Há 13 anos não há lucro na orizicultura
Obter rentabilidade com o arroz é, cada vez mais, uma meta alcançada por poucos. Mesmo produzindo médias recordes, o rizicultor gaúcho não consegue fazer frente à escalada dos custos de produção das lavouras. Para o diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Tiago Sarmento Barata, a balança comercial adversa, a competitividade do Mercosul e a maior parte das vendas realizadas por preços abaixo do custo na boca da safra – e dificuldades de acesso ao crédito – são fatores que prejudicam o setor no momento. Mas há ajustes que podem ser feitos da porteira pra dentro e se pode esperar um futuro melhor para o arroz.
Engenheiro agrônomo e mestre em agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) com dissertação baseada no comportamento do consumidor de arroz, Barata teve passagem pela assessoria do Irga, Safras & Mercados e Cepea/Esalq/USP, onde acompanhou a criação do Indicador dos Preços de Arroz/RS (hoje Esalq-Senar/RS). Foi diretor da Agrotendências Consultoria até ser convidado pelas entidades setoriais para a diretoria do Irga.
Planeta Arroz – A grande safra causou a queda nos preços em 2017?
Tiago Barata – Colhemos boa safra e isso, ao natural, gera pressão sobre os preços. Mas não foi uma supersafra, só recuperação à quebra da temporada 2015/16. Pelo histórico, o quadro de suprimento do país em 2017 só é maior que no ano passado, a oferta e demanda nacional são ajustadas e os estoques, os menores dos últimos anos. A cadeia produtiva acreditava em preços levemente mais baixos, mas não tanto como o registrado até julho. A concentração de oferta é problema.
Planeta Arroz – Quais fatores desvalorizaram o arroz?
Tiago Barata – A concentração da oferta em três meses causa um achatamento desproporcional. O que reduziu o valor do cereal abaixo dos R$ 39,00 foi muito mais a venda na boca da safra do que a recuperação produtiva. O número de arrozeiros dependentes de custeio não oficial, sistema próprio de armazenagem e sem capacidade de diluir as vendas ao longo do ano gera essa condição. Também começamos a colheita absorvendo excedentes do Mercosul, em particular do Paraguai. Em 2016 isso não ocorreu, as cotações eram mais firmes, câmbio favorável e preços em dólar competitivos.
Planeta Arroz – E em 2017?
Tiago Barata – Exportamos pouco, pois o alto custo de produção e o câmbio determinam baixa competitividade no mercado externo em dólar. Temos quase 250 mil toneladas de déficit em quatro meses do ano comercial, a oferta paraguaia pressiona mais os preços internos. É grão competitivo que entra em São Paulo e Minas Gerais a preço final de 13 a 14 dólares, enquanto no Rio Grande do Sul, ao produtor, o valor fica entre 12 e 13 dólares para custo superior a 14,50 dólares na safra. E a diferença está aumentando com a valorização do real.
Planeta Arroz – Onde entra nisso a polêmica com a variedade Irga 424 RI?
Tiago Barata – A definição de preços é uma questão de mercado. No arroz, resulta da estratégia de quem compra no primeiro semestre e de quem vende no segundo. A variedade soma mais de 50% da área plantada no Rio Grande do Sul e tem presença em Santa Catarina, no Tocantins e no Mercosul, com destaque no Paraguai, onde muitas indústrias do centro do país estão comprando grandes volumes. O material que é mais ofertado está sendo penalizado. É um material que nos últimos anos cresceu em participação por dar melhor resposta produtiva ao manejo recomendado, gera maior escala, ajuda a diluir o custo por unidade e é resistente à brusone, principal doença do arroz. Sob o manejo adequado, tem alta produtividade, grande percentual de grãos inteiros e boa cocção. Testes sensoriais, com a presença de representantes da indústria, mostraram que não há diferenças marcantes em relação às cultivares nobres quando é cozido.
Planeta Arroz – A indústria argumenta que há defeitos?
Tiago Barata – Sob estresse e falhas na condução pode ocorrer o aumento no percentual de defeitos. O que não significa que toda a cultivar precise ser penalizada em preço. Esta é uma variedade que nossa pesquisa caracteriza como de transição. Materiais superiores neste quesito, em específico, virão nas próximas safras.
Planeta Arroz – O senhor afirma que os produtores gaúchos acumulam prejuízos nas últimas 13 safras. É isso?
Tiago Barata – Estudo levando em conta o histórico da média de preços do Indicador Esalq-Senar/RS, custo de produção do Irga e a produtividade do RS mostra que a produção média obtida não tem sido suficiente para cobrir os custos. O prejuízo é maior para quem vendeu sempre no primeiro semestre e menor para o arrozeiro que negociou a produção no segundo. Em média, por esse método, o prejuízo anual foi de 68,7 sacas por hectare neste período, o que (com o arroz a R$ 40,35) equivale a R$ 2.772,05, praticamente um terço do custo de produção. Isso ajudou a consolidar o cenário de um setor produtivo com mínima capacidade de negociação e diluição de oferta enquanto o setor industrial passou a absorver essa oferta concentrada, adotou posição de baixa demanda ao longo do ano – no momento em que os preços tendem a subir – e conta com a disponibilidade de produto mais barato nos países vizinhos.
Planeta Arroz – Então ninguém ganhou dinheiro com arroz?
Tiago Barata – Ganhou quem teve produtividade acima da média e custo de produção inferior ao estimado pelo Irga e conseguiu preço superior à média do segundo semestre do Indicador Esalq-Senar/RS. Pela conjuntura, avaliamos que foram poucos e que estão no grupo que se manteve capitalizado. Em geral, são produtores proprietários de ao menos parte da área, que têm culturas alternativas, como soja e pecuária, e armazenagem – mesmo que parcial – e que conseguiram adotar um método eficiente de comercialização e produção de grãos de qualidade superior.
Planeta Arroz – Qual o comportamento da oferta do Mercosul em 2017?
Tiago Barata – No passado, o Brasil importava para atender o seu consumo. Essa demanda fez crescerem as lavouras do Mercosul, a começar pelo Uruguai, Argentina e, recentemente, o Paraguai. Eles sempre tiveram custos de produção menores por questões tributárias, devolução de impostos, compra de insumos genéricos, mão de obra e logística, entre outros fatores. Quando o Brasil se tornou autossuficiente as importações se mantiveram por viabilidade econômica. Era mais barato importar do Mercosul do que comprar no Sul do Brasil graças ao menor custo dos concorrentes.
Planeta Arroz – E dá pra mudar isso?
Tiago Barata – Tem mudado pela elevação dos custos na Argentina e no Uruguai. Lá também há crise, cresce o endividamento, os preços não geram mais a renda do passado. Nós precisamos ser mais competitivos, inclusive no que diz respeito à carga tributária. Há algumas gestões neste sentido, como a desoneração dos gêneros da cesta básica. O governo do estado também equaliza o ICMS para manter a competitividade local e reduzir a discrepância de preços com o arroz importado desde que a indústria adquira ao menos 90% da matéria-prima de produtores gaúchos. O Paraguai leva vantagem, mas também está com seus problemas de elevação das despesas.
Planeta Arroz – E o mercado internacional?
Tiago Barata – Os preços se elevaram no primeiro semestre pelo fortalecimento da demanda e queda nos estoques dos exportadores da Ásia. E temos a abertura do mercado chinês pelos Estados Unidos, que surpreende positivamente vendendo ao maior produtor global em um continente no qual se produz mais de 90% de todo o arroz do mundo há milênios. Há estabilidade dos fundamentos de produção e consumo. Cerca de 60% dos estoques mundiais estão na China, que quase não exporta por causa da política de abastecimento. O que sobra está em queda, portanto, é fator de pressão altista.
Planeta Arroz – O senhor defende medidas que elevem o consumo…
Tiago Barata – Considero fundamental elevá-lo. Criamos o Programa de Valorização do Arroz (Provarroz) com este objetivo. Temos trabalhado para conscientizar formadores de opinião – médicos, nutricionistas, professores, merendeiras, chefs de cozinha – sobre a importância nutricional do arroz. O consumo de produtos sem glúten e a busca pela alimentação saudável impulsionam a demanda pela farinha de arroz. Se cada brasileiro comer uma colher a mais por refeição, mudamos o perfil do mercado brasileiro. Com mais saúde.
Planeta Arroz – Como se comportarão os preços até a próxima safra?
Tiago Barata – Com reação gradual, mas sem alcançar patamares do ano passado. O cenário é diferente e há pouco produto em mãos do agricultor. O câmbio será o grande fiel da balança. Se conseguirmos exportar mais, a recuperação será mais rápida. Se mantivermos o volume de aquisições externas e dificuldades de exportar, demora um pouco mais. Tende a haver redução na intenção de plantio para a próxima temporada.
Planeta Arroz – Como enfrentar essa situação?
Tiago Barata – Há uma conjuntura externa, competitividade do Mercosul, carga tributária, câmbio e custo de insumos e serviços, na qual o produtor não tem como interferir, mesmo sendo um dos mais eficientes do mundo. Enquanto as entidades buscam soluções políticas e ações na via econômica, ao produtor cabe melhorar a gestão dentro da porteira. É preciso ter os custos na ponta do lápis e tentar reduzi-los. Quem tiver acesso ao crédito oficial deve explorar ao máximo as vantagens que proporciona, o que não quer dizer volume, mas uso eficiente: comprar os insumos quando estão mais baratos e na quantidade que precisa e aplicá-los com eficiência é um exemplo. Quem contrata crédito com indústria ou fornecedores deve travar os preços e negociar para que o vencimento seja o mais longe possível da colheita, mesmo com pagamento em produto. A comercialização na colheita obriga a vender barato, pois as cotações sempre estão achatadas.
Planeta Arroz – Tem ainda o problema dos juros mais altos e da seletividade…
Tiago Barata – Sim. Os juros devem ser negociados também, dentro do possível, pois há alguma flexibilidade de empresa para empresa. Contratos de arrendamento mais caros devem ser revistos, é preciso buscar um acordo com os proprietários. Quem tiver áreas próprias ou um bom contrato de arrendamento e terreno adequado pode buscar o cultivo da soja, de boa liquidez, e a pecuária para poder jogar com a comercialização e a rentabilidade de acordo com sua necessidade e seu potencial.
Planeta Arroz – A gestão contábil precisa ser rigorosa…
Tiago Barata – É preciso saber cada centavo que tem para entrar e para sair, antecipar o preparo de solo para plantar na melhor época, mesmo aproveitando janelas de clima adverso, e buscar o máximo da tecnologia recomendada diante de sua capacidade de investimento. Os preços em dólar no Brasil seriam bons em qualquer lugar do mundo, mas não cobrem os nossos custos de produção, então é evidente que ele precisa ser ajustado. Buscar a independência comercial é vital. É preciso reduzir a dependência de terceiros operadores da cadeia. Quem puder investir em armazenagem para assumir a gestão de sua oferta, observando se pode imobilizar capital ou obter uma linha de crédito favorável, que dê para pagar sem sufoco, deve pensar na possibilidade.
Planeta Arroz – Não dá para esperar 2018 com bons preços?
Tiago Barata – O mercado é dinâmico, mas não tanto. A menos que ocorra um fator muito significativo que valorize o dólar e nos dê uma competitividade artificial, grande quebra de safra em um fornecedor mundial, como os Estados Unidos, enorme retração de área e produção na próxima safra brasileira e do Mercosul, dificilmente teremos uma reação relevante dos preços do arroz no primeiro semestre do ano que vem.
Planeta Arroz – E no que o arrozeiro deve depositar suas esperanças?
Tiago Barata – Nele mesmo. No seu potencial, sua capacidade de superar os obstáculos. É um dos melhores produtores do mundo, competitivo, e administrando bem o seu negócio, com ajustes finos, pode se tornar mais ainda. Tem que ser criterioso e encontrar soluções para seus desafios e manter o diálogo com as entidades para fortalecer o trabalho em busca de soluções políticas e econômicas da porteira pra fora. Pode não ser em 2018, mas há um futuro positivo para a cultura do arroz.
1 Comentário
mto boa..explicação positiva