Os desafios da orizicultura

 Os desafios da orizicultura

Podemos dividir os desafios do orizicultor em dois ambientes: dos lados de fora e de dentro da porteira

Autoria: *Renato Caiaffo da Rocha.

Dizer que a agricultura é uma atividade de risco pode parecer “chover no molhado”. Mas, às vezes, mesmo as obviedades precisam ser ditas para que a sociedade consiga entender que ao longo do tempo a produção de alimentos no Brasil não tem sido uma prioridade política e uma classe fundamental neste processo, a do produtor, paga, a duras penas, o custo de uma economia “estável”. Podemos dividir os desafios do orizicultor em dois ambientes: dos lados de fora e de dentro da porteira.

Do lado de dentro da porteira, onde há grandes avanços de gestão e tecnológicos que tornaram a lavoura de arroz irrigado do Rio Grande do Sul uma referência mundial em produtividade, qualidade de grão e sustentabilidade. Ou seja, estamos utilizando menor volume de água para produzir mais arroz e com maior qualidade. Mais do que isso, o setor está diversificando a produção em várzea, graças às tecnologias geradas pelos centros de pesquisas e iniciativa privada, com a integração lavoura-pecuária via rotação de áreas com soja ou milho, com plantio em microcamalhões ou pastagens, como forma de buscar a sustentabilidade econômica do negócio e vantagens tecnológicas, via solução para problemas de pragas, invasoras e aproveitamento de nutrientes.

De dentro da porteira parte a organização do setor em torno das entidades arrozeiras e um dos nossos desafios é criar o maior número possível de associações para o fortalecimento da Federarroz. Atualmente são 35 associações, mas os municípios arrozeiros são 130. E desta organização setorial, também vem a política, com o setor precisando estar atento para formar a maior representação ruralista possível, seja na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados ou no Senado. O produtor depende de linhas especiais do governo para poder investir em sistemas de secagem e armazenagem, com o qual assume o poder de comercializar sua safra nos melhores momentos do mercado. Mas, o desafio é como alavancar a armazenagem se mais de 60% dos arrozeiros são arrendatários e não têm alcançado renda com a produção? É mais um questionamento de difícil resposta e que exige um trabalho muito sério entre governo e produtores.

FORA DA PORTEIRA
No segundo ambiente, fora da porteira, o arrozeiro gaúcho, que representa quase 65% da produção nacional, enfrenta sérios obstáculos, com um custo médio de produção em torno de R$ 30,00 por saca de 50 quilos de arroz em casca, enquanto que a média de comercialização nas safras 2009 e 2010 ficaram abaixo do custo de produção e a de 2011 bem abaixo do preço mínimo de R$25,80, que deveria ser garantido pelo governo. Como ter renda pagando R$ 30,00 para produzir e recebendo abaixo deste valor pelo seu produto? É impossível. Essa conta não fecha. E isso gerou um endividamento de mais de R$ 3,1 bilhões e um triste estatística, medida pelo Banco Central, com a redução de 30% no número de contratos de arroz, a nível de estado e no país (Brasil em 2008: 31 mil contratos e em 2011: 19 mil contratos; RS em 2008: 13 mil contratos e em 2011: 9 mil contratos) resultando na exclusão de milhares de produtores do acesso ao crédito oficial e a necessidade de prorrogações de vencimentos, renegociações etc…

O maior problema dos arrozeiros gaúchos é a falta de garantia de renda na atividade. O setor não possui um mecanismo de comercialização oficial que funcione de maneira a garantir que o valor de venda da produção agrícola cubra os custos e ainda gere renda ao produtor para reinvestir em sua lavoura e sobreviver. Hoje sobram recursos, pela falta capacidade de pagamento, limite de crédito e risco agravado dos produtores. Quando existem, demoram até chegar ao produtor e, quando chegam, boa parte fica pelo caminho com a indústria, bancos ou outros agentes de mercado. E o próprio governo subestima os custos de produção ao estabelecer um preço mínimo de R$ 25,80, fora da realidade arrozeira. Por isso, tão urgente quanto o refinanciamento das dívidas arrozeiras, que o governo federal providencia, é dar condições de acesso ao crédito rural aos orizicultores e a criação de um seguro agrícola que cubra perdas de produção e de preços (ou renda). Medidas estas que dependem do governo federal e são reivindicadas pelo setor há décadas.

COMPETITIVIDADE
Por conta da alta carga tributária e outros problemas estruturais, o arroz brasileiro enfrenta uma grave falta de competitividade, mesmo no mercado doméstico, frente ao arroz do Mercosul. As chamadas “assimetrias”, que geram situações que seriam cômicas, não fossem trágicas, como o fato de máquinas e implementos produzidos no Brasil serem vendidos com preços até 40% inferiores ao do mercado interno para os produtores concorrentes dos países vizinhos. Também perdemos a chance de acessar aos mercados internacionais com maior eficácia, porque há países que subsidiam direta ou indiretamente a sua produção. Casos evidentes, como o dos Estados Unidos e países asiáticos, ou indiretos, caso do Mercosul, que adota mecanismos no qual as indústrias e produtores recebem de volta parte dos tributos (inferiores aos do Brasil) pagos no processo produtivo.

Desta maneira, torna-se prioritário ao Brasil e ao Estado do Rio Grande do Sul, desonerarem insumos, máquinas, equipamentos, produção e exportação. Internamente, é preciso estabelecer um sistema isonômico para o ICMS, como forma de acabar com a “Guerra Fiscal”, que gera situações nas quais é mais barato para um Estado do Nordeste brasileiro comprar arroz na Argentina ou no Uruguai do que no Rio Grande do Sul ou em Santa Catarina. Fora da porteira, cabe ao arrozeiro reivindicar e ser proativo em suas ações, por meio das entidades organizadas. A situação só não está pior graças ao apoio de duas importantes figuras políticas, o Governador do Estado, Tarso Genro que reverteu a crise de preços em 2011 ao extrair as medidas necessárias do Governo Federal e o Ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho, que chega ao ministério dando prioridade e atenção ao setor, ao atender pleitos importantes em 2012 dando suporte e segurança ao mercado, ambos comprometidos em buscar a solução para o passivo do setor na presente safra entre outras demandas.
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É desta forma, politicamente, mas com embasamento técnico, que acreditamos ser possível superar os obstáculos que garantam não apenas a competitividade do arroz brasileiro nos mercados doméstico e internacional, mas a renda ao setor de produção para garantir a segurança alimentar brasileira e o abastecimento dos Países demandantes de arroz. Desta forma, julgamos que é fundamental que os governos estadual e federal criem condições para a participação direta do produtor nas exportações, que são atualmente intermediadas por tradings ou realizadas diretamente por indústrias de grande e médio porte. Também é necessário que os governos estipulem uma regra clara de classificação para a comercialização do arroz no mercado gaúcho (e brasileiro) que impeçam a formação de cartéis de determinados setores para estipular padrões não condizentes com a produção gaúcha e retirar ainda mais renda do produtor.

CONTROLE
Para os produtores, de uma maneira geral, é preciso a intervenção do governo federal para evitar a elevação dos custos de produção. Os produtores convivem com oligopólios e monopólios que ditam os preços (óleo diesel, fertilizantes, mão de obra, químicos, etc…). Além disso, há o aumento de custos relativos às exigências ambientais, legislação para armazenagem, certificação de armazéns (NR 33), para agrotóxicos (NR 31), entre outras. Às vezes a impressão que se tem é a de que as regras são criadas sem qualquer análise de viabilidade econômica para os produtores, que é onde “estoura o rojão”. Mas, esta visão está distorcida. O custo do produtor volta para a sociedade, seja no valor do produto, seja na inviabilização da atividade e os danos sociais, econômicos e ambientais que isso gera nos municípios. Vale lembrar, que a Metade Sul gaúcha depende basicamente da economia do arroz e da pecuária para sua sobrevivência. Entre as nefastas consequências desta dura realidade está o aumento do êxodo rural no Brasil. Um dado da ONU explica porque os países desenvolvidos subsidiam a agricultura e os produtores para permanecerem no campo produzindo alimentos, pois segundo a instituição o custo de uma família no campo para os governos é de US$ 2.800,00 mês, enquanto que na cidade é de US$ 8.000,00 mês.

É também importante que o governo federal estabeleça políticas claras na busca pelo controle e equilíbrio da produção de acordo com o consumo, exportações e importação, de forma a não gerar excedentes, resultando em preços mais rentáveis. Para tanto se deve buscar políticas para os excedentes de produção, usos alternativos, seja na culinária, para ração animal, etanol de arroz, ou outros fins. Precisamos aumentar o consumo nacional e reduzir excedentes e estoques, mas isso passa por uma campanha nacional que depende não só do governo, mas do conjunto da cadeia produtiva. E mais do que uma questão econômica, é uma questão de saúde pública. Está provado que é mais saudável comer um prato de arroz e feijão, preferencialmente com uma porção de proteína (carne, ovos ou queijo) e verduras e legumes, do que qualquer fast-food.

O grande desafio dos arrozeiros é buscar renda superando todos estes obstáculos, imprimindo cada vez mais gestão, eficiência, tecnologia, empreendedorismo e diversificação da sua atividade, pois esta é nossa missão e vocação. Mas, para isso, também é preciso sensibilizar os governantes, em todos os níveis, pois as medidas implementadas sempre são emergenciais, paliativas e de pouca duração, é preciso agir na raiz e nas causas dos problemas da Cadeia Produtiva do Arroz Brasileira. Nos últimos 30 anos centenas de trabalhos já foram realizados identificando repetidamente todos os gargalos do setor, o mais recente foi o da CPI do Arroz da Assembleia Legislativa, concluído há 90 dias, porque não aproveitá-lo e salvar a centenária Lavoura Arrozeira, importante para o desenvolvimento social, econômico do nosso estado e fundamental para a segurança alimentar do Brasil!

*Presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz/RS)

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