A grande virada

 A grande virada

Colheita acima de oito toneladas por hectare passou a ser rotina dos produtores da zona sul

A zona sul passou de pior produtividade e preços à referência no país

 

(Por Álvaro Guimarães) Ao finalizar a colheita de 1907 na Granja do Cascalho, no interior de Pelotas, o coronel Pedro Luís Osório contabilizou 30 toneladas de arroz colhidos em 30 hectares. Osório não escondeu o desânimo com o fraco resultado daquela que é considerada uma das primeiras lavouras de arroz irrigado do Brasil, todavia, não desistiu do empreendimento, que acreditava representar um futuro promissor para uma região dependente da produção do charque, então pressionada pela chegada dos frigoríficos. Ao longo da primeira metade do século 20, o trabalho de Pedro Osório fundamentou a base da orizicultura gaúcha, ajudando a transformar o Rio Grande do Sul no principal produtor e exportador do país.

Contudo, na região palco de algumas das primeiras lavouras e engenhos, os produtores que seguiram os passos do visionário e empreendedor coronel penaram por décadas com a baixa produtividade, a invasão de plantas daninhas, os custos elevados e os preços baixos e, como consequência, viram o domínio sobre a produção de arroz migrar para outras áreas, menos tradicionais, mas mais eficientes. Porém, movidos pela mesma determinação que tornou Pedro Osório uma referência internacional na produção de arroz, os rizicultores da zona sul decidiram mudar a realidade da cadeia produtiva na região e, ao custo de muito trabalho, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e investimentos, consolidaram, quase um século depois, o sul do RS como uma referência em produtividade e qualidade.

As mudanças que transformaram a região naquela que detém a maior produtividade média do Rio Grande do Sul têm suas raízes mais profundas, na grande crise de 1995. Naquele ano, o preço do arroz não passou de seis dólares, enquanto os custos de produção bateram na casa dos 12 dólares. O resultado foi uma quebradeira geral no setor e que atingiu em cheio o sul do estado.

“A lavoura da zona sul se desenvolveu muito em cima de políticas governamentais com prazos longos e um sistema sem profissionalização e qualificação da produção, porque se trabalhava em cima de mecanismos governamentais de financiamento, e isso criou um sistema viciado. Até que em 1995 a coisa veio por terra e tivemos que nos reciclar”, explicou o produtor e consultor Jair Almeida.

A reciclagem a qual Almeida se refere, todavia, não foi um processo rápido e necessitou da combinação de uma série de fatores até se chegar aos resultados colhidos atualmente, como a produtividade de 9,3 ton/ha alcançada na safra 2020-2021 ou as 8,8 ton/ha da safra passada.

Fatores de mudança

Entre os fatores apontados como essenciais para a região conseguir essa virada histórica estão o Projeto 10, desenvolvido pelo Instituto Riograndense do Arroz (Irga), a tecnologia Clearfield (CL), as transferências de tecnologias possibilitadas pela Embrapa e a Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), a introdução da soja em sistema de rotação de culturas, as mudanças nos padrões de qualidade da indústria, investimentos pesados no pós-colheita e a abertura do mercado externo para o arroz brasileiro, seja beneficiado ou com casca.

“Abrimos a cabeça e aceitamos o que os pesquisadores estavam passando, porque a lavoura de arroz estava em risco e se falava em parar porque estava inviável, por causa da baixa produtividade, e, ao mesmo tempo, o pesquisador se aproximou das propriedades e enxergou aquilo que não se fazia nas estações de pesquisa, e isso acabou com a disputa entre pesquisadores e produtores, então, pudemos evoluir”, disse o produtor Fernando Reichsteiner, uma referência para o setor e descendente direto do coronel Pedro Osório.

Um dos principais reconhecimentos pelos resultados de excelência obtidos na região fica evidente na escolha de Capão do Leão para sediar, pela quinta vez, a Abertura Oficial da Colheita do Arroz.

O evento que acontece na sede da Estação Terras Baixas da Embrapa Clima Temperado celebra os arrozeiros como produtores multissafras, conceito que abarca a mudança de mentalidade que salvou a cultura mais tradicional das terras mais meridionais do Rio Grande.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter