A lavoura faz a sua parte
Produtores de arroz aprendem a preservar.
A lavoura de arroz irrigado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, responsável por quase dois terços da produção brasileira do cereal, está fazendo a sua parte na hora de buscar soluções e mecanismos que permitam reduzir o impacto ambiental e o uso dos recursos hídricos. Os centros de pesquisas desenvolvem sistemas mais eficientes de menor exigência de volume de água, ao mesmo tempo em que testam sua qualidade na saída das lavouras. Ainda assim, em função do fenômeno mundial de degradação ambiental e explosão demográfica, principalmente nas regiões metropolitanas, há alguns pontos de conflito entre o direito da lavoura e a demanda das cidades. “O produtor rural hoje é consciente do que representam os recursos hídricos em sua lavoura”, destaca o presidente da Câmara Setorial do Arroz, Francisco Schardong.
No Rio Grande do Sul, o ponto nevrálgico desta relação são as bacias dos rios Sinos e Gravataí, na zona metropolitana de Porto Alegre. O plantio das lavouras nas várzeas destes rios é crescentemente comprometido pela disputa de água entre a população urbana e os irrigantes. Para a safra atual, foi preciso que 100 arrozeiros, responsáveis pelo plantio de 2 mil hectares de arroz, assinassem um termo de ajustamento mediado pelo Ministério Público, comprometendo-se a desligar as bombas de irrigação sempre que estes rios estivessem abaixo do nível normal.
A medida foi tomada sempre que houve risco de abastecimento das cidades. Adequados à legislação e obedecendo ao acordo, os produtores evitaram autuações, multas e outras ações que poderiam gerar maior prejuízo. “A sociedade desconhece as modernas técnicas aplicadas nas lavouras para reduzir o impacto ambiental. É lamentável que um produtor de alimentos seja considerado um vilão”, reclamou Schardong.
Para o consultor de recursos hídricos da Farsul, Ivo Lessa Silveira Filho, atualmente há uma convivência pacífica entre os arrozeiros e as questões ambientais. Isso porque a lavoura de arroz “mostrou sua cara” quando foi chamada ao processo de licenciamento ambiental. A adesão aproximou-se de 100%, com cadastro de 1,036 milhão de hectares, contra os 1,043 milhão que teriam sido plantados segundo dados oficiais. “A lavoura assumiu sua condição de consumidora e agora busca a garantia de seu direito de uso e quer demonstrar que não é uma atividade de alto impacto ambiental”, destaca Lessa.
Segundo ele, as áreas de conflito hoje existentes não são causadas pela orizicultura, mas decorrem do crescimento demográfico e desorganizado das cidades, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, onde os banhados, que são áreas de preservação permanentes (APPs), são invadidos. “Isso não só reduz o volume de água armazenado nos rios, como gera poluição pelo escoamento de esgotos sem tratamento e lixo”, frisa.
RESPOSTA – O consultor da Farsul ainda destaca que a lavoura causa impacto ambiental e seria um contra-senso negar. Explica, todavia, que também não se pode afirmar que se trata de uma atividade de alto impacto, pois a estariam mantendo no nível de outras atividades muito mais impactantes. “A atividade rural sabe dar a resposta a estes conflitos e está melhorando suas tecnologias no sentido de preservar e minimizar os danos provocados por suas ações, que já são muito menores do que aqueles ligados à atividade urbana”, destaca.
A relação de 100 produtores para um milhão de habitantes, na Grande Porto Alegre, é gritante, e os arrozeiros não são os vilões da história. Até porque sabem o impacto que os problemas ambientais geram na sua atividade e a importância de preservar os recursos hídricos.
Fique de olho
Um dos programas mais importantes para a orizicultura brasileira foi desenvolvido na década de 80: o Pró-várzeas. Tratava-se de um programa que financiava drenagem e adequação das várzeas ao aproveitamento econômico e produtivo. Segundo Ivo Lessa Silveira Filho, isso afetou diretamente o volume de água dos mananciais. “Perdeu-se em parte o efeito esponja que ocorre na várzea e nos banhados, que retém a água e vai liberando aos poucos para os mananciais”, frisa. Outro problema que o especialista identifica é a redução da mata ciliar em áreas de lavoura e por todo o curso do rio, principalmente nas áreas urbanas. “A mata ciliar evita processos erosivos e assoreamento dos rios. É preciso recuperá-las ou pelo menos permitir um processo de regeneração”, explica.
Quem polui mais
1o Falta de saneamento básico nas cidades
2o Dejetos industriais sem tratamento adequado
3o Interferência em APPs
4o Retirada de água para lavouras de arroz
O que a lavoura está fazendo
1o Adequar formas de produção – Minimizar desperdício
2o Sistematização de solo
3o Ciclos mais curtos
4o Racionalização de água
5o Reservando água em barragens de vários usos
6º Conscientizando-se que os erros do passado não podem ser repetidos
Acumular é preciso
Além de preservar os mananciais, os produtores de arroz precisam trabalhar fortemente na reservação de água, por meio da construção ou melhoramento da captação de barragens e açudes. “É uma operação lógica: tem que reservar água onde ela acumula, até para, se for o caso, contribuir com a normalização dos níveis dos rios. Só que isso interfere em áreas de preservação ambiental. E a solução é complexa”, informa o consultor em recursos hídricos da Farsul, Ivo Lessa Silveira Filho. Todavia, é preciso encontrar uma forma legal de flexibilizar o aproveitamento. “O lógico é que, dentro de determinadas regras, se faz necessário acumular água no inverno para o verão, até pelo histórico do estado, que mostra uma redução nos volumes de chuva nos últimos anos”, destacou.
Uma solução para o problema de reservação de água no Rio Grande do Sul pode ser a flexibilização da lei ambiental com a atividade rural. Bastaria alterar o texto da lei de atividade rural para produção de alimentos (no caso do arroz que é o principal componente da cesta básica brasileira), porque se enquadraria na lei como atividade de interesse social ou utilidade pública. Isso permitiria, com responsabilidade, a execução de obras de reservação de água em APPs. Para isso, bastaria o Governo Estadual formalizar posição de que é do interesse público reservar água para a produção de alimentos e outros usos.
As obrigações do produtor
Quatro são as obrigações fundamentais do produtor irrigante: o licenciamento ambiental é uma obrigação legal para a lavoura, financiada ou não. Dentro deste processo, tem que cumprir a legislação, que é bastante exigente em termos de preservação dos cursos de água, APPs, entre outros. O respeito à legislação para o uso de agrotóxicos é muito importante. O produtor precisa estar atento ao uso e descarga de embalagens, lavagem de máquinas agrícolas etc. A outorga de uso também é vital para a atividade. Ela garante ao produtor o direito, em condições normais, de uso da água. Mesmo as de barragens e açudes. E a quarta obrigação do irrigante é o conhecimento da legislação ambiental. “Hoje, o arrozeiro não pode dizer ´não sei`. O órgão ambiental não aceita esta resposta e ele irá arcar com as conseqüências. Saber e cumprir a lei é a maior das obrigações do produtor”, frisa Ivo Lessa da Silveira Filho, consultor da Farsul. A legislação parece ser “contra” o produtor, mas com conhecimento é possível se adequar.
Sem outorga, não há garantias
A legislação que determina a outorga da água é uma novidade de difícil compreensão para os arrozeiros irrigantes. É difícil entender que a água reservada em uma barragem ou açude que ele mesmo construiu, não lhe pertence. “O produtor tem que ter em mente que a outorga é o direito de uso da água em condições normais. Ele pode ter uma outorga no Rio Gravataí, mas se por uma condição anormal de abastecimento precisar desligar as bombas de irrigação, não será indenizado, por exemplo”, explica Ivo Lessa da Silveira Filho.
Isso ocorre porque a Constituição Federal, promulgada em 1988, determina que a água é um bem público. A outorga apenas regulamenta o uso.
A dificuldade do produtor é entender que o subsolo é da União, o solo é do produtor e a água é da União, mesmo que o arrozeiro tenha construído a barragem. “O agricultor tem uma obra civil: a barragem, e tem que obter a outorga mesmo desse manancial”, frisa o consultor. E para isso terá o custo do projeto, pois o Departamento de Recursos Hídricos emite autorização de outorga sem custos. Mesmo com a autorização, o produtor não terá a garantia de uso da água. Em caso excepcional, o recurso natural poderá ser requisitado para abastecimento de mananciais.
Fique de olho
A discussão sobre outorga, licenciamento e legislação ambiental está sendo levada para o interior do Rio Grande do Sul em eventos programados pela Farsul e o Ministério Público gaúcho.
QUANTO CUSTA
Uma lavoura de 50 hectares, que é a média do Rio Grande do Sul, investiria hoje R$ 527,00 para renovar o licenciamento ambiental, considerando o projeto com ART. Um processo novo (não beneficiado pela isenção de 75% concedida pela Fepam em safras passadas), entre licença prévia, licença de instalação e licença de operação, mais custo de projeto técnico para licenciamento e outorga, ficaria em torno de R$ 4 mil.
Burocracia e custo são entraves
O presidente da Câmara Setorial do Arroz, Francisco Schardong, saudou o lançamento de um programa de irrigação do Governo do Rio Grande do Sul. “Sem dúvida, vem ao encontro da agricultura moderna e desenvolvida que tanto buscamos”, afirmou. Segundo ele, porém, existem alguns entraves para a execução do grande projeto. “Convém salientar que existe um fator limitante nos projetos de irrigação, que é o licenciamento”, avisou.
Segundo o dirigente, se for aberta uma linha de crédito para fazer o licenciamento, grande parte dos agricultores não irá considerar a possibilidade. “Para uma lavoura de mil hectares, o custo é de R$ 23 mil”, explica.
Para Schardong, é preciso desburocratizar e agilizar os processos de licenciamento para irrigação, pois há centenas deles à espera de solução nas gavetas da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), inclusive do atual secretário estadual de Irrigação, Rogério Porto. “A Secretaria Estadual do Meio Ambiente não tem condições de atender a atual demanda e, com o aumento de projetos decorrentes do programa estadual, a situação tende a se agravar. Isso não é uma crítica aos técnicos da secretaria, mas o reconhecimento de que o orçamento da Fepam é, no mínimo, razoável e que deveria ser investido no seu aparelhamento para atender a demanda presente e futura”, explica. O dinheiro das taxas cai no Caixa Único do Estado.
Recomendações
Para evitar surpresas, o produtor deve ler com atenção as resoluções 036/2003 e 100/2005 do Conselho Estadual de Meio Ambiente. Esses documentos formam o termo de conduta ambiental que ele aderiu na renovação do licenciamento. Os termos podem ser encontrados no site da Fepam: www.fepam.rs.gov.br.
MP atento ao uso da água na irrigação
O Ministério Público do Rio Grande do Sul está atento à questão da utilização de água para irrigação das lavouras de arroz. Representantes da instituição têm acompanhado as reuniões dos comitês das bacias hidrográficas gaúchas, quando se discutem assuntos como a interrupção no bombeamento pelos produtores em casos de risco ao fornecimento para cidades, cumprindo portaria do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
O MP, em conjunto com entidades como a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e o Instituto Rio-grandense do Arroz (Irga), também tem promovido eventos abordando o uso da água na atividade produtiva primária, incluindo os aspectos jurídicos inerentes a esse aproveitamento. “O objetivo é a conscientização dos agricultores”, destaca o coordenador do Programa Estadual de Proteção aos Recursos Hídricos da instituição, Alexandre Sikinowski Saltz
O promotor acrescenta que o MP ainda está tratando, junto aos órgãos competentes, da fiscalização sobre a outorga para utilização da água de rios e arroios – que é uma exigência legal. “Quem não possui essa autorização expressa, precisa contar com açude para irrigar sua lavoura e evitar problemas futuros”, explica ele, assinalando que a única orientação que a instituição está passando aos produtores é a do seguimento da lei.