A hora dos transgênicos

 A hora dos transgênicos

Nova lavoura de arroz está nascendo nos laboratórios

Lei de Biossegurança põe na mesa o debate sobre arroz transgênico.

Em março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou uma das maiores batalhas políticas envolvendo cientistas, ambientalistas, políticos, produtores rurais e consumidores que o país já viu: assinou a Lei nº 11.105, a Lei de Biossegurança, que normatiza o plantio e venda de organismos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil, desde que aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), e prevê rotulagem de produtos. 

A cadeia produtiva do arroz recebeu a lei como uma ferramenta importante para a sustentabilidade da lavoura e o avanço da pesquisa nacional. O doutor em fitotecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Gravina de Moraes, considera este um marco importante. “O país ganha condições de competir em igualdade com países que usam a tecnologia”, destaca. Além disso, há avanços importantes com relação ao papel da CTNBio. “A lei é adequada, mas pode não ser suficiente para impulsionar o crescimento da biotecnologia se não houver vontade política do Governo”, explica. 

A pesquisadora Márcia Margis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera positivo que as decisões relativas aos transgênicos, sobretudo às atividades envolvendo a pesquisa, sejam tomadas segundo aspectos científicos, o que trará benefícios para a sociedade. A norma contempla as principais reivindicações da comunidade científica e social quanto aos OGMs de origem vegetal, segundo a pesquisadora da Unisinos, Lídia Fiuza. O presidente da Federarroz, Valter José Pötter, comunga dessas opiniões. Para ele, trata-se de um passo importante no sentido de permitir à pesquisa condições de desenvolver ferramentas de redução de custo e eficiência na produção de alimentos. 

 

OGM made in Brazil

As principais pesquisas brasileiras que visam o desenvolvimento de cultivares transgênicas de arroz estão focadas no desenvolvimento de plantas resistentes a insetos e doenças fúngicas. A razão é a existência de vasta tecnologia nessa área, principalmente para arroz Bt, e a demanda das lavouras. Algumas pragas, como a lagarta e o gorgulho-aquático (bicheira-da-raiz), causam importante impacto à cultura em danos e custos com o uso de inseticidas. O impacto ambiental com o tratamento químico também é importante. 

É o caso da brusone, principal doença fúngica que é um limitante da cultura em terras altas. O pesquisador Marcelo Gravina de Moraes, da UFRGS, afirma que são esperados para médio prazo lançamentos de cultivares com alta qualidade nutricional, como o arroz enriquecido em ferro e em betacaroteno, que serão muito importantes para determinados grupos de consumidores. O próprio controle do arroz vermelho poderá logo ter o arroz transgênico como uma boa alternativa ao uso do arroz mutagenizado, além de variedades com inserção de genes de tolerância a frio e outros estresses. 

Segundo Moraes, mais adiante, o que se espera é uma grande pressão pelo desenvolvimento de novas cultivares que beneficiem mais os consumidores. A demanda então não será somente para reduzir os custos de produção, mas por um grão com maior teor de um determinado nutriente, vitamina ou aroma. Esta segmentação da produção ditará quem continuará a produzir arroz.

 

Caminhando contra o vento

No caso do arroz, a demora em aprovar uma lei
de biossegurança no Brasil atrasou o processo de desenvolvimento. Ainda assim, trabalhos promissores saíram do papel e ganharam os laboratórios. A pesquisadora Lídia Fiuza, por exemplo, trabalha como consultora da Estação Experimental do Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga) em projetos que têm por meta a seleção de genes de Bacillus thuringiensis (Bt) para a criação de cultivares de arroz com resistência a lepidópteros – lagarta (Spodoptera frugiperda) – e coleópteros – gorgulhos (Oryzophagus oryzae). 

Atualmente essa pesquisa trabalha com dois novos isolados que codificam proteínas inseticidas a ambas as espécies, cujos genes estão sendo identificados. Desde 2003, em colaboração do Irga e através do projeto Inovarroz, da UFRGS, estão sendo transformadas cultivares do instituto gaúcho com genes que sintetizam proteínas tóxicas para lagartas. Além desses, há pesquisa para a obtenção de cultivares transgênicas tolerantes ao frio, patógenos e a melhoria da qualidade do grão. 

A pesquisadora Márcia Margis, da UFRJ, trabalha com algumas linhagens transformadas com um gene que potencialmente confere às plantas resistência a insetos. Em parceria com a Embrapa Arroz e Feijão, de Goiás, busca também decifrar a função dos genes presentes no genoma do arroz. Para isso, está sendo produzida uma coleção de linhagens mutantes. “Nesse projeto, obteremos centenas de linhagens transgênicas diferentes, cada uma contendo um gene específico mutado. O objetivo é interromper genes e analisar o efeito da mutação na planta, decifrando assim a função do gene”, explica. 

Além disso, Márcia Margis está envolvida na produção de plantas de arroz superexpressando ou silenciadas nos genes que codificam enzimas do metabolismo antioxidante. “Dessa maneira poderemos entender qual a contribuição desses genes na defesa da planta contra estresses ambientais que induzem um estresse oxidativo”, destaca. A partir dessa pesquisa, poderão ser produzidas variedades transgênicas com tolerância ao excesso de luz, sal e calor, por exemplo.

 

Fungos também estão na mira

Na Embrapa Arroz e Feijão, de Goiás, o foco dos experimentos da equipe de biotecnologia é a resistência a fungos, já que um dos maiores limitantes da cultura de terras altas são doenças fúngicas, como a brusone. O trabalho é coordenado pela pesqui-sadora Rosângela Bevitori. A chefe-geral dessa unidade, Beatriz Pinheiro, afirma que a comunidade científica e os produtores receberam, com a nova lei, a oportunidade de obter tecnologias facilitadoras tanto nos laboratórios quanto nas lavouras. “A biotecnologia é, hoje, uma ferramenta vital para o agronegócio”, frisou. 

O Laboratório de Fitopatologia Molecular (LFM) da Faculdade de Agronomia da UFRGS vem colaborando com pesquisadores do Irga e da Unisinos para o desenvolvimento de uma cultivar de arroz transgênico resistente a insetos. No laboratório, também estão sendo desenvolvidas pesquisas para obter cultivares resistentes à brusone e ao vírus do enrolamento foliar usando a transgenia. Em todos estes casos as pesquisas estão em sua fase inicial. Não há previsão de prazo para que os experimentos com arroz transgênico deixem os laboratórios e ganhem os campos experimentais e as lavouras brasileiras.

 

Menor custo de produção

 

A produção de arroz transgênico terá como primeiro impacto a redução nos custos de produção. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a produtividade da lavoura do arroz é elevada para os padrões internacionais. Porém, os custos de produção começam a causar problemas de desequilíbrio na orizicultura. Neste caso, cita o pesquisador Marcelo Gravina de Moraes, pequenos acréscimos de produtividade, melhorias no manejo de invasoras, doenças e pragas e tolerância a fatores adversos do ambiente são muitas vezes decisivos para que o produtor tenha lucro. “A biotecnologia pode contribuir para que obtenhamos esses avanços rapidamente”, frisa. 

Mas o horizonte apresenta algumas nuvens carregadas. O pesquisador lembra que atualmente o Brasil importa arroz com preços baixos de outros países, incluindo os vizinhos do Mercosul. “O que acontecerá com a orizicultura no Brasil caso esses países nos ofertem arroz a custos ainda mais baixos? A soja transgênica mudou o panorama do comércio deste grão, transformando a Argentina em forte competidor com o nosso produto. Este foi o impacto de uma única biotecnologia”, cita Moraes. Na sua opinião, o arroz poderá seguir o mesmo caminho, ainda mais rápido. “Assim como no caso da soja, estamos sendo desafiados mais uma vez e espero que agora a lição tenha sido aprendida”.

 

Os transgênicos no mundo

– Pesquisadores da Coréia do Sul e dos Estados Unidos produziram uma variedade de arroz geneticamente modificado com um gene de bactéria que é capaz de resistir a seca, frio e água salgada. 

– Pesquisa publicada pela Academia de Ciências da China apontou como benefício do plantio do arroz geneticamente modificado (GM), resistente a insetos, a redução de 80% do uso de pesticidas e das enfermidades entre agricultores causadas pela utilização de substâncias químicas. 

– Responsável por 33% da produção global de arroz, a China estuda o desenvolvimento de diversas variedades transgênicas. Quatro estão no último estágio de experimentação. Duas, resistentes a lagarta, estão em avaliação. Além do arroz Bt, é testada variedade com um gene modificado do feijão, que codifica uma substância chamada inibidor de tripsina. Ela impede que o inseto faça a digestão das folhas, levando-o à morte. 

– Uma notícia publicada pelo jornal inglês The Independent afirma que pesquisadores de indústrias de biotecnologia introduziram genes humanos em arroz geneticamente modificado. A descoberta causou repulsa e acusações de que a indústria dos transgênicos está criando um “alimento frankenstein”. A experiência foi desenvolvida no Japão, onde cientistas do NIAST inseriram gene de fígado humano em cultura de arroz. O gene produz uma enzima que auxilia o corpo humano a melhor digerir resíduos de pesticidas e produtos químicos aplicados na produção do alimento. 

– Cientistas da Grã-Bretanha desenvolveram uma nova variação de arroz dourado geneticamente modificado com até 20 vezes mais betacaroteno que as linhagens anteriormente criadas em laboratório. O grão pode ajudar a combater a cegueira infantil em países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 500 mil crianças fiquem cegas ao ano por falta de vitamina A, resultado da síntese do betacaroteno no organismo. A primeira versão do arroz dourado não produzia uma quantidade de betacaroteno suficiente para as necessidades diárias de uma criança. 
 

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