Safra recorde. E polêmica.
Conflito de números e interesses agita um mercado bom ao produtor.
O Brasil teria bons motivos para comemorar os resultados obtidos na safra de arroz 2003/2004, quando foi batido o recorde nacional de produção e produtividade. Teria, mas não comemora. O resultado nunca antes visto foi ofuscado na reta final da colheita por um conflito de números e interesses entre os produtores e suas entidades, principalmente no Rio Grande do Sul e Mato Grosso – a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÌstica (IBGE), agências, indústria de beneficiamento e os varejistas.
Tudo isso porque ninguém sabe dizer ao certo qual a dimensão do recorde, e a disparidade chega a 600 mil toneladas, que representa, na pior das hipóteses, cerca de 5% da produção nacional. A guerra dos números começou com o anúncio pela Conab, no dia 28 de abril, de uma colheita de 12,869 milhões de toneladas na safra que se encerra. Este número é considerado 24,1% maior que a safra anterior e 10,8% maior do que a safra até então considerada recorde (1998/ 1999), quando foram colhidas 11,5 milhões de toneladas.
A projeção, utilizando metodologia de amostragem também aplicada em outras safras, surpreendeu os produtores gaúchos e mato-grossenses, que, apesar de uma excelente safra, identificaram perdas por questões climáticas em seus estados. Para entidades e produtores do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso, a Conab anunciaria uma safra de, no máximo, 12,3 milhões de toneladas.
Dois dias depois, o IBGE divulgou seu levantamento sistemático de produção e colocou mais lenha na fogueira, registrando uma diferença de 277 mil toneladas a menos do que a Conab para a produção da safra brasileira de arroz: 12,592 milhões de toneladas. Para o Irga, a Associação Brasileira da Cadeia Produtiva do Arroz (Abrarroz), a Federarroz e a Farsul, a produção brasileira é realmente muito boa. Inexplicavelmente, evitam em falar em recorde, apesar dos números, mesmo em suas estimativas evidenciarem um resultado nunca antes visto numa safra de arroz brasileira: de 12 milhões de toneladas a 12,2 milhões de toneladas.
A preocupação maior dessas entidades é com a repercussão negativa que o anúncio de uma safra recorde pode representar num mercado que paga de 10 a 11 dólares pelo saco de arroz de 50 quilos e 58% de grãos inteiros e garante a rentabilidade de um setor que ainda se ressente de inúmeras dificuldades, como dívidas históricas e a obrigatoriedade de realizar novos e pesados investimentos tecnolÛgicos em busca da competitividade. E o alarde maior ocorreu porque além da safra ser recorde, em suas opiniões pode ter sido superestimada pelos Órgãos oficiais.
O presidente do Irga, Pery Sperotto Coelho, afirma que os números da Conab são surpreendentes porque se opõem a tudo o que foi registrado de perdas a partir de março nas safras do Rio Grande do Sul (granizo e ciclone), de Santa Catarina (ciclone Catarina) e do Mato Grosso (excesso de chuvas, acamamento e ataques de doenças e pragas). "A safra é boa, mas nós estamos com os pés no chão. A lavoura gaúcha sobreviveu a seis planos econômicos, âncora verde, restrição ao crédito e dívidas históricas, e ainda paga por todo esse ônus por meio de securitização, Pesa e outros refinanciamentos. Além disso, em busca da competitividade e da sustentabilidade econômica, social e ambiental, o setor precisa realizar grandes investimentos em tecnologia e precisa se rentabilizar para obter essa capacidade de investir", frisa Sperotto Coelho.
Questão básica
Os números da Conab desestabilizaram o mercado?
O diretor da Federarroz, Marco Aurélio Tavares, afirma que independentemente de todo o quadro de agitação política com base nesta divulgação da Conab, o sucesso da comercialização de arroz durante o ano safra de 2004 será consolidado com a observância de alguns fatores, como a continuidade da estratégia atual dos produtores de uma boa gestão de oferta, administração de excedentes e a prospecção de novos mercados para exportação, trabalho que já está sendo desenvolvido no Rio Grande do Sul. "Até o momento, os números da Conab só serviram para colocar o setor em alerta", afirmou.