Quem é o inimigo?

 Quem é o inimigo?

O excesso não vem do Centro-oeste. Sul, Uruguai e Argentina fazem o excedente

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Apontar a produção de arroz de terras altas no Centro-oeste brasileiro como responsável pelo excedente do produto no mercado nacional tornou-se uma das desculpas preferidas de parte dos produtores, industriais e até economistas para justificar a queda de preços do grão nas três últimas safras. O tema intrigou um especialista de outra área, o pesquisador Valmir Gaedke Menezes, do Irga, que se propôs a fazer uma análise sobre a origem dos excedentes.

Recorrendo só a números oficiais, Menezes apontou o Sul do Brasil, a Argentina e o Uruguai como vilões do excesso. Nestas regiões houve aumento de área e de produtividade. O CO está produzindo muito menos do que nos anos 80. "Bastam os números para mostrar que o volume do sequeiro desce e o do irrigado sobe ano a ano", afirma.

Em função destas características, a política do AGF não deu certo no ano passado para forçar uma recuperação dos preços de mercado do arroz. "Liberar AGF significa enxugar arroz argentino e uruguaio. O Governo Federal fez isso no ano passado e não subiram os preços", acrescentou. Segundo ele, a melhor forma de dar uma sobrevida à lavoura arrozeira do Prata é o Governo comprar arroz.

A solução, que está fora de alcance, seria enxugar toda a produção do Mercosul que entra no Brasil. "Se o Governo Federal fizer isso, o custo será muito alto", lembra, por isso recomenda a busca de mecanismos que evitem a compra de arroz de fora. Menezes lembrou também que enquanto os brasileiros abriam a colheita, já entrava arroz verde do Mercosul no Brasil: "Não basta colher bem, tem que comercializar bem", afirmou.

 

Questão básica 

Quais os obstáculos que atrapalham a recuperação dos preços?

1 – Posição dos Produtores
Em primeiro lugar, os produtores precisam ser unânimes em suas posições. Nesta safra, mais uma vez, a categoria está dividida com relação a temas como o aumento do preço mínimo, o que revela uma postura de interesses localizados (legítimos ou não). Se nem entre os produtores há consenso, imagine reunindo a indústria, que tem interesses diferentes.

2 – Medidas do Governo
No meio desta situação está o Governo Federal, que protela a adoção de medidas pela ausência de consenso e, às vezes, por desinteresse de atender aos produtores em função de acordos internacionais e diplomáticos que julga mais interessantes ou, ainda, pressão de outros grupos exportadores que têm interesse em manter o fluxo do comércio internacional.

3 – Excesso de Produto
Toda esta situação trava a adoção de políticas mais sérias e realmente comprometidas com a solução do real problema, que é o excesso de produto ofertado ao mercado de uma só vez.

 

Proteger é preciso

Diante da evidente constatação de que a política do Governo Federal para a orizicultura é não ter política, o pesquisador do Irga Valmir Gaedke Menezes acredita que é preciso criar mecanismos de proteção. "Não há uma política agrícola estável e segura que dê garantias de comercialização a preços justos ou, ao menos, acima dos custos de produção. Diante desta situação, o Governo Federal deveria, ao menos, proteger a produção interna da entrada de produto que vai se tornar excedente e interferir negativamente nos preços pagos à cadeia produtiva", explicou.

Segundo o pesquisador, a Europa e os Estados Unidos, dentro de determinado limite, protegem a sua produção primária. Por que o Brasil não pode fazer o mesmo? Menezes lembra que esses mecanismos do chamado primeiro mundo estão sistematicamente criando concorrência desigual com produtos brasileiros altamente competitivos.

"Se os mais livres mercados do mundo sofrem interferência governamental na hora de assegurar proteção a seus produtos, por que os nossos não podem? A falta de mecanismos similares no Brasil é danosa à cadeia produtiva do arroz", acrescentou. Ele lembra que o Brasil produz quase o suficiente para atender sua demanda interna de arroz, enquanto Argentina e Uruguai produzem só para atender a demanda do mercado brasileiro e outras exportações. "Eles praticamente não comem arroz", lembra.

 

A fórmula da discórdia 

Veja como funciona o mecanismo da falta de consenso

• A indústria quer que recursos do PEP passem por ela, os arrozeiros não. Entendem que o dinheiro é para os produtores e deve ficar com eles.

• Os grandes produtores, que estão entre os endividados ou que renegociaram dívidas, são contra o aumento do preço mínimo do arroz porque ele está atrelado ao pagamento das parcelas. Quanto mais alto o preço mínimo, mais pagam (embora possam pagar em produto, já que a securitização foi feita nestes moldes).

• Os pequenos produtores, que não têm dívidas, querem aumento do preço mínimo como forma de garantir margem sobre o custo de produção.

FALOU & DISSE

Para Valmir Gaedke Menezes, a situação desfavorável para a economia orizícola do RS decorre da maior organização do ca­pital industrial de São Paulo, que exporta seus produtos manufaturados para o Mercosul em troca da entrada de produtos primários para balançar as contas entre os países. No entanto, há interesses localiza­dos. Muitos dos produtores do Uruguai e da Argentina são gaúchos e a indústria arrozeira, com a entrada do arroz platino, tem produto com um custo muito baixo.

 

A situação do sequeiro

Na última década, tanto a produção quanto a área cultivada com arroz de sequeiro estão numa trajetória descendente. O incremento em área cultivada nas duas últimas safras de arroz de sequeiro deve-se a fatores conjunturais. O preço da soja e do algodão estava em baixa no mercado internacional e o do arroz no mercado nacional em alta. No momento, não há fatores que favoreçam a expansão do sequeiro. A melhoria do grão não supera o principal limitante deste cultivo: continua sendo arroz de sequeiro, um investimento de alto risco.

A Produção de arroz

Arroz produzido, em 1.000 toneladas, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e no Uruguai e Argentina no período de 1986 a 2000.

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