Eficiência do uso da água na cultura do arroz irrigado
Artigo do Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Arroz e Feijão (GO) aborda eficiência no uso da água na cultura do arroz.
Eficiência do uso da água na cultura do arroz irrigado
A quantidade de água disponível para irrigação está cada vez mais escassa no mundo. As razões para isso são diversas e, em alguns casos, bem específicas, mas incluem o decréscimo dos recursos, como rebaixamento do lençol freático e assoreamento dos reservatórios; decréscimo da qualidade, como poluição química e salinização; e competição crescente de outros setores, tais como usuários urbanos e industriais. Uma vez que a demanda por arroz é crescente, devido ao contínuo aumento da população, é necessário produzir mais arroz com menos água, ou seja, aumentar a eficiência do uso da água (EUA) pelo arroz.
Essa eficiência, também chamada de produtividade da água ou eficiência da irrigação, normalmente, é definida como a produtividade de grãos em relação à quantidade de água aplicada para a produção. A produtividade do arroz por unidade de evapotranspiração situa-se ao redor de 1,1 kg/m3, podendo ser tão alta quanto 1,6 kg/m3, que é comparável com a de outros cereais. A freqüentemente citada baixa eficiência do uso da água pela cultura do arroz ocorre quando outros componentes do uso da água, além da evapotranspiração, são levados em conta.
Verifica-se que a EUA pode ser aumentada (1) pelo incremento da produtividade do arroz, conservando-se ou aumentando-se proporcionalmente menos a quantidade de água aplicada; ou (2) pela redução dessa quantidade, conservando-se ou reduzindo-se proporcionalmente menos a produtividade; ou ainda, (3) pela combinação das duas alternativas. A primeira estratégia implica em melhoramento agronômico, a segunda implica em reduzir a fração da água aplicada que não contribui para a formação da produtividade, isto é, as perdas por evaporação, fluxo lateral e percolação, e a quantidade usada quando do preparo do solo com água, enquanto a terceira combina esses dois enfoques. Considerando a situação atual, escassez de água, conflitos no seu uso e a demanda crescente por alimentos, as estratégias (3) e (2), nessa ordem, devem ser priorizadas.
A eficiência do uso da água em nível de lavoura e a produtividade do arroz somente podem crescer concomitantemente pela melhoria de todos os fatores de produtividade, de acordo com a Lei do Ótimo de Liebscher, ou pelo aumento do potencial de produtividade. Isso requer um entendimento detalhado das interações entre água e dinâmica de nutrientes, e entre água e plantas daninhas, insetos e doenças. Por exemplo, a adoção de cultivares precoces, altamente produtivas, tem contribuído para aumentar em 2,5 a 3,5 vezes a produtividade da água na Ásia. O melhoramento de práticas culturais, como melhor manejo de nutrientes e de plantas daninhas, resultou em maiores produtividades do arroz sem que a quantidade de água usada tenha aumentado.
Recentemente, a expressão técnicas de irrigação que economizem água foi introduzida para denominar estratégias de irrigação que visam reduzir as taxas de fluxo lateral e percolação pela (1) redução da altura da lâmina de água; (2) manutenção do solo saturado ou (3) praticar a inundação intermitente. Essas técnicas, entretanto, correm o risco de reduzir a produtividade devido a possíveis efeitos de estresse hídrico na cultura. Portanto, as relações entre a aplicação de água e a produtividade do arroz necessitam ser estabelecidas para encontrar quanto a quantidade de água aplicada pode ser reduzida sem comprometer a produtividade e otimizar a água escassa na produção do arroz. Por conta de menores quantidades e aplicações mais freqüentes de irrigação, mais supervisão e trabalho são requeridos quando são utilizadas essas técnicas do que no sistema tradicional de inundação contínua. As técnicas requerem melhor nivelamento do solo e melhor controle de plantas daninhas.
A opção mais promissora para economizar água sem decrescer muito a produtividade da terra é manter o solo saturado durante todo o ciclo do arroz ou parte dele (fase vegetativa). A aspersão, em determinadas condições, pode também substituir a inundação contínua, com economia substancial de água, sem grandes perdas de produtividade do arroz.
A adoção de técnicas de economia de água em nível de lavoura terá conseqüências para a hidrologia e para o uso da água em nível de maior escala espacial. Primeiro, a água economizada em uma lavoura nem sempre significa que a água é economizada em todo o sistema de irrigação. A água perdida em lavouras individuais por fluxo lateral e percolação entrará no sistema de fluxo superficial através de córregos e drenos e no sistema subsuperficial através do lençol freático. Ambos os sistemas podem ser explorados a jusante pelo re-uso da água.
Em tal caso, a água economizada a montante em uma lavoura não conduz a economia de água no sistema como um todo. Segundo, práticas de economia de água em nível de lavoura podem afetar a profundidade do lençol freático. O lençol freático pode ser superficial em grandes áreas irrigadas de arroz devido a percolação contínua das lavouras. Lençol freático superficial reduz as taxas de percolação. Isso pode, então, aumentar as taxas de percolação, compensando os ganhos em economia de água introduzidos pelas práticas de irrigação que economizem água.
Mais estudos são necessários na relação entre o nível de lavoura e o sistema hidrológico para predizer os efeitos em larga escala e em longo tempo da introdução de técnicas de irrigação para economizar água. A redução do fluxo lateral e da percolação pode não conduzir ao aumento da produtividade da água no nível da bacia hidrográfica. Os produtores, entretanto, gostariam de reduzir essas quantidades desde que elas não estão sendo usadas para o desenvolvimento do arroz em suas lavouras. Isto é particularmente válido quando os produtores têm de despender consideráveis recursos, como custo de bombeamento ou de mão-de-obra, para irrigar a lavoura.
Luís Fernando Stone
Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento
Pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão