que dobraram em seis meses. Entre abril/20 e setembro/21, o indicador do arroz para o Rio Grande do Sul ficou até 84% acima da média histórica, observada em julho/05 e março/22, de R$ 76,04/sc de 50 kg – deflacionado pelo IGP-DI, base março/22”.

PLANETA ARROZ – Mas a demanda não continuou.
LUCILIO ALVES – “O fluxo de demanda não se sustentou, ao passo em que melhorou na oferta e os preços voltaram a ceder. No último trimestre de 2021 e primeiro de 2022, o indicador voltou a ficar abaixo da média histórica, em diferença negativa acima de 14%. As preocupações sobre a sustentabilidade do setor agrícola voltaram a estar mais presentes”.

PLANETA ARROZ – Quais os gargalos da rizicultura no atual momento?
LUCILIO ALVES – “O principal gargalo é encontrar nível de oferta e demanda que resulte em preços que mantenham a atratividade e a rentabilidade a todos os elos da cadeia produtiva. Ao longo dos anos, a demanda interna está em queda (em média, 0,64% a.a. entre 1999/2000 e 2021/22)”.

PLANETA ARROZ – E como mudar?
LUCILIO ALVES – “Para manter o nível de oferta a preços atrativos, é preciso elevar a demanda via exportações ou ofertar produtos diferenciados ao elo comprador. O setor busca atender a mercados distintos, as indústrias têm trabalhado para oferecer alimentos diversos à base de arroz ou flocos de arroz. Neste processo, o elo mais pulverizado acaba sendo mais afetado, os produtores, que são tomadores de preços na venda do arroz e na compra de insumos”.

PLANETA ARROZ – Daí a necessidade de diversificar a produção?
LUCILIO ALVES – “O agricultor busca alternativas, inserindo ou ajustando sistemas produtivos, com redução da área de arroz e implementa culturas e atividades com potencial de rentabilidade melhor ou risco de margens negativas menores. É natural a um setor em crise há alguns anos. Questiona-se se não falta uma política de estado efetiva ao setor. Se sim, qual política? Sendo o arroz um produto relacionado à segurança alimentar, a manutenção da renda no campo não seria benéfica ao conjunto da sociedade?”.

PLANETA ARROZ – Quais as fortalezas da orizicultura brasileira?
LUCILIO ALVES – “A contribuição da cadeia produtiva ao oferecer produto de qualidade a preços atrativos à sociedade. Em segurança alimentar, não há o que a sociedade reclamar – apesar das dificuldades de sustentabilidade econômica em vários elos da cadeia produtiva. Trata-se de uma cadeia curta, com poucas etapas entre produção agrícola e consumidor. É um setor organizado, com entidades representativas atuantes nos diferentes elos. A rede de pesquisa é invejável, seus resultados podem ser identificados nos ganhos de produtividade e inserção tecnológica, que pouco se vê em outros setores”.

PLANETA ARROZ – Mas…
LUCILIO ALVES – “É importante organizar um conjunto de informações setoriais, envolvendo aspectos sobre desempenho, entraves e desafios, visando subsidiar os agentes do setor na elaboração de propostas de rearranjos organizacionais e institucionais, inclusive readequações dos programas e políticas públicas voltadas a essa cadeia, em busca da sustentabilidade”.

PLANETA ARROZ – O que esperar do comportamento futuro do mercado?
LUCILIO ALVES – “Estamos vivendo período de certa turbulência nas cadeias de suprimentos mundiais, o que dificulta previsões. Além disso, há incertezas sobre as ações de alguns países quanto ao interesse em bloquear exportações, visando o atendimento primeiro de sua população. Esperamos que não ocorra no Brasil. Que possamos continuar no contexto de livre mercado, em que transações sejam efetuadas com base em comum acordo entre compradores e vendedores, seja em termos domésticos ou internacionais”.

PLANETA ARROZ – Mas há particularidades…
LUCILIO ALVES – “Para o curto prazo, compradores e vendedores precisam ter em mente as sazonalidades de preços. Normalmente, as cotações cedem no primeiro trimestre (ao contrário do observado em 2022), com o avanço da colheita, e sinalizam recuperação até, ao menos, o mês de outubro, quando, de novo, sinalizam quedas, em geral, reflexo dos excedentes domésticos. Em 2022, precisaremos aguardar para entender se haverá recuperação da demanda interna e se os volumes de exportação irão continuar mais elevados. A taxa de câmbio influenciará nas transações e paridades de exportação e importação”.

PLANETA ARROZ – Há outros projetos em andamento no Cepea?
LUCILIO ALVES – “Além do acompanhamento da comercialização e divulgação do indicador, o Cepea monitora custos de produção de arroz em diversos estados, com apoio da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e federações. Temos a equipe de macroeconomia, que busca a estruturação do PIB setorial e acompanhamento periódico de seu desempenho. Estudos sobre o emprego na cadeia produtiva também são pautas. No site do Cepea, há estudos sobre a cadeia produtiva, bem como artigos em revistas científicas”.

PLANETA ARROZ – E há um projeto global com Embrapa e Câmara Setorial…
LUCILIO ALVES – “O Cepea e a Embrapa Arroz e Feijão alinham um grande estudo, com o apoio da Câmara Setorial do Arroz, do Mapa e entidades, para elaborar um diagnóstico detalhado da cadeia produtiva, captando percepções dos agentes (insumos, produção agrícola, agroindústria e agrosserviços). Também se propõe a prospectar as potencialidades e rumos a serem seguidos com foco no fortalecimento e robustez do setor e realizar ampla e profunda pesquisa com dados setoriais e de mercado disponíveis para verificação das suas tendências de produção, consumo, preços, custos, produtividade, rentabilidade e competitividade. A meta é subsidiar agentes do setor nas tomadas de decisões e elaboração de propostas que busquem a sustentabilidade”

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