Parâmetros de qualidade para o mercado latino-americano, NIRS e o arroz aromático brasileiro

 Parâmetros de qualidade para o mercado latino-americano, NIRS e o arroz aromático brasileiro

As variáveis breakdown e setback são obtidas na análise do perfil viscoamilográfico (RVA)

Autoria: Nathan Levien Vanier – Professor e pesquisador na FAEM-UFPel.

Dois dos últimos três seminários online do PPGCTA-UFPel foram relacionados ao tema “arroz”. Esse é o tema que tenho dedicado pelo menos 50% das pesquisas em andamento como orientador de alunos de mestrado e doutorado no programa de pós-graduação. As palestrantes dos seminários mencionados foram a Prof. Melissa Fitzgerald, da Universidade de Queensland (Austrália), e a pesquisadora Katerine Loaiza de la Pava, do Fundo Latino-Americano de Arroz Irrigado (FLAR-Colômbia).

Enquanto a Dra. Melissa apresentou resultados de pesquisas conduzidas com voláteis e como o perfil destes compostos possibilita a discriminação de qualidade do arroz (tanto arroz aromático como não aromático), Katerine apresentou métodos tradicionais e avançados que tem usado no programa de melhoramento de arroz do FLAR para discriminar a qualidade de genótipos. Mais que isso: Katerine apresentou parâmetros de qualidade considerados básicos ao selecionar genótipos do programa de melhoramento do FLAR para lançamento em países da América Latina.

A seguir apresento algumas reflexões sobre o que foi abordado nos seminários, com informações adicionais de pesquisas realizadas recentemente por nosso grupo na UFPel.

1. Parâmetros de qualidade de arroz para o mercado de países da América Latina

Os parâmetros apresentados pela pesquisadora Katerine de la Pava como características ideais para cultivares atenderem as exigências das indústrias e dos consumidores de países como Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Colômbia foram:

1. Relação comprimento/largura (C/L) igual ou superior a 3,2;

2. Teor de amilose aparente igual ou superior a 26,5%;

3. Percentual de grãos com o defeito “centro branco” igual ou inferior a 0,8;

4. Rendimento de inteiros superior a 57%;

5. Breakdown inferior a 800 cP; e

6. Setback superior a 1600 cP.

Com essas variáveis e utilizando amostras oriundas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Chile, quatro clusters (grupos) de qualidade foram discriminados através de análise estatística de correspondência, sendo eles: (A) Cluster 1: arroz parcialmente separado e consistente após cocção; (B) Cluster 2: arroz pegajoso e macio após cocção; (C) Cluster 3: arroz parcialmente separado e macio após cocção; e (D) Cluster 4: arroz totalmente separado e macio após cocção. Ainda temos muito a avançar nesse tipo de discriminação para os materiais cultivados no Brasil.

As variáveis breakdown e setback são obtidas na análise do perfil viscoamilográfico (RVA) (figura). São elas que ajudam a diferenciar genótipos que apresentam mesmos teores de amilose mas diferentes propriedades de cocção.

Breakdown significa a quebra de viscosidade que ocorre em um gel de amido, nesse caso elaborado com grãos de arroz polido e moídos, após passar pelo ciclo de aquecimento da análise em viscoamilógrafo. Após gelatinizar, a temperatura do gel é mantida constante por alguns minutos e o próprio cisalhamento da pá do analisador atuando na amostra em teste acaba por desintegrar grânulos de amido e promover a redução (nesse caso também denominada "quebra") da viscosidade da amostra.

Quanto maior a redução, maior a “quebra” de viscosidade. Amostras com grânulos de amido mais tenros em função da sua estrutura, composição e organização molecular geralmente apresentam maior quebra de viscosidade.

A variável setback está relacionada à retrogradação do amido quando submetido ao ciclo de resfriamento no teste do RVA. A temperatura do gel reduz de 95ºC para 55ºC durante este ciclo e, com isso, a amilose retrograda e os grânulos de amido se reorganizam. Isso acaba por aumentar a viscosidade da pasta de amido formada.

Os parâmetros apresentados por Katerine indicam que o gel preparado com o arroz polido e moído deve ser capaz de manter sua viscosidade o mais alta possível durante o ciclo de temperatura constante (95ºC) e, ao final, deve aumentar consideravelmente sua viscosidade no ciclo de resfriamento, acima dos 1600 cP. Dessa forma teremos um indicativo de que determinado genótipo apresentará grãos soltos quando do cozimento.

2. Desafios para o uso de NIRS na análise de amilose

A espectroscopia no infravermelho próximo (NIRS) é um método que usa a interação entre a luz na região do infravermelho próximo (NIR) do espectro eletromagnético (780 a 2500 nm) e é importante para identificar amostras e quantificar vários parâmetros de qualidade. A determinação da composição proximal por NIRS é relativamente mais simples do que determinar o teor de amilose, sem dúvidas.

No laboratório coordenado por Katerine, a técnica de NIRS tem sido utilizada com sucesso em substituição ao método tradicional de complexação com iodo e espectrometria. Para a pesquisadora, as chaves do sucesso são: (1) utilizar alto número de amostras para criar a curva de calibração no equipamento, superior a 600 amostras (em métodos mais triviais são utilizadas ~200 amostras para criar curvas de calibração); (2) trabalhar com população de amostras diversa, com ampla faixa de amilose (de 0 a 30%); e (3) aplicar análise estatística robusta.

3. Variedades de arroz aromático e os compostos voláteis mais comuns

O arroz aromático encontrado no mundo deriva basicamente de três variedades, relacionadas a localidades distintas: Basmatis, de Punjab (Índia/Paquistão); Jasmines, do Sudeste da Ásia (Tailândia, Camboja); e Sadri, do Centro-Oeste da Ásia (Iran, Iraq). Quando o arroz é cozido, uma série de compostos são volatilizados. Alguns deles são desejáveis, outros não. Essas variedades citadas apresentam como principal composto aromático desejável o 2-Acetil-1-pirrolina (2-AP), um derivado do 4-Aminobutanal, cujo aroma lembra pipoca.

Alguns voláteis detectados em arroz são produtos da oxidação lipídica. Outros voláteis, como o Indol, são dependentes de condições climáticas específicas durante o cultivo, nesse caso o alagamento prolongado no período final do ciclo da cultura. É importante ressaltar que nem todo arroz que passa por este estresse abiótico irá apresentar acúmulo de Indol.

Nos principais achados recentes da Dra. Melissa Fitzgerald estão a descoberta de um isômero de 2-AP e dois produtos de sua oxidação. Fatores genéticos são os responsáveis pelo acúmulo ou não de 2-AP, de seu isômero e de seus produtos.

4. Arroz aromático brasileiro

Nos últimos anos tive a oportunidade de participar de pesquisas envolvendo linhagens de arroz aromático desenvolvidas na Embrapa Arroz e Feijão. Em 2018, nosso grupo de pesquisa publicou artigo no periódico Cereal Chemistry (Clique aqui para acessar) como resultado de trabalho de determinação do perfil e do teor de compostos voláteis em linhagens nacionais, bem como da avaliação de propriedades de cocção desses materiais. Foram analisadas seis linhagens, além da cultivar já estabelecida Jasmine 85 e da tradicional cultivar não aromática IRGA 417, como um controle. Cinco das seis linhagens estudadas constam na imagem a seguir, além da cultivar Jasmine 85.

Ao todo, 23 compostos voláteis foram identificados nas amostras de arroz integral analisadas por cromatografia gasosa e espectrometria de massas (CG-MS), sendo 4 álcoois, 9 aldeídos, 6 cetonas, 3 terpenos e 1 furano. O composto 2-AP (aroma de pipoca) foi identificado somente nos genótipos aromáticos, com teores variando de 0,2-0,7 microgramas de 2-AP por grama de arroz integral.

As linhagens AE151501 e AE151519 são aquelas que, segundo o próprio melhorista responsável na Embrapa Arroz e Feijão, o Dr. José Manoel Colombari Filho, apresentam maior potencial para serem lançadas como cultivar. Ambas as linhagens apresentam plantas com estatura de ~97-98 cm, rendimento de inteiros superior a 57% e teor de amilose de aproximadamente 19-21%.

No estudo citado, a linhagem AE151501 apresentou o melhor desempenho geral para compostos voláteis e propriedades de cocção, uma vez que se observou menor teor de compostos off-flavors (hexanal), maior teor de 2-AP e tempo para cozimento e dureza de grãos cozidos muito semelhantes ao IRGA 417 e ao Jasmine 85.

Participe! Deixe suas dúvidas e contribuições nos comentários do artigo ou faça contato comigo por e-mail (nathanvanier@hotmail.com).

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter