Quem vai pagar tecnologia da Basf?
Não houve acordo entre Basf e indústrias gaúchas.
Depois de inúmeras reuniões, Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e a Basf definiram os índices de cobrança, a título de indenização, para o uso indevido do sistema de produção Clearfield. O sistema reúne um herbicida da multinacional e a variedade de arroz Irga 422CL, que contém um gene de resistência ao princípio ativo do defensivo. A tecnologia foi pirateada e foi disseminado o uso de herbicidas, alguns genéricos contrabandeados do Mercosul, com o mesmo princípio ativo, pois facilita e barateia o manejo da lavoura, principalmente pela sua alta eficiência no combate às principais invasoras do arroz.
A Basf anunciou a multa pelo uso indevido nesta safra e, também, um rigoroso sistema de fiscalização na entrada do arroz nas indústrias. Mas o esquema está indo por água abaixo. As indústrias não aceitaram as condições impostas pela multinacional para a fiscalização do produto, que impõe auditorias nos estoques e quebra do sigilo comercial. A Basf quer que as indústrias recolham amostras do cereal dos produtores que não se declararem usuários do sistema. Os engenhos, no entanto, entendem que só podem proceder desta forma com autorização dos rizicultores.
“Da mesma forma que um banco não pode fornecer informações sobre seus correntistas, não temos como mexer no arroz que estamos apenas armazenando”, compara o presidente da Associação Brasileira de Arroz Parboilizado (Abiap), Alfredo Treichel. Em sua indústria, só será dado conhecimento à Basf se houver acordo com a empresa em outros termos e os arrozeiros autorizarem formalmente os testes.
AMARRADAS – O presidente do Sindicato das Indústrias do Arroz do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Élio Coradini, reforça a posição de que o setor encontra-se de mãos amarradas. Entende que os engenhos não usam a tecnologia e a Basf deveria tratar da cobrança diretamente com os produtores. “Só que operacionalizar um trabalho desses é mais difícil que buscar parceria com as indústrias para que realizem a tarefa, como se tivessem alguma responsabilidade pelo uso não autorizado do sistema de produção”, diz..
MISTURA – Mesmo que os engenhos aceitassem a proposição da multinacional, outra questão teria que ser debatida. O presidente da Federação das Cooperativas de Arroz do Rio Grande do Sul (Fearroz), André Barreto, lembra que nenhum orizicultor planta apenas uma variedade. Na hora da colheita, todas as cultivares – Irga 422CL, Irga 417 e BR Irga 410, por exemplo – são misturadas para estocagem em silos próprios ou envio às indústrias.
“O agricultor não tem como separar seu produto e a Basf, embora tenha o direito de ser remunerada pela tecnologia, não poderia cobrar sobre toda a safra”, opina ele.
SIGILO – Por via das dúvidas, as principais empresas gaúchas já estão ingressando na Justiça com medidas cautelares solicitando a garantia do sigilo comercial com seus parceiros e que a Basf não tenha poderes para realizar os testes em seus silos. Há queixa também pelo fato dos testes não terem resultados imediatos.
Questão básica
O presidente da Abiap, Alfredo Treichel, considera a cobrança pretendida pela Basf uma duplicidade de ônus aos produtores gaúchos. Ele destaca que uma das finalidades do Irga é desenvolver e disponibilizar novas variedades para os agricultores – que pagam, por isso, a taxa de cooperação e defesa da orizicultura (CDO). Para o industrial, a multinacional só pode cobrar direitos sobre o herbicida, não relativos a sementes e programa de monitoramento.
Fique de olho
Os usuários do programa oficial Clearfield não precisam pagar mais nada. Porém, existe uma taxa de 6% sobre o preço do saco de 50 quilos de arroz (na venda) para lavoureiros identificados como usuários não-declarados do sistema. Considerando o preço mínimo de R$ 22,00 como valor de mercado, o produtor teria descontado no momento da venda R$ 1,32 por saco. Para aqueles que admitirem a utilização, o índice cai para 4% – somente nesta safra, a título de incentivo, o percentual ficará em 2% para esses casos (R$ 0,44).
O CÁLCULO
Plantar um hectare de arroz pelo sistema oficial Clearfield exige investimento de R$ 230,00, pelo sistema convencional, com herbicida comum e sementes fiscalizadas, R$ 330,00, e usando produto pirata, R$ 160,00. A diferença da taxa de 4% por saco de arroz -R$ 1,32 no caso do preço de R$ 22,00 e produtividade de 130 sacos/hectare – somaria mais R$ 156,00/hectare, subindo o custo do pirata para R$ 306,00, ou R$ 76,00 a mais que o sistema oficial. Os 4% funcionam como “trava”, para que o produtor entre no sistema oficial, não pague multa e ajude a preservar a ferramenta, cuja importância é reconhecida por todos.
Uma dúvida
Por que a indústria não aceitou o acordo com a Basf?
A falta de flexibilidade dos negociadores da multinacional minou a confiança da indústria. Além disso, os advogados das empresas informaram que há ilegalidades na proposta, pois a indústria não poderia autorizar testes no arroz dos produtores sem autorização formal. Quando o diálogo partiu para as ameaças de denúncias ao mercado e outras formas de pressão, por parte da multinacional, a indústria desistiu de vez. O certo, no entanto, é que a indústria que aceitar o acordo perderá 4% de competitividade. O produtor venderá para outra indústria que não desconte. E também estaria abrindo mão do seu sigilo comercial e estratégico, pois autorizaria a auditagem da entrada e da saída de arroz de seus domínios.
Advogado denuncia ameaças
O advogado Marcelo Nunes representou a Abiap em reuniões com a Basf e revela que para obrigar as indústrias a fornecerem amostras do arroz recebido dos produtores, a multinacional está lançando mão de toda a pressão possível.
O argumento é que os engenhos se beneficiam, ainda que indiretamente, pela utilização da tecnologia. “Chegaram ao ponto de ameaçar, publicamente, realizar uma campanha de boicote às marcas gaúchas, com a justificativa de que os orizicultores plantam sementes piratas e pode haver prejuízos à saúde dos consumidores”, informa.
Sem conseguir um acordo com as indústrias e incapaz de operacionalizar a coleta diretamente com os arrozeiros, Nunes acredita ser provável que a Basf acabe acionando judicialmente os engenhos, intenção que já foi anunciada. “Para isso, a empresa precisará provar que houve quebra de patente, o que é complexo, demandará muito tempo e poderá não dar em nada”, explica o advogado.
A questão do “uso de tecnologia” que a multinacional alega, por exemplo, no entendimento de Marcelo Nunes, não se aplica ao programa de monitoramento nas lavouras – que consta de práticas de manejo conhecidas dos produtores. Ele acredita que talvez nem mesmo as sementes hoje utilizadas podem ser enquadradas nesse termo, pois podem apresentar diferenças em relação às certificadas, porque estão sendo multiplicadas pelos próprios orizicultores.