Questão de sobrevivência
Sul busca resolver o nó tributário que reduz competitividade
Um conjunto de entidades da área do arroz apresentou ao governo do Rio Grande do Sul uma proposta de mudança tributária que, no seu entendimento, determinará a continuidade ou o apequenamento da cadeia orizícola. A proposta atenua os efeitos de alterações da política tributária nos principais estados consumidores do grão no Brasil, corroboradas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em lei federal que reduz a competitividade das indústrias sul-rio-grandenses e cria situação surreal de isenção ao arroz importado e pagamento de ICMS apenas pelos estados produtores do país.
Gaúchos e catarinenses produzem 81% do arroz brasileiro e recolhem entre 4% e 7% de ICMS sobre o grão enviado aos outros estados. Com a nova lei, competirão contra países do Mercosul que já têm vantagens competitivas e estados com incidência zero. A proposta levada ao Palácio Piratini foi denominada Termo de Opção e Acordo do Arroz (Topar) e substituirá o Termo de Acordo do Arroz (TDA), em vigência.
É de autoria da Federação das Cooperativas de Arroz do RS (Fearroz), Sindicato das Indústrias de Arroz do RS (Sindarroz-RS), Sindicato das Indústrias do Arroz de Pelotas (Sindapel), Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs), Federação da Agricultura e Pecuária do RS (Farsul) e Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS (FecoAgro). Em Santa Catarina, tramita proposta semelhante.
A base da proposta é um “copia e cola” da legislação do Paraná, pois o Confaz permitiu a adoção das normas tributárias e isenções de outros entes federativos da mesma região. O governo gaúcho estuda o assunto, pois teme abrir mão de receita. As entidades argumentam que sem mudanças e capacidade de competir, o Estado perderá pela desindustrialização, redução dos empregos e da área cultivada. Sem o ajuste, a diferença de preços entre o arroz gaúcho e o paraguaio, que hoje fica perto de 15%, poderá superar 25% em favor do país vizinho. Os paraguaios contam com vantagens competitivas na origem, como um custo de produção inferior a oito dólares pela diferença nas taxas de energia, mão de obra, terra e água. Não é a realidade do sul do Brasil.
MOVIMENTO
O movimento de benefícios fiscais ao arroz importado começou em Minas Gerais, mas espalhou-se para o Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e, agora, São Paulo. Alguns estados, além das isenções à cesta básica, deixaram de exigir contrapartidas em investimento local (polimento e empacotamento) e geração de empregos. Um supermercado fluminense, por exemplo, pode comprar arroz beneficiado com a sua marca no Mercosul com zero imposto estadual. É bom para o consumidor, mas tem um “porém”.
“Como não produzem arroz, não perdem nada em arrecadação, mas para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, esse ICMS representa muito. Então, sermos competitivos nestas condições é mais difícil”, explicou Tiago Sarmento Barata, diretor do Sindarroz-RS.
O peso dos impostos
O Rio Grande do Sul, atualmente, tem alíquota de 12% e redução da base para 7% para vendas de arroz ao sudeste. As demais regiões têm alíquota de ICMS de 7%, com redução da base a 4%. As indústrias e cooperativas de beneficiamento têm direito de se creditarem do ICMS incidente sobre o frete, energia, roletes e embalagens, que corresponde, em média, a 1,4%. A mudança, para a legislação do Paraná, seria a seguinte: para o sudeste (alíquota de 12%), as indústrias teriam direito ao crédito presumido de 11%, que resultaria em alíquota efetiva de 1%.
Para os demais Estados (ICMS de 7%), o crédito presumido seria de 6%, o que resultaria em uma alíquota efetiva de 1%. A contrapartida seria a manutenção das empresas, empregos e renda. As beneficiadoras, contudo, perdem direito aos créditos sobre frete, energia, roletes e embalagens. Além disso, as operações de arroz recolhem 1,5% de Funrural e R$ 0,77 de CDO, entre outras taxas.
O setor arrozeiro gaúcho tem cerca de nove mil produtores que plantam 960 mil hectares em 150 municípios, produzem de 7,5 a 8 milhões de toneladas por ano, dos quais 80% são processados por quase 300 empresas, que geram 12 mil empregos. Cerca de 4% do ICMS arrecadado no Estado é gerado nesse segmento. E 71% da produção brasileira é colhida no Rio Grande do Sul. Logo, ajustar a legislação para competir é uma questão de sobrevivência dessa cadeia produtiva.
PRODUTOR
Alexandre Velho, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), também se mostra preocupado com esse cenário. “Temos consciência do quanto isso pode tirar ainda mais competitividade da indústrias gaúchas, afetando também ao produtor, por iniciativa dos estados que não plantam arroz, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Analisando a situação, a Federarroz viu que não há como ficar de fora do pleito junto ao Estado, pois este é um daqueles casos que a cadeia produtiva inteira é prejudicada”, explicou Velho.
Fique de olho
O mais flexível dos benefícios fiscais concedidos aos estados centrais é o do Rio de Janeiro, que isenta o arroz importado, sem exigir em contrapartida a transformação no próprio estado, portanto, poderá adquirir o grão já beneficiado e embalado em marcas locais com vantagens tributárias. Nas demais unidades federativas, as isenções estão associadas a contrapartidas em operações industriais, como polimento e empacotamento. O governo fluminense também não reconhece os créditos presumidos das indústrias, o que não ocorre em outros estados da região.
Concorrência paraguaia
A maior concorrência tributária das 8 a 9 milhões de toneladas que o sul colhe anualmente vem do Paraguai, país onde o custo de produção é menor, conforme apontou estudo da Farsul. A lavoura paraguaia de arroz saltou de 40 mil para 160 mil hectares cultivados desde que Minas Gerais criou um programa de isenções em 2007/08 e São Paulo também adotou essa origem como opção. “Nosso estado está fazendo o que é necessário pela sua indústria e o seu consumidor, os outros que devem procurar fazer a parte deles”, resumiu o presidente do Sindarroz-MG, Jorge Tadeu Meireles, em reunião da Câmara Setorial do Arroz.
O país vizinho exporta cerca de 600 mil toneladas anuais para o Brasil. O volume corresponde a um mês do beneficiamento gaúcho, mas, segundo os empresários sulistas, entrando de 15% a 20% abaixo dos preços nacionais, já gera uma pressão baixista tanto para o mercado do beneficiado quanto, por consequência, para o arroz em casca. Se isso aumentar para 25% a 30%, inviabiliza parte da indústria do sul e favorece ainda mais o crescimento dos cultivos e processamento no restante do Mercosul.
Atualmente, Minas Gerais e São Paulo respondem por mais de 65% do arroz importado pelo Brasil. Enquanto isso, o Rio Grande do Sul apresenta nos últimos quatro anos nítida perda de arrecadação de ICMS com o arroz beneficiado. Reunidos estes dois estados, mais Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro, representam 77% da arrecadação do ICMS gaúcho com a comercialização de arroz branco e parboilizado. E a tendência é de queda com a nova legislação adotada no centro do país. Só Minas aumentou as compras no Paraguai de 75,1 mil toneladas em 2008 para 360 mil em 2021.
Como competir?
Penalizados tributariamente, os estados do sul terão problemas para concorrer com o arroz do Mercosul nos estados centrais do Brasil. Com o atual custo de produção, uma queda dos preços do arroz em casca tornaria inviável o negócio para o agricultor. Em preços do fim de janeiro, para competir com o arroz paraguaio no mercado de Minas Gerais, o máximo que a indústria gaúcha poderia pagar ao produtor seria R$ 51,50 por saca. Na época, a cotação média no Rio Grande do Sul andava em torno de R$ 65,00. O exemplo foi produzido pelas entidades setoriais gaúchas.
Lei do “copia e cola” para ser competitivo
A proposta da cadeia produtiva gaúcha para amenizar esse baque da isenção fiscal dos estados centrais é adotar a legislação tributária paranaense, que acaba, na prática, gerando alíquota de 1% para a venda a outros estados. A utilização do crédito fiscal presumido é uma opção facultativa do contribuinte, que precisará atender requisitos e firmar o acordo, se a proposta obtiver respaldo do governo gaúcho.
Para firmar o termo de acordo (Topar) no Rio Grande do Sul, se habilitarão empresas cujas saídas do arroz beneficiado sejam decorrentes de entradas de grão em casca adquirido no estado, de produtor ou outras empresas, que tenha sido, pelo optante, promovido o descasque e todo o processo de beneficiamento, exceto para produção do arroz parboilizado.
Mas não poderá utilizar o benefício do crédito presumido nas saídas internas de arroz beneficiado nem nas operações interestaduais dos excedentes de arroz em casca. “Neste caso, a proposta é de que as operações internas do beneficiado adotarão a base reduzida correspondente a cesta básica de alimentos, admitido o crédito fiscal de entradas proporcional às operações”, explicou Tiago Sarmento Barata, diretor-executivo do Sindarroz-RS.
Entre outras regras, ainda é necessário que pelo menos 80% da quantidade total de arroz em casca tenham sido adquiridos no estado no trimestre civil anterior ao mês de saída e a empresa não tenha importado mais do que o equivalente a 20% sobre o volume total de compras locais. A proporção é de um quilo beneficiado para 1,3kg em casca.
Também é exigido que as empresas não tenham adquirido ou recebido em retorno de industrialização por encomenda nos três meses anteriores ao mês da saída, arroz beneficiado em quantidade superior a 50% do total de escoamento do produto. “A alteração do TDA para o Topar deve ser exclusiva para empresas beneficiadoras e cooperativas de produtores, evitando, assim, o uso do termo como meio de triangulação por empresas de outros segmentos econômicos”, alertou Gilnei Soares, presidente da Fearroz.
Consequências da manutenção da atual condição tributária (ICMS) no RS
– Perda de condição competitiva no abastecimento dos principais mercados consumidores no Brasil e redução do share;
– Queda dos preços da matéria-prima;
– Desestímulo ao produtor (preço de venda inferior ao custo de produção) e consequente redução da área plantada. Mais endividamento;
– Aumento da exportação de arroz em casca e beneficiado (menor arrecadação estadual);
– Perda de qualidade do arroz gaúcho (desestímulo à produção de variedades nobres);
– Desindustrialização do Estado, saída de indústrias com a perda de competitividade frente aos demais estados (a indústria arrozeira é uma das raras que o Estado tem na área de grãos);
– Custo social (aumento do desemprego no setor)
– Abertura de filiais em outras UFs para importação direta do Paraguai, Argentina e Uruguai (desonerada de ICM’s,
Funrural e CDO)
– Importação direta do varejo do ES e RJ das Indústriasdo Paraguai, Argentina e Uruguai
FONTE: Fearroz, Sindarroz/RS, Sindapel, Federarroz, FecoAgro, Fiergs, Farsul.