A orizicultura no Século 21

 A orizicultura no Século 21

 O setor arrozeiro gaúcho, no início dos anos 2000, dependia de intervenções governamentais e mecanismos lastreados nos preços mínimos que elevavam estoques públicos e a pressão destas disponibilidades em nova intervenção (de oferta) no mercado. Em muitas safras, os preços ficavam abaixo das referências oficiais e essa política era de vital importância. Esse cenário contribuiu para gerar um endividamento potencializado por planos econômicos anteriores, clima adverso, e a época foi marcada por importantes mobilizações de rizicultores.

Em 2004, a cadeia produtiva elencou a venda internacional como prioridade para equilibrar os preços internos. As exportações cresceram e colocaram o país entre os dez maiores players mundiais, com superávits que ajudam a neutralizar a pressão das cotações pela importação do Mercosul.

Nos últimos anos, ao incrementar as vendas externas de arroz em casca (Paddy), o cenário teve mais mudanças, como regionalização do mercado e impactos na formação dos preços internos. As operações alteraram o perfil de negócios e fortaleceram as praças mais próximas ao polo exportador, na Zona Sul, criando a opção de atender ao segmento industrial ou direcionar o grão para venda internacional.

O preço de paridade tornou-se referência ao mercado interno. Até julho de 2020, o exportado beirou 1,1 milhão de toneladas a mais de 100 países. Em junho, bateu recorde de 316 mil toneladas. Cenário favorecido por alta do dólar, pandemia e preços mundiais.

Outro aspecto relevante é a mudança no perfil do crédito agrícola. Segundo a Farsul, enquanto em 2010 o crédito oficial controlado representava 50% da demanda da lavoura, atualmente representa 20%. Cerca de 35% dos custos eram geridos com recursos próprios, participação que caiu para 10%.

O mais grave é que atualmente 65% das necessidades de crédito são atendidas por revendas e cooperativas (15%) e indústrias beneficiadoras (50%), criando dependência do arrozeiro ao comprador/financiador e impactando a formação do preço (arroz a depósito e financiado com vencimento na safra). Isso gera forte transferência de renda para outro da cadeia produtiva, e enfraquece o orizicultor.

O custo do crédito oficial e de bancos privados, com juros acima da taxa básica, e o dispêndio com acessórios e reciprocidades em operações de custeio e comercialização onera o tomador do crédito. E ainda tem a burocracia anual de um sistema que deveria dispor de crédito rotativo, ágil, que minimize custos cartoriais.

Custos de produção, em geral acima dos preços médios de venda, impactam a liquidez e a renda da atividade. Se mais de dois terços dos produtores são arrendatários e o desembolso com terra e água é elevado, a competitividade é ainda mais afetada. Parte do investimento é dolarizada e depende de setores oligopolizados.

Nas últimas 14 safras, houve prejuízos em nove, considerando médias de custo, produtividade e preços. Na última safra, diz o Irga, o custo produtivo alcançou R$ 10.000/ha ou R$ 60,00/50 kg. As altas do dólar e insumos podem frear a elevação ainda mais expressiva na área na próxima safra.

Outro aspecto relevante nos últimos 20 anos foi a ocorrência de fenômenos climáticos intensos, enxurradas e estiagens (como 2019/arroz e 2020/soja), que comprometeram as safras. O agricultor assume integralmente o risco e conta com regras de um seguro ultrapassado e inadequado à realidade, e dependente de improváveis soluções governamentais, que, em geral, não passam de promessas.

Tendências e desafios
O futuro da orizicultura passa pela profissionalização permanente do produtor/gestor rural; com dedicação ao controle de custos; uso adequado da tecnologia; voltar-se ao mercado; cautela nos investimentos, pois a imobilização contribui para o endividamento; racionalizar áreas com aptidão para altas produtividades e a gestão do negócio.

É importante rotacionar arroz com soja e/ou a pecuária buscando alternativas agronômicas e comerciais que vise ganhos de escala e rateio dos custos fixos, evitando a monocultura. É imprescindível estabelecer novo formato de parceria entre arrendatário e arrendador. Isso tem repercutido na redução de área plantada e no número de arrozeiros no estado.

É necessária e relevante a mudança no perfil de crédito e comercialização. A dependência de financiamento e a entrega de “arroz a depósito” na indústria é um modelo inviável e perverso. O arrozeiro fica refém, sem poder de barganha, e torna-se um cooperante do sistema.

A alternativa de criar cooperativas de produtores e parcerias para armazenagem e comercialização, inclusive em terceiros mercados, urge como estratégia, com bons exemplos. O investimento em armazenagem própria é outro caminho. Autonomia é um princípio básico para o sucesso comercial e financeiro.

A busca de mecanismos modernos de venda como derivativos, bolsa de mercadorias e mercado futuro, é urgente, pois a comercialização no setor é arcaica e de risco. Campanha de estímulo ao consumo do cereal e o uso de subprodutos tornam-se impreteríveis no mercado doméstico e na consolidação e alavancagem das exportações.

Na atual safra, o arrozeiro gaúcho superou dificuldades e alcançou média recorde (8.400 kg/ha), e mostrou o seu protagonismo. No cenário de pandemia, onde as palavras de ordem são segurança alimentar, o mundo continuará demandando alimentos e o agro mostrará a sua relevância, inclusive para a retomada econômica que o país necessita.

O produtor é primordial e indispensável, como também o seu reconhecimento e valorização pela sociedade, e a necessidade de renda e sustentabilidade para desenvolver esse papel vital da produção de alimentos para abastecer o Brasil e o mundo.

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