A doce origem européia

 A doce origem européia

A história do arroz irrigado começa em Cachoeira do Sul .

A saga do cultivo do arroz irrigado, uma das principais riquezas do Rio Grande do Sul e prato indispensável da cozinha brasileira, iniciou com a chegada de imigrantes alemães, em 1857, na Colônia de Santo Ângelo, atual município de Agudo, na Depressão Central do Rio Grande do Sul. Na época, a colônia fazia parte do município de Cachoeira do Sul. 

Em 1860, era considerável o volume do cereal produzido nas colônias alemãs. O arroz era apreciado pelos imigrantes como uma refeição doce, associada ao leite, açúcar e canela, o mingau de arroz. Hoje, trata-se de uma sobremesa conhecida na culinária brasileira com o nome de arroz-de-leite ou arroz-doce. 

Os produtores alemães descobriram, por informações do barão von Kalden, administrador da colônia, que nas margens do Rio Jacuí era possível produzir arroz de grande qualidade, porque já havia experiências – mesmo que tímidas – neste sentido. Em 1875, a Colônia de Santo Ângelo já possuía sete engenhos, que surgiram em decorrência do plantio do arroz e da necessidade de descascá-lo mecanicamente devido à crescente produção, lembram as historiadoras Ione Sanmartin Carlos e Angela Schuh. 

Os proprietários eram todos imigrantes alemães. Os produtores começaram plantando arroz de sequeiro. Posteriormente migraram para os banhados e, com adaptação, ganharam as várzeas gaúchas e desenvolveram a irrigação por declive natural na região. A lavoura irrigada demonstrava maior produtividade e melhor qualidade de cereal. Este fator deslocou as lavouras para as várzeas do Vale do Rio Jacuí. 

Lavouras pioneiras

O empresário Albino Pohlmann, que vivenciou desde 1892 o cultivo de arroz nas várzeas da Depressão Central gaúcha, registrou um quadro de lavouras pioneiras em Cachoeira do Sul. A primeira lavoura comercial da região, ainda com irrigação por gravidade, foi instalada nas margens do Arroio Santa Bárbara, afluente do Rio Jacuí, em 1892, por Gaspar Barreto e Lotário Vasconcelos. 

No Rio Grande do Sul há referências ao cultivo de arroz de montanha ou sequeiro desde 1832. Faz quase 200 anos que foi cultivada na Estância Machado, em Pelotas, uma lavoura de arroz. A importância da orizicultura no Rio Grande do Sul teve seu marco em 1903/04, quando no município de Pelotas foi instalada a primeira lavoura irrigada por bombeamento forçado, pela parceria entre Maximiliano Saenger e a firma F.C. Lang e Cia, que semeou 60 hectares de arroz. No ano seguinte, uma lavoura de 100 hectares foi formada em Gravataí (atual Cachoeirinha) e outra em Cachoeira do Sul.

 

Os locomóveis

A cultura do arroz irrigado no Brasil teve um grande impulso em Cachoeira do Sul graças aos locomóveis fabricados pela empresa Mernak. O grupo nasceu a partir do trabalho desenvolvido pelo alemão Otto Mernak, um visionário que transformou uma ferraria na fabricante pioneira para a América Latina destes motores a vapor. 

Locomóveis eram motores movidos a vapor produzido pela queima da lenha, que permitiram a mecanização de levantes de água para irrigação e também o funcionamento dos modernos engenhos da época. Os locomóveis acionavam bombas de irrigação, o que facilitava a inundação das lavouras de arroz. A tecnologia foi criada e otimizada em Cachoeira do Sul, tornando o município da Depressão Central do Rio Grande do Sul uma referência em tecnologia para a orizicultura. Mais tarde a empresa Mernak fundiu-se a outra empresa histórica e muito importante na região, a Kerber S.A. fabricante de bombas para irrigação.

 

Escola da SLC

O pólo industrial metal-mecânico de Cachoeira do Sul foi tão importante na primeira metade do século 20 para o arroz que algumas experiências importantes, como a de Otto Mernak, da família Kerber, de Achylles Figueiredo, não podem deixar de ser citadas. Uma empresa, porém, ganhou notoriedade internacional. As trilhadeiras Friedrich, de Cachoeira do Sul, eram as mais famosas e operacionais do país. 

Tanto que os empreendedores Schneider e Logmann, fundadores da SLC, hoje John Deere, escreveram em um de seus livros de memórias: “Fomos a Cachoeira do Sul aprender a fazer trilhadeiras”. A Friedrich e outras empresas tradicionais não resistiram aos tempos, às crises e às inconstâncias dos planos econômicos. Mas deixaram um importante legado histórico que fortaleceu a condição de Capital Nacional do Arroz.

 

Seu Achylles, uma lenda

Achylles Figueiredo, um comerciante de Cachoeira do Sul (RS), grande pólo produtor e irradiador de tecnologias em cultivo e beneficiamento de arroz na primeira metade do século 20, foi o responsável por um dos episódios mais importantes da consolidação deste município como a Capital Nacional do Arroz. 

Ele foi o responsável pelo ingresso de máquinas e imple-mentos agrícolas nas lavouras orizícolas do Rio Grande do Sul e da América do Sul. Até então, predomi-navam o trabalho braçal e implementos agrícolas de tração animal nas atividades de lavoura. 

Em 1923, Achylles Figueiredo abandonou as atividades de produtor de arroz na localidade de Barro Vermelho e tornou-se o primeiro representante dos tratores e produtos Case no Brasil, reportando-se à representação da indústria em Buenos Aires, Argentina. 

Depois de tentar infrutiferamente vender os equipamentos para arrozeiros cachoeirenses, que os consideravam demasiadamente caros e sem garantia nenhuma de retorno, Figueiredo resolveu lançar um desafio. 

Visitou, um a um, os maiores produtores da região e propôs ceder-lhes os tratores para a primeira safra. Se a experiência não desse certo, eles não precisavam pagar. Se a lavoura apresentasse melhorias e maior produtividade, eles compravam os tratores e pagavam em 10 safras. Assim, foram vendidos os seis primeiros tratores para a lavoura arrozeira gaúcha. 

A cidade os recebeu com festa e uma solenidade de entrega foi marcada para a rua principal. O sucesso foi tão grande que todos os produtores pagaram e encomendaram mais tratores. "Todos aumentaram muito a produtividade, ganharam muito tempo. Alguns pagaram os tratores já na primeira safra e encomendaram outros, gostava de dizer Achylles Figueiredo. 

Ele faleceu em 1997, aos 105 anos de idade.

 

 

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