Pesquisa brasileira mostra como produzir arroz com baixo consumo de água
A publicação da pesquisa no Agronomy Journal a inseriu no âmbito internacional.
O motivo é fácil de entender: o cultivo de arroz pelo sistema tradicional de irrigação por inundação (no qual os cultivares recebem uma lâmina de água de cerca de 7 a 10 centímetros por até 120 dias) consome de 24% a 30% de toda a água doce disponível no mundo. E a água doce tornou-se um dos recursos mais preciosos do planeta, disputado não apenas pelos diferentes países, mas também no interior de cada país, entre o campo e as cidades, entre as atividades produtivas e o consumo individual, entre a agropecuária e a indústria. “Nossa pesquisa mostrou que é possível alcançar um nível de produtividade elevado, com grande economia de água”, disse Crusciol à Agência FAPESP.
O cultivo de arroz em condições aeróbicas do solo, isto é, em chão firme (os termos técnicos para esse tipo de cultura são “arroz de sequeiro” ou “arroz de terras altas”), não constitui novidade no Brasil. Isso tem sido feito há muito tempo, principalmente na região do Cerrado. O fato novo, resultante da pesquisa, foi alcançar um alto patamar de produtividade graças à complementação hídrica mediante a irrigação por aspersão. “Sem a complementação hídrica, a média de produtividade é aproximadamente 2.700 quilos por hectare, enquanto que no cultivo inundado é possível chegar em média a 7.000 kg/ha. Com a complementação hídrica à cultura, temos obtido produtividades de até 6.000 kg/ha, gastando muito menos água”, afirmou o pesquisador.
Para ter ideia do impacto que essa inovação tecnológica pode vir a ter na produção agrícola, basta considerar que, atualmente, 65% dos arrozais brasileiros utilizam o sistema de sequeiro ou terras altas. Mas, dependendo unicamente das chuvas para a hidratação, respondem por apenas 35% do arroz produzido.
“A explicação para essa baixa produtividade é que o arroz, domesticado em ambientes inundados, apresenta baixa tolerância à falta d’água, principalmente no período de pré-floração e de floração. Se ocorre um veranico (isto é, uma sucessão de dias quentes e secos) nessa fase crítica, o resultado para a safra é desastroso. Mas complementando o fornecimento de água proveniente das chuvas com a irrigação por aspersão é possível descartar o risco decorrente da instabilidade climática e praticamente dobrar a produtividade média”, resumiu Crusciol.
No experimento conduzido por ele, a irrigação por aspersão respondeu por apenas 8,7% da água fornecida aos cultivares durante o primeiro ano, sendo o restante originário das chuvas. E o aumento de produtividade foi de 54,4%. No ano seguinte, a irrigação por aspersão forneceu 14,5% da água, obtendo-se um incremento de 48,1%. “Como se percebe imediatamente pelos números, a técnica proporciona aumento expressivo de produtividade, chegando a níveis compatíveis com os do sistema de irrigação por inundação (arroz nos ambientes alagados), porém esse aumento não é proporcional à quantidade de água fornecida por irrigação”, comentou o pesquisador.
Além da irrigação complementar, um fator adicional que contribuiu para o êxito do experimento foi a alta qualidade do arroz brasileiro, resultante de várias décadas de melhoramento por seleção genética – inicialmente promovida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e, depois, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Temos um dos melhores materiais do planeta, cultivares que já possuem boa tolerância a curtos períodos de estresse hídrico (deficiência de água)”, informou Crusciol. “Por muitos anos, a rizicultura foi a primeira prática nas áreas de expansão agrícola, abrindo caminho para outras atividades produtivas.”
É claro que a irrigação por aspersão implica custos com a aquisição dos equipamentos (pivô central, aspersores etc.) e com o consumo de energia elétrica (para o bombeamento da água). E o arroz é um produto muito barato, cujo preço, por impactar fortemente a cesta básica, merece atenção especial do governo, que o controla mediante mecanismos reguladores.
Esse binômio – custo mais alto para produzir e preço baixo do produto final – tende a intimidar os agricultores. A solução, segundo Crusciol, é alternar a rizicultura com outros cultivos agrícolas, como grãos (feijão, soja, milho doce), fibras (algodão) ou hortaliças (batata, tomate, pimentão etc.), com maior valor agregado, otimizando o uso dos equipamentos e obtendo vantagens adicionais com a rotatividade das culturas, que interrompe o ciclo de pragas e doenças que afetam essas outras culturas, principalmente no período chuvoso (no qual o arroz é cultivado).
O arroz de sequeiro ou arroz de terras altas, com o fornecimento de água exclusivamente por meio das chuvas, vem sendo extensamente cultivado por pequenos agricultores nas regiões mais pobres do mundo – na Ásia, na África e na América Latina. O grande crescimento dessa alternativa, comparativamente à do plantio inundado, muito mais produtivo, não é uma escolha livre dos agricultores, motivada por considerações ecológicas relativas ao bom uso da água, mas uma imposição até certo ponto brutal do próprio desenvolvimento econômico dessas áreas. Na China e na Índia, respectivamente o primeiro e o segundo colocado no ranking dos principais países produtores, a rizicultura tem sido empurrada para ambientes aerados (chão seco), devido à intensa disputa pelos recursos hídricos, cada vez mais absorvidos pelo acelerado crescimento urbano e industrial.
Nesse contexto, a inovação tecnológica constituída pela irrigação por aspersão dos cultivares de sequeiro poderá ter importante repercussão não apenas econômica, mas também social. Não espanta que os especialistas chineses tenham ficado tão interessados na pesquisa brasileira.
Deve-se ressaltar que a divulgação de resultados referentes a essa linha de pesquisa vinha sendo feita desde o início dos anos 2000. Porém, veiculada em revistas brasileiras, escritas em português, era praticamente desconhecida fora do país. A publicação no Agronomy Journal a inseriu no âmbito internacional.
3 Comentários
Interessante: eu já estou produzindo arroz irrigado por aspersão, via pivot, há mais de dez anos. Só tem um detalhe os meus resultados são melhores do que esses apresentados pelo pessoal da tal FAPESP. Caso contrário não seria viável. O que eles estão “descobrindo”, é que irrigando, o arroz vai produzir mais do que não irrigar. Que fantástico!! E certamente esse tipo de pesquisa é bancado por nós contribuintes, não é?
No meu caso o que estou fazendo é substituir a irrigação por inundação por outra de aspersão. Estou com isso usando (não consumindo!!) menos água, mas como eles comentaram estou tendo outros custos elevados de, por exemplo, aquisição do pivot. O sistema também traz dificuldades adicionais no controle das invasoras, exatamente por não termos a inundação do solo. É importante também informar aos pequisadores citados, que aqui em Uruguaiana, município onde mais se produz arroz no Brasil não temos nenhum tipo de conflito de uso da água, apesar de termos um clima bastante seco durante o período de irrigação. Isso por dois motivos: primeiro porque acumulamos água via pequenas represas, águas estas que iram embora se não fizéssemos os barramentos que fizemos. Em segundo porque nós NÃO consumimos a água, somente a usamos, e ela, através da irrigação é distribuída pelos campos durante o verão, PRODUZINDO ALIMENTOS, EMPREGOS, GERANDO IMPOSTOS, enfim produzindo inúmeros benefícios socias na nossa comunidade. E tem gente que acha que temos que ser multados via cobrança dessa água UTILIZADA.
Parabéns pela clareza de informações, Sr. Walter Arns!
O estudo publicado pelo Dr.Carlos Crusciol deveria vir acompanhado do custo de produção de tal sistema. Certamente o investimento em equipamentos. energia elétrica, herbicidas e fungicidas levaria o custo deste modelo de lavoura de arroz a bem mais que os atuais R$5.000,00 por hectare que temos na lavoura irrigada por inundação. Deveria informar também com iriam levar as águas de suas barragens em Uruguaiana para abastecer grandes centros urbanos como Porto Alegre. O Povo gosta de se amontoar e o arrozeiro é culpado quando eles ficam sem água!
Duvido que isso se crie no cerrado do centro oeste e nordeste. Isso é um prato cheio para a brusone.