Fenarroz: mudanças necessárias
Autoria: Cleiton Evandro dos Santos.
Nos últimos dias, muito se falou em promover mudanças no formato, na executiva e no perfil da Feira Nacional do Arroz (Fenarroz). Acabei entrando na discussão por dois motivos: trabalho na cadeia produtiva há 25 anos, seja como editor das revistas Planeta Arroz (Grupo Vieira da Cunha), Lavoura Arrozeira (Irga) ou como um dos responsáveis pela publicação do Anuário Brasileiro do Arroz (Editora Gazeta) e assessor da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).
A outra razão é simples: sou cachoeirense. Segurei bandeirinhas na Conde de Porto Alegre quando João Batista Figueiredo fez a abertura de uma das edições da feira. Naquele momento, 40 anos atrás, a Fenarroz era o grande evento do setor no país. Com o tempo, Cachoeira do Sul perdeu importância econômica e política. Alguns culpam o arroz pela estagnação, outros – feito eu – percebem que sem ele seria ainda pior.
O certo é que, com o tempo, Cachoeira encontrou outras formas de alavancar sua economia: soja, milho, trigo, ovinos, bovinos, oliveiras, nozes, mel, entre outros, surgiram. Perdemos em capacidade de beneficiar arroz, agregamos a capacidade de beneficiar soja e outros produtos. Empresas históricas se fortaleceram, outras definharam.
A Fenarroz manteve-se igual. O parque, desde a visita de Figueiredo, é igual. Quando digo que a filosofia de organização da Fenarroz lembra uma quermesse não é para “fazer pouco” do trabalho das pessoas que admiro por abnegadas, esforçadas, mas pela impressão de que a executiva é formada por afinidade social, promovendo exclusão do agronegócio da executiva, que redunda em sua perda de foco como feira setorial. O demérito deste grupo foi, ao longo do tempo, não entender que precisava comprometer, inserir, abrir espaço aos dirigentes e entidades do agronegócio voltado ao arroz, mas também retratando a evolução regional.
Não é compreensível, por exemplo, a representatividade de seis clubes de serviço e apenas um integrante da cadeia orizícola na executiva da feira. Também por isso a Fenarroz não se reinventa, não atende os interesses do setor, é prisioneira de meia dúzia de grandes empresas expositoras – contenta-se com isso – e está “séculos-luz” atrás da Expoarroz, surgida há cinco anos em Pelotas, mas que foca no setor com profissionalismo e excelência. Vive-se a “fenarrozdependência” de verbas de deputados, Prefeitura, Estado, União e até empréstimo do presidente.
Não é a queda de Luís Silva que muda isso. Ele tocou o barco, e, tecnicamente, melhor do que encontrou. A executiva precisa assumir que desconhece os meandros, demandas e cenários da política setorial, buscar fortalecimento neste campo e promover a reconstrução do modelo, a começar pela representatividade dos setores na executiva. Até para diversificar as atrações da feira. Soja e milho, hoje, são aliados fundamentais do arroz na metade sul. Na feira passada, houve evolução técnica, pressionada pelo exemplo da Expoarroz. E lembro longa conversa sobre esse tema que tive com o César Gazzaneo, em Pelotas, meses antes de ele ser convidado a integrar a comissão organizadora.
O desafio da próxima executiva é maior. A Fenarroz necessita vencer um verdadeiro abismo, em termos de qualidade, para voltar a ser referencial. É preciso ter a ambição de não se fazer apenas mais uma Fenarroz, mas “a” Fenarroz. E em menos de um ano. É preciso uma diretriz também para médio prazo, é necessário planejar, viabilizar técnica e economicamente o evento, dar-lhe visibilidade, organização e atender a cadeia produtiva do arroz e do agronegócio regional. E neste aspecto, embora pessoalmente não concorde com reuniões às escondidas, a discussão puxada pelo prefeito Neiron Viegas, pela reinvenção da Fenarroz, é meritória e já devia ter sido encampada pelas entidades locais.
Antes de eleger nova executiva, seria de fundamental valor promover um fórum comunitário para discutir os rumos da Fenarroz. Não para a disputa de poder por grupos políticos sobre um evento deficitário, por aquela velha mania cachoeirense de viver do “status”, mas, para engajar e comprometer a comunidade, as entidades, os segmentos diversos do agronegócio. Para vitalizar uma feira que não precise vender edredom e algodão-doce para sobreviver. A Fenarroz é da cadeia produtiva. É de Cachoeira e de cada cachoeirense que tiver consciência do que ela representa social, econômica e politicamente.
* Jornalista especializado no agronegócio arroz