Uma vitória

Setor arrozeiro ganha o direito de renegociar seus débitos em 10 anos.

Os produtores de arroz que tiveram dificuldades de manter em dia suas contas até agora, ganharam do governo federal a chance de se habilitarem à renegociação de dívidas no final de 2012. Estão contempladas: custeio e investimento contratados até 30 de junho de 2011, EGF 2009/10 e Fat Giro Rural, entre outras. A taxa de juros é de 5,5% ao ano. O pedido de adesão do produtor no agente financeiro precisa ser feito até 30 de abril de 2013, enquanto o prazo final de formalização/contratação é 31 de julho de 2013. Para isso é necessária a quitação de 10% do débito. “Não fazem parte as dívidas de securitização e Pesa”, alerta o presidente da Federarroz, Renato Rocha. Para se habilitar o produtor gaúcho deve ter pago os vencimentos de fevereiro/2013, como forma de manter-se em dia.

Segundo o departamento jurídico da Federarroz, mesmo produtores acionados judicialmente podem tentar se valer da medida, pois esta não exclui a possibilidade de negociar, mesmo dentro do processo. Entretanto, cabe ao banco aceitar ou não, conforme estabelece a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). Na primeira semana de fevereiro o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social divulgou carta circular autorizando os bancos privados e de fábrica a renegociarem as parcelas de financiamentos de investimento em atraso. Era o documento que faltava.

A dívida dos arrozeiros é estimada em R$ 3,1 bilhões no Rio Grande do Sul. O governo anunciou que renegociaria R$ 1,5 bilhão, mas houve concessões no voto do CMN que tornam possível um número ainda maior de produtores repactuarem as dívidas. “Desde que enquadrados nas regras da resolução, todos os produtores podem pedir a negociação”, frisa Renato Rocha.

ENTREVISTA ESPECIAL

O presidente da Câmara Setorial Nacional do Arroz, Francisco Schardong, que também é dirigente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), concedeu uma entrevista abordando a questão do endividamento dos arrozeiros:

PLANETA ARROZ – Que repercussão terá essa renegociação de dívidas dos produtores e como isso vai interferir no acesso ao crédito?
FRANCISCO SCHARDONG – Acredito que esta foi a maior conquista dos arrozeiros nos últimos tempos, embora a proposta em vigor não tenha atendido alguns pontos que defendíamos, o que é normal em negociações muito delicadas que envolvem o interesse dos produtores, dos bancos e do governo, nas quais cada um puxa a brasa para o seu lado. Espero que ocorra no arroz, após essa renegociação, algo similar ao que ocorreu com o pessoal atingido pela seca após os nossos pleitos de renegociação serem atendidos, que é tornar-se adimplente e voltar a ter crédito.

Apesar da dor, das perdas e dos reflexos na economia do estado, os produtores dos outros grãos tomaram quase 15% a mais de custeio em 2012 em relação ao ano anterior e os investimentos também foram superados, de acordo com o Banco Central, tudo isso apesar da maior seca da história. Isso ocorreu porque houve o atendimento dos nossos pleitos de renegociação, através das resoluções do CMN, que não extinguem a dívida, mas pelo menos equalizam o passivo, mudam o perfil e abrem limite. Por isso, apesar da seca os produtores tiveram acesso a mais custeio e investimento.

PLANETA ARROZ – Este é o caso do arroz?
FRANCISCO SCHARDONG – Não. No caso do arroz o acesso ao crédito vem caindo nos últimos três anos. A queda acumulada chega a 42%. Ou seja, de 10 arrozeiros, em 2010 quatro estavam fora do sistema de crédito rural e a fila para sair este ano era imensa, não fosse essa reequalização. Essa renegociação que foi conquistada deverá reverter essa tendência de expulsão dos arrozeiros do crédito e já deveremos ver um crescimento substancial da tomada de crédito por este público já neste ano, assim como vimos no pessoal de culturas do seco, embora leve alguns anos para que o estrago seja consertado.

PLANETA ARROZ – Como isso poderá interferir nos preços e na viabilização das propriedades, no mercado, na rentabilidade e na lavoura?
FRANCISCO SCHARDONG – Nós esperamos que de maneira geral a fotografia do arroz mude muito, mas não podemos achar que por ter parcelado as dívidas o setor arrozeiro agora se viabilize. A dívida é apenas uma parte do problema. Para viabilizar a propriedade temos que baixar muito o custo de produção, muito superior aos de nossos concorrentes. Precisamos reduzir os tributos que incidem sobre custo de produção e por conseguinte ao arroz, ter liberdade de importar insumos mais baratos, revisar pontos importantes de leis trabalhistas. Ainda há muito o que evoluir fora da discussão da dívida, pois temos que avançar nas razões pelas quais os produtores se endividam, dentre elas a explicação de por que pagamos o maior custo de produção do mundo, pois renegociar dívida e não garantir renda não soluciona o problema. Pelo menos o setor pode se unir agora em torno de questões importantes.

PLANETA ARROZ – Quais as dificuldades para os produtores acessarem este mecanismo?
FRANCISCO SCHARDONG – Hoje em dia as renegociações são completamente diferentes do que eram no passado, pois praticamente não envolvem recursos do governo e sim dos bancos. São operações entre entes privados, sobre as quais o governo age apenas autorizando ou não, pois ele precisa ser o guardião da política monetária e ver se essas renegociações, que envolvem bilhões de reais, podem ser realizadas sem criar riscos para o sistema de crédito e monetário. Dessa forma a negociação com o banco é muito importante. A Farsul trabalhará nos níveis que lhe compete, monitorando como ocorrerão os enquadramentos e agindo sempre que necessário, mas é importante que o produtor faça bem seu dever de casa que é negociar na esfera que lhe compete, ou seja, na sua agência.

PLANETA ARROZ – Quais os principais cuidados que o produtor que vai buscar este mecanismo deve ter?
FRANCISCO SCHARDONG – Ele deve ter a consciência que não poderá acessar crédito rural de investimento até que pague integralmente as três parcelas subsequentes. Estamos trabalhando desde muito antes da resolução ser votada, quando o presidente Carlos Sperotto teve acesso ao texto preliminar que foi a votação no CMN, em flexibilizar essa restrição. Já encaminhamos ao ministro da Fazenda a solicitação de que vigore essa restrição exceto se o investimento for para melhoria do solo, irrigação e armazenagem, ou então em caso de o produtor desejar produzir outra cultura que não o arroz não fique impedido de investir. A negociação envolveu muitas entidades e pessoas e todos foram importantes. Mas como disse, as negociações de hoje são completamente diferentes do que eram no passado, em razão da origem do dinheiro, exigindo muita técnica e habilidade política e de negociação. Temos certeza que a Farsul fez bem o seu dever de casa. O presidente Sperotto, que liderou esse processo, soube segurar a turma quando foi preciso e dar tempo e apoio ao ministro Mendes Ribeiro Filho – grande responsável por essa negociação -, assim como soube aquecer a discussão e cobrar quando necessário, baseado em argumentos técnicos. No Ministério da Fazenda, onde víamos grande rejeição a tudo que viesse dos arrozeiros, hoje temos um clima mais ameno, pois eles se dispuseram a entender e nós a explicar nossas posições sem conflitos, apenas com argumentos técnicos e posições políticas claras e críveis. As lideranças do arroz entenderam a nova situação e o sucesso obtido veio da união de entidades, lideranças e diálogo próximo com os bancos e governo federal. Desejamos profundamente continuar unidos, pois a batalha em prol do arroz apenas começou. Precisamos olhar agora para os problemas do para-brisa, que são bem maiores que os do retrovisor.

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