Rizicultor busca alternativas para sair do vermelho

 Rizicultor busca alternativas para sair do vermelho

Produção de arroz no RS deve encolher 10%

Pressionados por prejuízos últimas safras, agricultores adotam estratégias para viabilizar a cultura ou tentam outra atividade.

Os produtores de arroz do Rio Grande do Sul começam a colher um novo prejuízo na atual safra. Será mais um ano em que a coluna das despesas supera a das receitas. Levantamento da Federação da Agricultura do Estado (Farsul) mostra que, nos últimos oito ciclos, em sete a cultura ficou no vermelho, resultado que tende agora a se repetir, com o preço da saca na casa dos R$ 35,44, valor 31% abaixo do mesmo período de 2017.

Além da conta que não fecha, há o agravante do endividamento, potencializando o círculo vicioso que dilapida patrimônios e leva um número maior de arrozeiros a planejarem abandonar a atividade. A busca para se livrar do passivo também vem se tornando uma armadilha. A esperança de que a safra seguinte gere caixa para reduzir os débitos que ficaram para trás se transforma em nova frustração e faz crescer a bola de neve.

Há consenso de que, devido à série de problemas que afetam a lavoura, não há uma bala de prata – expressão repetida por quem se dedica ao tema – que possa, sozinha, ser uma solução à crise.

Dentro e fora da porteira, os percalços enfrentados pelo setor são conjunturais e estruturais. O mais recente é a grande entrada de arroz do Paraguai, onde os custos são bem menores, assim como são também no Uruguai e na Argentina.

– Os insumos (nos países vizinhos) são mais baratos. Aqui, os produtos são contaminados de impostos – diz o economistachefe da Farsul, Antônio da Luz.

Enquanto o consumo interno segue estagnado, há dificuldade para exportar. O endividamento sufoca. Em regra, os agricultores são forçados a vender a maior parte da safra logo após a colheita, quando a pressão da oferta achata os preços. Quem acompanha a atividade também nota administração deficiente de custos e investimentos mal planejados. Ser bom lavoureiro não é sinônimo de resultado financeiro.

– Dentro da porteira, muitas vezes, o foco é a produção, mas se fica para trás na gestão do negócio. Produtividade não é só rendimento por hectare, mas a renda sobre todos os custos e despesas. O quanto se consegue fazer de receita sobre cada real colocado – diz o coordenador do Núcleo de Estudos do Agronegócio ESPM Sul, Ernani Carvalho da Costa Neto, com passagens por Rabobank, Sicredi, Basf e Bayer.

Em muitas regiões, o custo do arrendamento é considerado caro. Outras áreas são avaliadas como exauridas por ausência de rotação de cultura, uso intensivo ou inadequado de defensivos, levando à resistência de invasoras. Nesses casos, o prejuízo é ainda maior.

– Precisaríamos atacar todos os problemas ao mesmo tempo. Chegamos a um limite, a um extremo – diz o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Henrique Dornelles.

Com as soluções distantes, há quem aposte em um número maior de produtores desistindo da cultura e uma tendência de concentração. Como os custos fixos são altos, escala faz a diferença. Dornelles discorda. Diz conhecer pequenos agricultores capitalizados e grandes inviabilizados por dívidas, que sequer a venda de todo o patrimônio resolveria.

Dívidas cresceram com resultados negativos
O agricultor Ciro Alberto Kuhnen, 25 anos, cresceu na lavoura ao lado do pai, há mais de duas décadas na atividade. Plantam hoje 450 hectares arrendados em Barra do Ribeiro, mas a desilusão com os resultados os levam a pensar em desistir, o que não é simples.

– Queria parar, mas sem ficar devendo nada. Temos que plantar até quitar tudo, como as prestações da colheitadeira. Mas a gente vem se endividando cada vez mais – lamenta Kuhnen, um dos produtores que começou, em grupos de WhatsApp, a mobilização que deu origem ao ressurgimento do movimento Te mexe, Arrozeiro, também fruto de críticas à atuação das entidades representativas da classe.

Ele lembra que, até o ciclo 2014/2015, conseguiam ficar em dia com as contas. Aí veio uma frustração de safra e os problemas com as finanças começaram. Kuhnen calcula que o seu custo fica entre R$ 42 e R$ 43 o hectare. Mas, em plena entressafra, o preço do engenho para onde vende estava entre R$ 32 e R$ 33,50, valor que ainda tem descontos e encargos. E acredita que terá de vender cerca de 80% da produção logo após a colheita para honrar os compromissos mais urgentes. Jovem, diz que pode vir a desistir do arroz. Mas o quadro financeiro o agonia especialmente pelo pai.

– Minha indignação é ver meu pai, que trabalhou a vida toda, assistir tudo indo pelo ralo. Isso não pode terminar assim – diz Kuhnen, revoltado.

Custo
Plantar arroz no Brasil na safra 2016/2017 foi 24% mais caro do que no Uruguai e 51% no caso da Argentina, segundo a Farsul. No Paraguai, estima-se que o custo seja ainda menor, pela energia mais barata e menor carga tributária.

Abertura de mercado
Enquanto os vizinhos do Mercosul vendem arroz no Brasil, os produtores reclamam que não podem ter acesso aos insumos mais baratos no outro lado da fronteira. Embora complexa, essa possibilidade de abertura de mercado está em discussão hoje no Ministério da Agricultura.

Dificuldade para exportar
Além de concorrer no mercado global com arroz mais barato, como o produzido na Ásia, falta estrutura no porto de Rio Grande para viabilizar a exportação, que ocorre em janelas de pouco movimento com soja.

Guerra fiscal
Alguns Estados dão incentivos fiscais a empresas que empacotam e vendem arroz comprado descascado e polido. E muitas empresas estão adquirindo do Paraguai.

Misturas
Há ainda problemas como venda de arroz de qualidade inferior misturado ou como se fosse tipo 1. Irregularidades já foram flagradas pelo Ministério da Agricultura.

Falta de substituto
Embora exista experiência de soja na várzea, nem todas as regiões têm viabilidade para substituir a cultura do arroz. Além disso, as máquinas, como colheitadeiras, não são as mesmas.

Áreas exauridas
Terrenos com comprometimento, pelo uso intensivo sem outra cultura ou rotação com pecuária, ou emprego descontrolado de agrotóxicos, levam à resistência de pragas.

Gestão inadequada
O arroz é uma cultura com margens bem mais apertadas do que a soja, por exemplo. Em muitas propriedades, não há controle adequado de custos, planejamento financeiro e estudo de viabilidade de investimentos.

Endividamento
Produtores endividados acabam alijados do crédito bancário oficial. E tomam recursos mais caros. O coordenador do Núcleo de Estudos do Agronegócio ESPM Sul, Ernani Carvalho da Costa Neto, observa que, enquanto no sistema financeiro o crédito para custeio da agricultura empresarial o juro é 8,5% ao ano, quando os recursos são alcançados por fornecedores de insumos, varia de 12% a 18%. Quando é a indústria do arroz que financia, pode ser acima de 20%.

Em busca de alternativa

Após três décadas de lavoura, João Paulo Knackfuss, 51 anos, coloca em prática o cronograma para abandonar o arroz. A área cultivada em Eldorado do Sul, que era de 220 hectares há dois anos, caiu para a metade. O restante foi arrendado. O agricultor só não parou porque não é fácil desmobilizar a estrutura de silos, galpões e máquinas. Uma colheitadeira, por exemplo, foi dada como garantia para financiamento. Assim, a máquina tem de continuar trabalhando e ajudando a fazer o faturamento da safra necessário para pagar os compromissos financeiros que tem pela frente.

Com sete resultados negativos nos últimos 10 anos, o produtor agora centra esforços em resguardar o patrimônio. Enquanto executa o plano de sair da lavoura de arroz, estuda a próxima atividade, além de manter a área própria à orizicultura arrendada. Veterinário, Knackfuss também têm pecuária de corte (bovinos e bubalinos). A última empreitada é um confinamento de ovinos, iniciado há três anos. Dentro do possível, usa os resíduos do arroz na alimentação dos animais. Começou com 250 matrizes. Engorda e vende cerca de 180 cordeiros por ano.

– O plano é aprender a trabalhar com ovinos, apesar da dificuldade de mão de obra que conheça a atividade – admite o produtor, que não alimenta ilusões quanto a dias melhores para a orizicultura, mas que decidiu participar do movimento Te mexe, arrozeiro.

No mesmo dia em que o grupo fez uma ação em Restinga Seca, em 31 de janeiro, o governo anunciou a realização de leilões de PEP e Pepro de até 1,2 milhão de toneladas de arroz, para escoar a produção e tentar garantir o preço mínimo. No primeiro, de 300 mil toneladas, realizado na quinta-feira, apenas 170,68 mil toneladas foram negociadas.

Segundo o Irga, a safra deverá ficar em 7,87 milhões de toneladas, 10% abaixo do ano passado. A queda sobre a estimativa inicial é resultado das baixas temperaturas das últimas duas semanas.

Solução dentro da porteira
Ao mesmo tempo em que as mobilizações da classe tentam atacar questões estruturais da orizicultura, dentro da porteira cresce a busca por alternativas para viabilizar as propriedades, sem abrir mão da cultura. Rotação, integração com a pecuária e uso de pivô central são algumas das saídas testadas no campo.

Apesar de o arroz no Estado ser tradicionalmente irrigado por inundação em terras baixas, é possível produzir com custos menores em áreas de coxilha. É o que prega o agrônomo Ramiro Alvarez de Toledo Lutz, da Vetagro, de Uruguaiana, que atua há 15 anos na Fronteira Oeste. Segundo Lutz, os custos totais na irrigação por pivô central são, na média, 23% menores. Apesar de a produtividade ser 5% inferior, o resultado é compensador.

– Temos rentabilidade de R$ 1,5 mil por hectare, contra R$ 640 (na inundação). É 135% superior – diz o agrônomo, explicando que, nos cálculos, entram menor uso de água, energia, máquinas e mão de obra.

Outra vantagem é poder rotacionar com soja, milho e pecuária, e empregar o plantio direto também no arroz, afirma Lutz. Porém, o investimento inicial é alto e ainda existem desafios como criar um sistema eficiente de sucessão de culturas e a necessidade de um controle mais apurado de invasoras.

Diversificação dá maior segurança
O agrônomo Felipe Carmona, sócio-diretor da Integrar – Gestão e Inovação Agropecuária, defende o uso da integração lavoura-pecuária que, segundo ele, ataca os altos custos de produção. Ele observa que a diversificação dá maior segurança ao produtor, ao não depender de apenas uma atividade, e remunerar melhor. Além disso, reduz gastos com combustíveis, fertilizantes e defensivos, que representam cerca de 20% do custo da lavoura.

Com o plantio direto, diminui o consumo de combustíveis pela menor frequência de operação com as máquinas. Fertilizantes, segue Carmona, em grande parte – quando absorvidos pelo gado no pasto – retornam no esterco e urina e ficam disponíveis para os cultivos posteriores. Ao mesmo tempo, a rotação diminui a incidência de plantas daninhas, reduzindo o uso de herbicidas.

Um dos experimentos do gênero, com apoio do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Embrapa e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é realizado na Fazenda Corticeiras, em Cristal. Outro está começando em uma área da extinta Fepagro, em Uruguaiana.

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