O desafio do arroz
Custo de produção elevado coloca em xeque a lavoura orizícola gaúcha
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Produzir arroz no estado que concentra mais de 64% da produção nacional do cereal não tem sido uma escolha lucrativa para os empreendedores dessa cultura. Das últimas nove safras colhidas pelos orizicultores gaúchos, seis amargaram prejuízos. Uma das explicações para a baixa competitividade do arroz do Rio Grande do Sul frente aos mercados interno e externo está no alto custo de produção: a diferença para mais em relação aos concorrentes do Mercosul, Uruguai, Argentina e Paraguai, chega a 37%.
O custo de produção da lavoura de arroz no RS, segundo cálculos do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), é de R$ 29,13 por saca de 50 quilos para o período 2010/11. O levantamento tomou por base, entre outros fatores, os gastos com preparo do solo, drenagem, fertilizantes, agroquímicos e juros de financiamentos. É com base nesse valor que o setor produtivo vem pressionando o governo a adotar mecanismos de comercialização, renegociação de dívidas e medidas estruturais capazes de garantir a rentabilidade do grão. Vale lembrar que em junho deste ano o produto chegou a ser vendido, em média, a R$ 19,00 a saca, quando o preço mínimo definido pelo governo é de R$ 25,80 a saca.
Mas será que para produzir uma saca de 50 quilos de arroz é realmente necessário desembolsar R$ 29,00? O próprio presidente do Irga, Claudio Pereira, questiona o método de apresentação do custo de produção. “Eu, como presidente de um órgão público, sou questionado diariamente e não posso me omitir. Quero que o Irga, juntamente com todo o setor, debata a forma de apresentar esse custo. Há uma amplitude muito grande. Não podemos generalizar dizendo que todos produzem com R$ 29,00 de custo”, avalia.
Embora seja contestado por parte do setor produtivo, o argumento de Pereira pode ser comprovado na prática. Para alguns produtores, o custo do Irga acaba sendo apenas um valor de referência, já que conseguem produzir gastando menos e ainda obtendo de bons a excelentes índices de produtividade por safra. É o caso do produtor Walter Arns, de Uruguaiana, que nesta safra produziu 9 mil quilos por hectare a um custo de R$ 25,50. “Coincidiu com o preço, mas não foi fácil. Isso só foi possível porque tive uma safra extraordinária”, explica.
Arns, no entanto, faz uma ressalva: “Eu analiso a situação da lavoura gaúcha pela minha estrutura e vejo que não há mais o que cortar em termos de custos. A R$ 25,50 estou empatando. Eu cortei tudo que podia, inclusive os investimentos. Posso até reduzir o custo por hectare, usar menos insumos, mas vou produzir menos”, observa.
O que também pesa na hora de fazer as contas, de acordo com o produtor, são os custos com combustíveis, energia elétrica e mão-de-obra, que sofrem reajuste a cada ano. “Além do custo de produção, fora da porteira há o custo país, que é muito alto. A realidade é que o produtor não quebra de um dia para o outro. Ele vai se endividando até a situação ficar insustentável”, resume.
NO LIMITE
O uso racional de insumos e maquinário contribui para reduzir custos, mas não faz milagres na hora de planejar a lavoura. Esta é a visão do engenheiro agrônomo José Mário Tagliapietra, da Cooperativa Mista Nova Palma (Camnpal), em Dona Francisca (RS), que abrange os municípios de Agudo e Restinga Seca.
A cooperativa conta com 230 produtores associados, que cultivam arroz em uma área de 2.350 hectares, geralmente obtendo altas produtividades. “A maioria já adota o cultivo mínimo, usa a quantidade de herbicida na dose certa para fazer o preparo do solo, faz nivelamento de solo para evitar gastos maiores com energia elétrica. Não tem como reduzir mais, até porque adubo e herbicida precisam ser usados independentemente do preço. Aqui ninguém fica brincando de passear com o trator”, enfatiza.
Crise afeta grandes e pequenos
A crise que afeta a produção de arroz não escolhe tamanho de propriedade ou sistema de produção. Grandes e pequenos produtores são afetados igualmente. De acordo com o engenheiro agrônomo da Cooperativa Mista Nova Palma (Camnpal), José Mário Tagliapetra, a situação é mais difícil para quem comprou maquinário em outras safras e agora está pagando juros elevados, principalmente se esse equipamento não for bem cuidado. “Tem que analisar a relação custo-benefício. Muitos podem enxugar em maquinário. Tem produtor com um trator 1980 e uma colheitadeira 1983 em boas condições porque faz manutenção correta”, informa.
Evandro Bortolin, de 48 anos, é um destes produtores. De 54 hectares cultivados, ele colheu 231 sacas por hectare (10 mil quilos por hectare). De outros 11 hectares de área fértil, colheu 266 sacas por hectare. “Colhi bem, mas o preço não ajuda. Em 20 anos, já atravessei vários momentos difíceis, mas nunca como nesta safra, que chegou a pagar R$ 18,00 a saca de 50 quilos de arroz”, desabafa.
A receita do produtor é colocar tudo na ponta do lápis e ter sempre um fundo de reserva para os tempos difíceis. “Na safra 2009/10 perdi 40% da produção em função das enchentes, mas como tinha uma reserva financeira tive como superar a quebra”, conta.
Para Bortolin, os itens que mais pesam na hora de calcular o custo da lavoura são as despesas com mão-de-obra e combustíveis. “Tenho dois empregados. Antes, eram necessários de oito a 10 sacos de arroz para pagar o salário de um empregado. Agora são necessários 30 sacos, considerando o preço de R$ 18,00 pago aos produtores no auge da crise. Em 1998, por exemplo, com o valor de uma saca de arroz era possível abastecer uma máquina com 48 litros de diesel. Hoje, uma saca corresponde a 10 litros de combustível”, compara o produtor.
ÁREA
Com o orçamento no limite, o produtor reconhece que não sobra muito para investir na próxima safra. “Vou aumentar a lavoura em 10 hectares, mas quem tem área grande vai ter que reduzir. Meu irmão planta 300 hectares e não terá alternativa a não ser diminuir a área plantada”, prevê.
QUESTÃO BÁSICA
Para o produtor Walter Arns, o que o governo brasileiro precisa deixar claro é se o Rio Grande do Sul deve ou não continuar produzindo arroz. “Se a lavoura arrozeira é importante para o país ou os produtores devem procurar outra coisa para plantar, favorecendo, com isso, os países do Mercosul. Essa é a cobrança que a Federarroz e a Farsul devem fazer ao governo. Para a sociedade, passa a imagem de que o governo está ajudando os produtores, como se eles fossem incompetentes, quando é justamente o contrário: o produtor do Rio Grande do Sul é eficiente, competente e tem condições de competir em pé de igualdade com seus concorrentes. Na verdade, quem ensinou o Mercosul a plantar arroz fomos nós. Agora eles estão nos copiando, porque a tecnologia desenvolvida pelo Irga é referência em toda a América Latina”, afirma.
Choque de gestão
Produtor precisa duas safras para pagar uma
O setor de pesquisas recomenda aos produtores que tenham muitos cuidados na hora de reduzir os gastos, sobretudo no momento de preparar a lavoura para a safra seguinte, pois as perdas em produtividade podem ser irreversíveis. O diretor técnico do Irga, Valmir Gaedke Menezes, explica que 70% dos custos de produção, incluindo o manejo da água e os gastos com óleo diesel, não se alteram quando a meta é produzir de quatro a oito toneladas por hectare. “Tudo tem que ser planejado. Não se trata de reduzir a área plantada, mas sim de fazer a melhor lavoura possível. É melhor ter uma lavoura de 80 hectares que remunere do que uma de 100 hectares que dê prejuízo”, ressalta.
Na avaliação de Menezes, são as boas práticas na condução da lavoura que proporcionam melhores custos. “A pesquisa tem mostrado que o manejo racional da lavoura, como o preparo antecipado do solo, o plantio na época certa e o uso correto de insumos, sem exageros, são fundamentais. A experiência identifica que os produtores mais bem-sucedidos são aqueles que melhoraram seus sistemas de gestão”, argumenta.
O presidente da Câmara Setorial Nacional do Arroz, Francisco Lineu Schardong, também reconhece que é preciso um choque de gestão na lavoura de arroz gaúcha. “Do jeito que está, o produtor, para permanecer na atividade e ainda obter alguma rentabilidade, precisa de duas safras para pagar uma”, afirma o dirigente. Para criar uma proposta de mudanças, foram criadas duas comissões de trabalho na câmara: uma tratará das questões estruturais da lavoura, e será coordenada pelo próprio Schardong, e a outra das alternativas de ordem conjuntural, liderada pelo presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), Renato Rocha. Estes grupos têm pressa para concluir os estudos e apresentar propostas viáveis.
CARGA
Outro fator que onera o produtor, na avaliação de Schardong, é a carga tributária sobre os custos de produção no Brasil, muito superior às praticadas nos países concorrentes do Mercosul. “A diferença fica mais evidente quando comparamos os preços dos equipamentos aqui e lá fora. Uma colheitadeira produzida no estado é vendida no Brasil por R$ 311 mil. O mesmo equipamento, exportado para a Argentina, custa o equivalente a R$ 243 mil naquele país. Já um trator que aqui custa, em média, R$ 79 mil é vendido lá por R$ 55 mil, o que acaba tornando mais vantajosa a aquisição desses produtos nos países vizinhos”, compara.
FIQUE DE OLHO
Este problema estrutural na lavoura de arroz, na análise de Antônio da Luz, tem inviabilizado a participação do produto nacional no mercado externo, uma vez que este precisa ser vendido com uma importante diferença em relação ao preço internacional para que seja demandado. Como essa condição não pode ser satisfeita por vias de mercado, a produção brasileira encontra demanda apenas no mercado doméstico, limitando-se a produzir as quantidades iguais ao que o consumidor brasileiro está disposto a consumir.
Fatia do governo
O impacto da carga tributária sobre os custos de produção da lavoura de arroz no estado também é tema de um estudo realizado pela assessoria econômica da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). De acordo com o economista e autor do trabalho Antônio Newton Corrêa da Luz, esta é a razão para a baixa competitividade internacional, e não parâmetros econômicos, tais quais demanda, produtividade, eficiência dentro da propriedade, etc. “Enquanto um produtor gaúcho gasta 2.200 dólares para produzir um hectare de arroz, a média dos produtores argentinos, paraguaios e uruguaios é de apenas 1.392 dólares e dos arrozeiros norte-americanos é de 1.300”, aponta.
De acordo com o economista, a diferença entre o custo de produção local e de seus concorrentes imediatos, Uruguai, Argentina e Paraguai, chega a 37%. “Essa diferença é suavizada pela produtividade da lavoura local, que é maior, trazendo para 26% a diferença média quando analisamos o custo não mais por hectare, mas por tonelada produzida”, explica.
Conforme o estudo da Farsul, enquanto outros países desenvolvem tributações mais lógicas e sobre renda e patrimônio, o Brasil ainda insiste na arcaica forma de tributar preferencialmente o produto. “A consequência dessa lógica tributária é que os custos de produção, formados por insumos agrícolas e bens de capital, são equivocadamente tributados, elevando o custo de produção local para níveis muito superiores aos dos concorrentes e inclusive do preço de mercado”, destaca Antônio da Luz.
Ele lembra ainda que, apenas com ICMS, o governo estadual arrecada R$ 327,4 milhões sobre os custos de produção. “Como se não bastasse a tributação sobre o custo de produção, que retira grande parte da competitividade internacional do arroz brasileiro, o cereal ainda é tributado sobre o produto acabado”, acrescenta.
RELAÇÃO CUSTO- RECEITA
A análise das séries históricas do custo de produção de um saco de 50 quilos de arroz, pesquisado anualmente pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e o preço médio ponderado recebido pelo produtor, informado pela Emater-RS, mostram que nas últimas nove safras foram registrados prejuízos em seis delas. Ou seja, há perdas em quase 2/3 do período analisado.