Da euforia à incerteza

 Da euforia à incerteza

Cadeia produtiva: exportar não é bicho-de-sete-cabeças

Indústria do arroz de olho nos efeitos da crise
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A indústria orizícola no Rio Grande do Sul tem viven-ciado momentos bastante distintos ao longo de 2008. O crescimento do consumo por alimentos impulsionado pelos países emergentes, aliado à boa safra colhida pelos produtores gaúchos, o câmbio e o know-how adquirido nos últimos anos trouxeram resultados positivos para as exportações do estado. O fato de o Brasil se tornar neste ano um dos 10 maiores exportadores mundiais de arroz – até então o país nem figurava no ranking – estimulou a indústria a aumentar a produção e a investir na modernização de seu parque fabril. 

O setor, além de embarcar mais, também mudou o perfil do produto comercializado com terceiros países – de quebrado para o inteiro e o parboilizado -, o que exigiu algumas adaptações nas unidades industriais. A capacidade ociosa das empresas também mudou, caindo em média 10 pontos percentuais. “O ano de 2008 mostrou que exportar não é um bicho-de-sete-cabeças”, avalia o empresário e presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado (Abiap), Alfredo Treichel. “As exportações foram maiores que as importações, o dólar se manteve baixo quase todo o ano, o mercado interno foi muito bom e pela primeira vez em muitos anos os preços do cereal cobriram os custos de produção”.

VENDAS – Para o empresário e presidente do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Élio Coradini, os primeiros meses de 2008 foram um período de exceção, com faturamento e rentabilidade para o setor, sendo que as exportações abriram um canal alternativo importante para o produto gaúcho. “Os embarques internacionais de arroz do RS saíram de zero para 400 mil toneladas em 2007, devem fechar o ano de 2008 em 500 mil toneladas e atingir a marca de 700 mil toneladas até março de 2009. As vendas no mercado externo também ajudaram a desovar os estoques da Conab, que eram altíssimos. Paralelamente, a crise ajudou a desviar as exportações do Uruguai e da Argentina, tradi-cionalmente direcionadas ao Brasil, para outros mercados mais rentáveis”, observa.

Fique de olho
O que não muda, apesar da crise, segundo o industrial Élio Coradini, são os gargalos do setor. “O principal é a guerra fiscal travada entre os estados produtores. Isso continua. É preciso fazer a reforma tributária, igualar a legislação para que as alíquotas sejam iguais para todos”, critica o presidente do Sindarroz-RS.

 

Destino indefinido

Com o agravamento da crise financeira mundial – e seu conseqüente impacto na produção de alimentos – a euforia experimentada pelo setor começou a dar lugar à sensação de incerteza. “As indústrias que tinham plano de expansão começaram a colocar o pé no freio”, observa Élio Coradini, presidente do Sindarroz-RS. “Agora o momento é de cautela. Não há exagero algum em afirmar que o momento é de indefinição, ninguém sabe o que vai acontecer”, pondera. Para o empresário, vai ser preciso um esforço concentrado de toda a cadeia produtiva para se adequar a esta nova realidade. 

A opinião é compartilhada pelo presidente da Abiap, Alfredo Treichel, que já vivenciou “algumas crises” ao longo de seus 80 anos de vida. “Esta promete ser tão violenta quanto à de 1929, mas não deverá assustar o Brasil, cuja maior rentabilidade econômica provém da agricultura. É só o Governo não atrapalhar”, argumenta. “Por isso o produtor deve ter cautela em relação a comprar equipamentos ou fazer novos investimentos. O mesmo vale para a indústria. Agora precisamos cuidar dos nossos parceiros – aqueles mercados que conquistamos este ano com as exportações – ao invés de procurar novos mercados”, aconselha.

CENÁRIO – Apesar da incerteza em relação a como o mercado vai se comportar nos próximos meses, alguns cenários já podem ser projetados com base na expectativa da safra 2008/2009, destacam os empresários. Treichel acredita que se a produção for igual à safra anterior, 12 milhões de toneladas, o Brasil precisará importar arroz para abastecer o mercado interno. “Ainda não se sabe qual será a produtividade em função do clima e das chuvas. Por outro lado, os estoques de passagem da Conab estão baixos, o que pode gerar dificuldades para o Governo intervir nos preços. Com os estoques baixos o mercado fica bom para o produtor. O perigo está justamente em o Governo criar algum tipo de mecanismo de intervenção para manter os preços”, analisa.

CANAIS – Na avaliação de Élio Coradini, se o mercado internacional retomar os patamares de preço mínimo o Governo vai ter que ajudar a fazer novos estoques. Em relação às exportações considera importante que o Brasil continue mantendo os canais que foram abertos em 2008. “Ingressamos neste mercado porque tínhamos o produto e uma excelente infra-estrutura logística no Porto de Rio Grande. Vamos continuar importando arroz da Argentina e do Uruguai, mas agora temos também uma importante alternativa que são as exportações”, argumenta.

 

Complexidade 

 Se o momento é de dificuldade para a indústria, a situação ganha contornos ainda mais complexos quando vista pela ótica das cooperativas. Esta é a análise do diretor-presidente da Federação das Cooperativas de Arroz do RS (Fearroz), André Barbosa Barreto, que define 2008 como um ano difícil e instável. “Os leilões criaram um caos no setor”, critica o dirigente. 

Barreto explica que a coo-perativa tem como função ser reguladora de preço. Ao mesmo tempo procura remunerar melhor o produtor. “A indústria vive a seguinte dualidade: remunerar o produtor e repassar esse custo para o varejo. No caso da cooperativa isso está sendo impraticável. Nossa situação é complexa porque o produtor ao mesmo tempo em que é dono da cooperativa é também nosso cliente. Se por um lado você tem aquele associado que planta, colhe e entrega para a cooperativa armazenar e comercializar, por outro há aquele associado capitalizado que após plantar e colher seca e armazena o grão em sua propriedade. Este pode escolher o melhor momento para comercializar, quando os preços estiverem bons”, exemplifica.

De acordo com Barreto, do ponto de vista do produtor 2008 foi um ano “de regular para melhor”. Mas isso, segundo ele, não vai significar uma grande vantagem. “É uma vantagem aparente. Os preços nesta safra foram bons, mas serão absorvidos pelos custos de produção, que estão mais altos”, justifica. “As vendas sofreram um impacto negativo. O varejo está demandando pouco e alguns produtores venderam apenas 15% ou 20% da oferta”, compara. 

Para o diretor-presidente da Fearroz a crise que se vislumbra no horizonte não deverá afetar de forma drástica o arroz brasileiro. “Talvez atrapalhe a exportação, mas tem a garantia do consumo interno, porque o Brasil produz praticamente tudo o que consome. Vamos inclusive continuar importando o ‘agulhinha’ do Uruguai e da Argentina”, prevê Barreto.

GARANTIA – Em relação aos baixos estoques de passagem do Governo, Barreto é ainda mais pragmático: “A Conab tem armazenado cerca de 650 mil toneladas. Destas, cerca de 50 mil toneladas foram direcionadas ao leilão do dia 18. Outras 100 mil toneladas serão beneficiadas para programas sociais do Governo. Assim sobram 500 mil toneladas. Levando em conta que há entre os produtores capitalizados e indústrias algo em torno de 1,5 milhão de toneladas, podemos acrescentar que há outras 500 mil toneladas nas mãos da indústria e do varejo. Com isso chegamos a 2,5 milhões de toneladas, volume suficiente para abastecer o mercado até o início da safra”, calcula.

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