O Analista de Butiá (4)
Autoria: Nelson Mucenic*.
– Mas Chê, que preção que tá o arroz. Que loucura!
– Fala baxo, Pelego, porque senão no ano que vem vão plantá até as roça de mandioca
– Posé, bem que o preço podia baxar um poquinho, né?
– Tá maluco, Pelego? Dexa assim, só não espalha.
– É verdade. Mas te alembra aquele ano?
– Aquela safra que o arroz chegô a quarenta?
– E o Lula nem fez nada. Teve gente que lavô a égua.
– O governo não fez, mas devia ter feito. No outro ano a área aumentou demais.
– Se me alembro…e o preço despencou.
– Mas aí se não fosse o governo comprá tinha sobrado só os proprietário.
– Tirando meia dúzia, o resto tava quebrado.
– E aí, no ano seguinte, o governo botô dinheiro pra exportação.
– É, aliviô o nosso lado, mas quem ganhô foi o intermediário, as indústrias e as “treide”. O produtor só tirô parte do talo.
– Tá certo, mas o governo prorrogou as contas.
16 – Posé…E pro ano que vem, o que será que vai acontecer?
– Olha, se ficar ruim o governo tem que fazer alguma coisa.
– É. E se ficar muito bom demais o governo não pode deixar.
– E se ficar mais ou menos?
– Bom, se ficar mais ou menos e porque o governo é uma merda mesmo, atirô o Pelego, olhando pro Doutor analista que escutava tudo.
– Mas bah, Pelego, não me faz te pegar nojo! Isso é conversa de bêbado. É pior que discussão no feicebúque.
– Por que? Porque eu digo as cosas, eu luto pela classe?
– Não! É porque tu não diz cousa com lousa, fio duma…
– Que qué isso Doutor? O Sr. não sabe, mas plantar arroz tá difícil.
– Pára, Pelego. Vai voltar pra linha 16? Escuta só esse verso, som na gaita aí Adelare:
“ Engraçado como o vivente/Envolve sua mente/Em torno de suas cousas./De uma realidade diferente/Não diz cousa com lousa/Ao querer organizar o universo/Diz que o outro é o perverso./E ainda põe bossa/Melhor cuidar da roça ”
– Te arreda, Pelego!
Ideologias à parte, se a atividade não remunera, melhor providenciar mudanças. A lavoura só faz sentido quando gera lucro. Agricultura apenas como modo de vida, como poesia campestre ou filosofia equestre (ou equina, melhor dizendo), no mais das vezes é frustrante, decadente. Pior ainda quando se resume a um alimento básico, como no caso do arroz. Isso porque o mercado do arroz é sui generis e muito estranho. Muito diferente dos demais grãos.
Nenhum outro grão exibe tamanha diferença de cotação de mercado entre países. Tal é o caso, por exemplo, e neste momento, entre os dois maiores produtores e consumidores mundiais de arroz: enquanto a cotação na China é de U$21/sc, na Índia o preço se situa em U$12/sc. A propósito, os dois países são detentores dos maiores estoques de passagem do mundo. E a situação já persiste por dois anos consecutivos. Assim, enquanto a China assumiu o posto de maior importador, a Índia, por sua vez, atingiu a posição de maior exportador.
É sabido que o arroz é tratado como commodity política (eleitoreira) por lá. Portanto, não é por outra razão que os preços estão artificialmente alterados, embora em sentidos inversos. Ainda que com objetivo semelhante, ou seja, de prover segurança alimentar, as estratégias são opostas.
Até quando será possível manter esse artificialismo e de que lado está a virtude? Sabe-se lá, são situações anômalas.
Na China, os operadores privados compram arroz a baixo preço no exterior e vendem com um alto prêmio internamente. Isso começou em 2012 e foi empurrando o preço doméstico para o mais alto da história moderna: US$9,00/bushel contra US$4,67/bushel, em 2008. Bem a propósito: diferente do que estimam as estatísticas oficiais, as importações chinesas de arroz (considerando a entrada informal pelas fronteiras permeáveis) podem superar 4,0 milhões de toneladas no transcorrer deste ano.
A Índia, por sua vez, através de pesados subsídios, tem mantido um teto nos preços, fornecendo insumos e energia baratos para seus agricultores e água a um custo quase nulo. Indonésia e Filipinas buscam a autossuficiência (talvez inatingível), a despeito de uma população crescente, extensão limitada de terras e custos em elevação. Algo impossível, ou insustentável, quando se tem que conviver com a pressão de arroz barato das proximidades (Paquistão e Índia), embora também estes pratiquem uma política insustentável de preços e incentivem a produção de arroz de baixa qualidade. E os efeitos dessas atitudes se estendem além-fronteiras.
Vejam o caso da Tailândia, que era uma das nações de maior abertura no mercado agrícola mundial, com tradição milenar de livre comércio. Viu-se obrigada a sustentar um preço alto no mercado doméstico e segurar seus estoques (até que ponto?) para não inundar o mercado e derrubar os preços.
Algo lamentável e ainda sob ameaça.
Enfim, o que se observa é que, alegando promover a segurança alimentar e acesso ao alimento barato, no mais das vezes aqueles governos promovem políticas insustentáveis, ao contrário do que propalam. Não bastasse o alto custo financeiro, promovem inclusive a exaustão e a poluição dos recursos naturais, quando não a própria deterioração da riqueza (os estoques) produzida.
E nós, cá nesse outro extremo do mundo, aqui no Ocidente, no Mercosul, no Brasil: em que ponto estamos, o que queremos e o que podemos? E como faremos? Abre a gaita, gaiteiro!
*Engenheiro Agrônomo (Firstgrain)