Parceria rural na prática: entenda alguns pontos essenciais

 Parceria rural na prática: entenda alguns pontos essenciais

(Por Hugo Monteiro da Cunha Cardoso*) O contrato de parceria é bastante utilizado no meio rural para formalizar uma relação existente entre produtores que exploram a atividade rural em conjunto. No entanto, proporcionalmente à popularidade dessa forma de exploração, surgem as dúvidas e interpretações diversas a seu respeito.

No momento da confecção, além dos itens obrigatórios por lei, é possível estabelecer cláusulas que evitem ou, ao menos, facilitem a resolução de conflitos e/ou divergências futuras entre os parceiros, antevendo a possibilidade de algumas dessas situações. Ainda, é importante pensar na parte tributária, estando atento às decisões e interpretações recentes dos órgãos fiscalizadores e aos riscos de descaracterização do contrato, que estão sempre presentes e podem trazer reflexos financeiros e até trabalhistas em determinadas situações.

Vejamos, então, o que é o contrato de parceria rural, como funciona, alguns itens importantes e cuidados para se alcançar uma maior segurança e qualidade na relação entre os produtores rurais.

O que é e como funciona um contrato de parceria rural?

Conceitualmente, a parceria rural é o Contrato Agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado, ou não, o uso específico de imóvel rural, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, de RISCOS de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural e dos frutos, produtos ou lucros havidos, na proporção que estipularem, observados os limites percentuais da Lei e variações de preço dos frutos obtidos na exploração.

Em suma, ele acontece quando um proprietário de uma terra, gado ou de alguns bens (dependendo do tipo de parceria) os cede para que um terceiro execute a exploração da atividade rural, compartilhando os riscos inerentes à atividade e recebendo valores que nunca devem ser fixos, e sim, resultantes de percentuais sobre a produção auferida em cada safra ou período pré-definido.

O contrato de parceria rural é regido pelo Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, regulamentado pelo Decreto 59.566/66. Logo, legalmente, tudo que se precisa saber antes de confeccionar o instrumento está no Estatuto da Terra. No entanto, quando aos aspectos tributários do contrato, também devem ser respeitadas as legislações de imposto de renda e observadas com atenção as
interpretações recentes da Receita Federal.

Antes da instituição do Estatuto da Terra, as relações informais de parceria, em alguns casos, serviam para camuflar o vínculo empregatício. Portanto, uma das premissas básicas do contrato de parceria é a de que o parceiro outorgado, aquele que executa a atividade rural, não seja subordinado ao dono da terra. Isto é, o proprietário, ou parceiro outorgante não pode definir a forma de trabalho e horários a serem cumpridos pelo outorgado, por exemplo.

Embora o assunto esteja mais para a justiça trabalhista, no âmbito da Receita Federal, ainda existem ações questionando o vínculo empregatício em determinadas relações em que, embora contratualmente existam parceiros, no dia a dia é comprovada a relação “patrão x empregado”, configurando a chamada “falsa parceria”.

No entanto, a discussão atual é muito mais acerca do chamado “arrendamento disfarçado de parceria”, tema presente na operação “Declara Grãos”, que está no planejamento estratégico do órgão em âmbito nacional, começou pelo estado do Rio Grande do Sul, passando por Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e que aos poucos vem se materializando em todo país.

Perante a Receita Federal, o que vale para caracterização de uma relação de parceria é o que de fato ocorre na fazenda. Um exemplo disso é o tópico do material “perguntas e respostas” sobre o imposto de renda das pessoas físicas (pergunta 206 na versão 2022) que diz que, independente do nome do contrato, seja ele descrito no documento como parceria ou arrendamento, quando não é constatado o compartilhamento de riscos entre as partes, deverá ser tratado, para fins de tributação, como um contrato de arrendamento, que veremos mais a frente que é mais oneroso para o dono da terra.

Aspectos gerais acerca do contrato de parceria

Denominação das partes: O dono da terra, do gado ou demais bens, é chamado de parceiro outorgante, visto que outorga, concede, o bem para que outro exerça a atividade rural com ele. Já a outra parte, o produtor rural, que de fato explorará a atividade, é chamado de parceiro outorgado.

Tipos de parceria: A parceria pode ser agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, envolvendo um ou mais tipos em um mesmo contrato, como por exemplo, a parceria agropecuária. O tipo é mera formalidade de nomenclatura, desde que sejam respeitadas as definições legais previstas para cada uma das atividades exercidas.

Prazo de contrato: O contrato deve ter no mínimo 03 anos de duração, mas não precisa ter um prazo final definido. Caso não seja fixado o prazo, deverá igualmente respeitar o período mínimo de 03 anos. Quando rescindido o contrato, fica assegurado ao produtor o direito de terminar a colheita.

Necessidade de registro: Quanto a esse ponto, devem ser observados os entendimentos recentes da Receita Federal. Embora o Estatuto da Terra assegure que o contrato pode ser tácito ou verbal, para fins tributários, a Receita Federal precisa comprovar que a relação realmente existe e se dá sob a condição de parceria. Para isso, é fundamental que o contrato seja registrado ou, no mínimo, tenha firma reconhecida em cartório na data da assinatura.

Pagamento ao dono da terra: Não pode haver pagamento fixo. Cada parceiro tem um percentual fixado em contrato, o qual deve sempre ser respeitado, não devendo ultrapassar os limites estabelecidos no artigo 96, VI, do Estatuto da Terra, que variam de acordo com o nível de envolvimento do proprietário na atividade:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;
b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;
c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;
d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;
e) 50% (cinquenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinquenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;
f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido;
g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro.

Adiantamentos antes do final da safra: O § 3, do artigo 96 do Estatuto da Terra diz que “Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria”. Logo, deve-se atentar para o termo “eventual” e não se utilizar desse dispositivo para mascarar arrendamentos, prática ilícita e visada pela Receita Federal, como já mencionado.

Possibilidade de pagamentos pré-fixados: Na mesma linha, o § 2, do artigo 96 do Estatuto da Terra trata da possibilidade de prefixação de produtos a serem repassados ao dono da terra, desde que, ao final do contrato, haja o ajuste de acordo com o efetivo percentual sobre o que foi produzido no período. A cláusula permitiria, por exemplo, que o dono da terra recebesse uma quantidade fixa de produtos a cada ano/safra e que, só ao final do contrato, fosse apurado o valor real que o caberia de direito, devolvendo a diferença a maior ou recebendo a parte que ficou a menor. Embora legal, isto é, previsto em lei, na prática, o risco de descaracterização do contrato por parte da Receita Federal é aumentado quando há a aplicação desse dispositivo. É importante observar os “limites da boa fé”, não utilizando o mecanismo para burlar os riscos inerentes à atividade, tentando configurar um
contrato tipicamente de arrendamento, com quantias fixas a receber, como se fosse de parceria.

Benfeitorias realizadas pelo parceiro outorgado: Poderão ser indenizadas as benfeitorias realizadas, desde que tenham sido feitas com a autorização do dono da terra. O direito e a forma de indenização das benfeitorias construídas devem estar estipulados previamente em contrato.

Renovação do contrato: Quando houver outros interessados, o parceiro outorgado tem preferência em igualdade de condições. Isto quer dizer que, para toda oferta recebida pelo parceiro outorgante, o parceiro outorgado tem o direito de igualar o valor e se manter na área. É adequado uma notificação prévia de 06 meses, tanto para rescisão, quanto para a manifestação da vontade de
renovação.

Retomada de imóvel: O parceiro outorgante ou seus herdeiros e sucessores podem solicitar a retomada do imóvel, também com notificação prévia de 06 meses, desde que respeitada a conclusão da colheita. No entanto, se o objetivo da retomada for a realização de parceria com terceiros, o parceiro outorgado também tem a preferência em igualdade de condições.

Direito de preferência para a compra do imóvel: Quanto a esse quesito, existem duas interpretações jurídicas. No arrendamento, é indiscutível o direito de preferência para compra do imóvel por parte do arrendatário. Já na parceria, é discutível. Dentro do artigo 96 do Estatuto da Terra, que trata especificamente da parceria, não há referência ao direito de preferência na compra,
apenas na renovação do contrato. No entanto, o inciso VII do mesmo artigo diz que, em caso de omissões, se aplicam à parceria as normas do arrendamento. Essa é a primeira interpretação, a de que há o direito de preferência na parceria. A outra, contrária, baseia-se no fato de que, diferentemente do arrendamento, na parceria o parceiro outorgado não tem a posse direta do imóvel, seu uso é em comum com o proprietário e, portanto, não haveria direito de preferência. Logo, para maior segurança, o direito de preferência para a compra do imóvel deve estar regulado em cláusula específica do contrato de parceria, manifestando a vontade entre as partes.

Qual é a principal diferença entre o contrato de parceria e o de arrendamento?

Assim como acontece com qualquer empresário, em toda a tomada de decisão de um produtor rural há uma relação entre riscos e custos que deve ser avaliada. Da mesma forma, nos investimentos financeiros, quanto maior o risco, maior pode ser o retorno sobre o dinheiro aplicado. Quanto mais seguro o investimento, possivelmente menor seja o retorno.

Por que esse paralelo? Porque a mesma lógica vale para a escolha entre arrendamento e parceria.

No contrato de arrendamento, há o pagamento de um valor fixo como retribuição do uso da terra. Se houver uma frustração de safra ou sinistro, o dono da terra receberá a mesma quantia acertada. É como uma aplicação financeira segura para o dono da terra e arriscada para o produtor que explora a atividade.

Porém, se houver uma safra recorde, a quantia a ser paga ao dono da terra também não mudará. Nesse caso, o produtor correu o risco da perda e lucrou mais. Já o dono da terra, optou pela segurança e recebeu o valor combinado. Já no contrato de parceria, o dono da terra também concorre com o risco. Podendo ganhar mais em caso da safra recorde, como também não ganhar praticamente nada em caso de uma perda muito expressiva.

Do ponto de vista tributário, não seria diferente: No arrendamento, onde há maior segurança e estabilidade, o dono da terra sofre uma tributação mais elevada sobre o valor recebido, que na pessoa física, forma mais comum de exploração no Brasil, varia entre 7,5% e 27,5%. Ao arrendatário, cabe o direito de informar, na declaração de imposto de renda, o pagamento efetuado a título de
arrendamento como despesa da atividade rural, reduzindo o resultado fiscal e, consequentemente, em caso de opção de tributação pelo resultado real, o imposto a pagar.

Na parceria, como o risco da exploração é compartilhado, é como se ambas as partes explorassem a atividade rural. Um entra com o fator de produção TERRA e o outro com o TRABALHO e CAPITAL (bens, máquinas etc.). Logo, cada parte do contrato leva o seu percentual acertado para ser tributado no Resultado da atividade rural, sujeitando-se ao tratamento simplificado e diferenciado garantido ao produtor rural pessoa física, onde no máximo pagará a alíquota efetiva de 5,5% sobre o faturamento bruto, devido a possibilidade de tributação pelo “resultado presumido”.

Isso também vale para uma pessoa jurídica de lucro presumido, onde a tributação do arrendamento é maior do que a incidente na parceria, enquadrando-se uma na presunção de lucro de 32%, tanto para o IRPJ quanto para a CSLL, e a outra na faixa de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL. Portanto, a grande diferença entre os contratos, que vai definir uma tributação menor ou mais
onerosa, está no RISCO. Esses riscos devem realmente ser compartilhados e evidenciados de forma clara no contrato, assim como outros itens que, seja por questões legais ou por prudência, não podem faltar.

O que não deve faltar em um contrato de parceria?

As cláusulas que não devem faltar no contrato são:
 Descrição detalhada dos imóveis e bens cedidos e das atividades que serão exercidas;
 Os percentuais de cada parceiro (respeitando o inciso VI do artigo 96 do Estatuto da Terra);
 Forma, local e prazo e condições para a entrega dos frutos da parceria;

 Definição acerca da obrigatoriedade de relatório de produção e discriminação da quantidade
dos produtos entregues a cada parceiro (cláusula não obrigatória, mas que é fundamental
para garantir a transparência entre os membros);
 Cláusula prevendo a possibilidade de eventuais adiantamentos de produção (caso seja de
interesse das partes);
 Prazo do contrato (se indeterminado, terá no mínimo 03 anos);
 Condições para renovação;
 Cláusula sobre o direito de preferência para compra dos imóveis;
 Formas de extinção ou rescisão do contrato;
 Direitos e obrigações acerca das benfeitorias e possíveis indenizações;
 Direitos e obrigações acerca da conservação, bom uso e possíveis indenizações aos danos
substanciais causados pelo parceiro aos imóveis, benfeitorias, equipamentos, ferramentas,
implementos agrícolas, animais etc;
 Definição do foro para tratar possíveis divergências judicialmente;
 Possibilidade de confecção de sub parcerias por parte do parceiro outorgado (caso seja de
interesse das partes).

Principais cuidados para segurança do contrato

Vimos que a regra é clara, mas possui interpretações diversas. Para que o contrato de parceria tenha a maior segurança possível, evitando transtornos financeiros ao produtor rural em uma possível autuação fiscal, todo cuidado é pouco.

Vejamos alguns deles:

1) Tem que haver de fato a relação de parceria: Lembre-se que o papel aceita tudo. As regras são importantíssimas para a relação entre as partes, mas perante a Receita Federal, prevalecerá a constatação de que realmente há risco compartilhado.

2) Pagamentos feitos preferencialmente em produto: Em tese, não há vedação explicita aos pagamentos em dinheiro. No entanto, essa prática pode causar confusão com o arrendamento. Logo, o pagamento em produto da uma maior organização e evita qualquer interpretação equivocada, sendo as vendas feitas através de notas fiscais de cada um dos parceiros ou de inscrições estaduais em nome da parceria, conjuntas.

3) Fechamento de safra demonstrando a quantidade produzida e o percentual repassado/vendido em nome de cada parceiro: Item importantíssimo para a transparência e caracterização da parceria de fato. Demonstrando o total produzido e o repassado para cada membro, fica mais fácil a comprovação dos riscos compartilhados.

4) Contrato registrado ou com firma reconhecida na data da assinatura: Como visto, embora o Estatuto da Terra diga que o contrato pode ser até verbal, o entendimento da Receita Federal, baseado na lei dos registros públicos, Lei 6015/73, é o de que, além da necessidade de estar escrito, deve ser registrado em cartório de títulos e documentos. Até o ano 2000, havia uma instrução normativa da Receita Federal que era taxativa quando a necessidade de registro para validade do contrato, a IN 138/91, que foi revogada pela IN 79/00. Há decisões recentes na sua segunda instancia administrativa, o CARF, configurando o reconhecimento de firma das partes na data da assinatura como prova da validade contratual. É o caso do acórdão 2401-008.634, de 03 de novembro de 2020, que ainda cita a IN 138/91 como argumento, mesmo encontrando-se revogada. Portanto, é importante registrar o contrato no cartório ou, no mínimo, reconhecer a firma na data da assinatura. O entendimento da Receita é justificável: como comprovar que o documento existia de fato, naquela determinada data, se não há prova alguma? O reconhecimento de firma contemporâneo da a certeza de que existia.

5) Cláusula de indenização por eventuais danos: os danos ocasionados por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudências do parceiro outorgado podem ser indenizadas ao parceiro outorgado. No entanto, deve haver uma cláusula no contrato prevendo a forma em que se dará essa indenização.

6) Contratos de parceria com aves e suínos: Não são regidos pelo Estatuto da Terra e, sim, pela Lei 13.288/16, que trata das parcerias integradas.

*Consultor Tributário, Professor de Gestão Rural, Direito e Planejamento Tributário, membro do Grupo de estudos do Agronegócio do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul – CRC-RS e autor do Livro “Guia da Gestão Rural” pela editora Atlas.

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