“Sem ação do governo, arroz será o trigo amanhã”

 “Sem ação do governo, arroz será o trigo amanhã”

Analista de mercados agropecuários há 30 anos, pós-graduado em agronegócios pela Universidade Federal do Paraná, com passagem pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e uma pasta de clientes que reúne os gigantes do agronegócio brasileiro, Carlos Cogo, da consultoria agroeconômica que leva seu nome, abriu espaço em sua agenda para uma longa conversa com Planeta Arroz sobre o momento da orizicultura. Não economiza palavras para dizer que a crise do arroz não é conjuntural ou circunstancial, ela é grave, estrutural. E, sem ações dos produtores, das entidades, mas, principalmente, governamentais, a realidade do arroz amanhã pode ser a do trigo hoje!

Planeta Arroz – Como o senhor analisa a crise atual no setor arrozeiro?

Carlos Cogo – É um momento difícil. Mas a crise não é atual, nem de preços. Mas de custos. E isso não é conjuntural ou circunstancial. O comportamento de 2017 evidencia uma crise estrutural no setor, que está além da capacidade do produtor resolvê-la. Está alicerçada numa política agrícola equivocada, preços mínimos baseados num custo subestimado da lavoura, disparidades no Mercosul, carga tributária altíssima, gargalos logísticos e intervenções eventuais que mais atrapalham do que ajudam. Não dá pra fazer agricultura sem a segurança de ter ao menos custo equilibrado ao dos concorrentes, garantia de preço e renda, que, afinal, é a função econômica e social do negócio. Mas, no Brasil, esse é o formato.

Planeta Arroz – É um modelo falido?

Carlos Cogo – E que está falindo muita gente. Neste modelo não há estabilidade, não é possível fazer planejamento de médio ou longo prazo. Alguns produtores terão anos bons e outros anos ruins, muitos terão mais anos ruins. Obter renda, cada vez mais, será um desafio. O mundo tem referencial de preços em torno de US$ 11,00 a US$ 12,00 a saca, e os gaúchos tiveram um custo de US$ 14,00 até US$ 16,00. Precisam vender a US$ 17,00 para lucrar minimamente. Isso não existe em lugar algum do mundo.

Planeta Arroz – Mas, houve um período positivo recentemente…

Carlos Cogo – É verdade que houve três ou quatro anos em que parte dos arrozeiros alcançou lucro graças a um quadro excepcional de enxugamento da oferta no mercado doméstico pelas exportações, que também refletiram uma realidade distinta de câmbio, preços internacionais, preços internos, espaço nos portos, demanda e o fim dos grandes estoques públicos. Isso trouxe equilíbrio às cotações e a sensação de que a crise estava superada para muitos. Alguns arriscaram investimentos. Mas, essa é a exceção. Nas últimas 10 safras, ao menos seis deram prejuízos à lavoura média. Muitos produtores seguiram no vermelho. Para estes, 2017 é o agravamento da crise.

Planeta Arroz – Por qual motivo?

Carlos Cogo – Fora da porteira, as questões estruturais, carga tributária, disparidades com o Mercosul, política de preços mínimos ineficiente e irreal, mecanismos de comercialização paliativos, políticas dissociadas da realidade, custo Brasil, logística cara e longe do ideal e o vício governamental de remediar problemas depois de estabelecidos e jogá-los pra frente. Dentro da porteira há problemas de eficiência. Mas não há como ser efetivamente eficiente sob este cenário. Você não sabe quanto vai custar sua lavoura nem quanto vai receber pelo produto. Em geral, os mais prejudicados têm um grande passivo, perdas por eventos climáticos pontuais, falta de acesso ao crédito oficial, custo do financiamento direto, circunstâncias do arrendamento, investimentos equivocados, ausência de secagem e armazenagem próprias, defeitos de manejo e baixa produtividade, fatores que elevam o custo e reduzem a renda.

Planeta Arroz – Mas, o governo quase zerou seus estoques…

Carlos Cogo – É fato. Atendeu aos produtores. Mas ainda há problemas com o excesso de oferta, pois não há suporte à busca de equilíbrio. A ausência de mecanismos, de compra e venda de arroz, dos estoques, não representa que o governo não esteja intervindo no mercado. Na verdade, sua intervenção também ocorre quando estabelece as regras de produção, do Mercosul, tributárias, econômicas e as bases de comercialização e como age com relação ao câmbio e aos juros agrícolas. Quando suas omissões geram um custo de produção que não se paga e se omite em dar suporte às exportações, por exemplo, ele é decisivo.

Planeta Arroz – O senhor entende, então, que o governo deve apoiar a exportação com mecanismos.

Carlos Cogo – Sem dúvida. Há uma preocupação com relação às regras do comércio, mas não creio que o Mercosul se oponha à saída de produto daqui, pois reflete nos seus preços. Os demais interessados dão suporte. Guardadas as devidas proporções, é o que se faz com o milho, por exemplo. Se há mecanismos para o milho, deveria existir para o arroz.

Planeta Arroz – A concentração da oferta é um problema.

Carlos Cogo – Devemos lembrar que para os países vizinhos, o Brasil está remunerando bem e o mercado é comunitário. Eles estão aproveitando uma oportunidade de mercado. Quem tem que resolver estas disparidades é o Brasil para neutralizar não apenas neste momento, mas de maneira contínua, uma grande pressão de excedentes e viabilizar a orizicultura. É preciso lembrar que esta lavoura é garantia de segurança alimentar também. Para isso precisamos nos tornar competitivos. Num primeiro momento, emergencialmente, é preciso o suporte do governo. Mas, paralelamente, é preciso atacar os fatores que elevam os nossos custos.

Planeta Arroz – Bloquear o produto do Mercosul é solução?

Carlos Cogo – Levantar barreiras no Mercosul não é um caminho para quem quer ser um player mundial. Um dia essa prática se volta contra nós. Do ponto de vista do mercado e pelas experiências que se tem, não é um bom negócio. É preciso buscar equalização. Mecanismos de comercialização, pequenos ajustes no preço mínimo e renegociação de dívidas não resolvem. Reunião com políticos para alongar dívidas e reparcelar o custeio pagando os juros do contrato é fácil de fazer. Isso é feito há 30, 40 anos. Difícil é mudar o que realmente precisa. Mas é importante marcar posição.

Planeta Arroz – Mas, o Brasil está exportando!

Carlos Cogo – Sim. Houve boa exportação em setembro, e ao longo do ano temos vendas externas razoáveis, mas ainda há um déficit expressivo na balança comercial, que inverteu desde o ano passado. Mas os embarques têm por base arroz adquirido a preços competitivos, colocados no porto entre R$ 33,00 e R$ 36,00. Esse é o mercado externo. Acima disso, já fica difícil. E, internamente, raríssimos produtores conseguem vender arroz nesta faixa de preço sem registrar prejuízo. O ideal seria o Brasil exportar 10% do que produz, algo em torno de 1,2 a 1,3 milhão de toneladas por ano.

Planeta Arroz – Os estoques vão crescer este ano, e isso complica as relações comerciais internas.

Carlos Cogo – Bem mais do que o necessário. São dois pesos e duas medidas. É ilógico que num mercado comum o país possa importar o produto final, mas não seus insumos a preços competitivos. Numa avaliação realista, podemos chegar a 1,5 milhão de toneladas de estoque em fevereiro, mas há quem projete o risco de bater até em 2 milhões de toneladas. A redução produtiva e o atraso no plantio não são suficientes para evitar isso.

Planeta Arroz – Como está o consumidor no meio disso tudo?

Carlos Cogo – Não pode se queixar. Consome um arroz de alta qualidade, tem muitas opções. E os preços estão nos mesmos patamares de 15 anos atrás. Quem está pagando a conta dessa realidade é o produtor, em maior quantidade, e as indústrias.

Planeta Arroz – Mas entidades estão buscando PEP e Pepro.

Carlos Cogo – Paliativos que se justificam porque a situação está assustando a todos. Mas que não resolvem. Os produtores querem soluções imediatas, as entidades pensam no curto prazo e o governo empurra com a barriga.

Planeta Arroz – Qual o senhor imagina que seja o futuro do arroz?

Carlos Cogo – O arrozeiro vem se modernizando, adotando tecnologias para produzir mais. Mas há sérios problemas de gestão que refletem uma trajetória de dificuldades do setor produtivo. Sem reforma estrutural, que o governo reveja os critérios dos preços mínimos e retire obstáculos para a produção, o arroz será amanhã o que é hoje o trigo, uma cadeia produtiva fragmentada, sem competitividade. Vale muito mais a pena importar do que produzir aqui. Com o arroz, sem mudanças, vai acontecer o mesmo.

Planeta Arroz – Seria o fim da orizicultura brasileira?

Carlos Cogo – O que eu estou dizendo é que os conceitos, os fatos, a base do que está ocorrendo com o arroz, repetem uma história que já vimos com o trigo e outras cadeias produtivas. Os produtores que não conseguirem competir vão sucumbir. E aqueles que conseguirem se adequar vão formar uma cadeia produtiva mais organizada, enxuta e profissional para cobrir parte da demanda interna e exportar e gerar renda aliando a diversificação com soja, pecuária e o que vier depois.

Planeta Arroz – Com a nova safra chegando, a crise vai se agravar?

Carlos Cogo – É isso que assusta. Ainda que até o final do ano possa ocorrer uma pequena valorização, o cenário futuro é preocupante. A tendência é de chegar na safra com uma oferta maior do que comporta o mercado e partindo de preços muito inferiores aos do ano passado. E sabemos que cair é fácil, difícil é subir.

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