Recuo estratégico
Produção excedente, estoques altos e tarifas externas: um cenário conturbado
Após colher grande safra, Mercosul entra em modo de segurança no arroz
O conjunto dos quatro países que compõem o Mercado Comum do Sul (Mercosul) — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — processará uma redução de 6,8% na área cultivada e de 10,7% na produção de arroz para a safra 2025/26. A estimativa é da AgroDados/Planeta Arroz, com base em informações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), de consultorias e de instituições governamentais dos países que integram o bloco.Com produtividade média estimada em 7.020 quilos por hectare, o grupo deverá semear 2.205.858 hectares e alcançar uma colheita de 15.485.585 toneladas de arroz em base casca.
Com essa projeção, haverá uma redução de 162.621 hectares de superfície semeada e outras 1.543.715 toneladas colhidas. O enxugamento nesses patamares resulta da pressão gerada pela superoferta de 2025 e expressivos estoques de passagem projetados para 28 de fevereiro de 2026, em que o Brasil deverá acumular quase 100% das reservas do Mercosul, perto de 2,5 milhões de toneladas.
Soma-se a isso o conturbado cenário internacional, com taxações políticas e desproporcionais de 50% sobre os produtos brasileiros exportados aos EUA, naquilo que se tornou uma tentativa de intervenção nas regras que regem o Brasil, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. As taxações alcançam outros países e devem gerar um ambiente bem mais inseguro no comércio internacional no ano comercial 2025/26 e 2026/27.
USDA
A dimensão da safra a ser colhida nos Estados Unidos ainda gera discussões entre o USDA e os produtores. O órgão oficial aponta um número que, na visão dos agricultores, está superestimado. Ainda assim, a colheita — iniciada nos últimos dias de julho e prevista até setembro — deverá retomar mercados de exportação que os países do Mercosul vinham ocupando, favorecidos pelas vantagens cambiais, pelos custos de produção e por outros fatores competitivos.
Brasil, com 120,5 mil hectares, e Uruguai, com 27,5 mil hectares, deverão ser os países que mais diminuirão a área de plantio em 2025/26 no bloco. A Argentina seguirá com 23 mil hectares reduzidos em primeira avaliação. Apenas a província de Entre Ríos, segunda maior produtora do país, com cerca de 25% da área semeada, deverá reduzir em, pelo menos, 15% a superfície semeada.
Os argentinos alegam alto custo de produção, baixos preços de venda – mesmo nas exportações – e necessidade de “organizar o mercado” em busca de um equilíbrio. No país, 50% da produção em campo é realizada por conglomerados industriais. Consumindo cerca de 50% do que produz, ou 700 mil toneladas anuais, a Argentina dirige as exportações ao Chile, Europa, Venezuela e Cuba.
Uruguai e Brasil têm portfólios um pouco diferentes. Os uruguaios conseguem colocar arroz em mais de 80 países do mundo, mas com grandes volumes direcionados à América Central, México, Europa e países árabes. O Brasil concentra suas vendas em casca para as Américas; beneficiado para o Peru, países árabes e os Estados Unidos da América; e os quebrados vão para a África (Gâmbia, Senegal e Costa do Marfim).
Estoques
Considerando que o Brasil é o único dos quatro países do bloco que importa arroz dos vizinhos — com volume estimado em 1,4 milhão de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) —, e avaliando um consumo médio de 11,9 milhões de toneladas no Mercosul (já incluindo os estoques de passagem da Argentina, Uruguai e Paraguai), a Confederação dos Moinhos de Arroz do Mercosul (Conmasur) estimou em cerca de 19,9 milhões de toneladas o suprimento do bloco para o ano comercial 2025/26 (de março a fevereiro). Diante desse cenário, a necessidade de exportação é de, ao menos, 7,9 milhões de toneladas. No entanto, o bloco está distante dessa meta, o que leva a Conmasur a estimar um estoque de passagem que poderá alcançar 4,1 milhões de toneladas no Mercosul — boa parte concentrada no Brasil.
Esse volume, portanto, seria suficiente para seguir pressionando as cotações em todo o bloco econômico, ainda que a safra 2025/26 seja menor — o que é preocupante. A estimativa é de que, havendo água para irrigação, a área a ser semeada na temporada 2025/26 seja reduzida em torno de 50 mil hectares no Rio Grande do Sul e 120 mil hectares no Brasil. O que pode determinar uma redução mais drástica são os preços praticados ao longo deste ano, que, mais uma vez, frustraram os resultados em regiões marginais de produção, mesmo com incentivos governamentais. Parte desses 50 mil hectares reduzidos no RS deverá migrar para a soja em terras baixas, seja no sistema pingue-pongue (rotação com arroz), seja pela utilização de áreas de pousio.
Fique de olho
Reunida em maio, em Assunção, no Paraguai, a Confederação dos Moinhos de Arroz do Mercosul (Conmasur) apontou a previsão de um estoque de 3,67 milhões de toneladas de arroz em base casca apenas no Brasil na virada para o ano comercial 2026, número que preocupa. No entendimento da entidade, segundo seu levantamento interno, o bloco teria cerca de 3.510.000 toneladas para exportar em 2025/26. Ainda para a Conmasur, após perder a janela de janeiro a maio, quando os preços internos não acompanharam a queda internacional e o produtor segurou as vendas o estoque poderia ser maior.

