A primeira geração

 A primeira geração

Novas variedades: tolerância a herbicidas

Variedade da Bayer vai a audiência pública antes de ser liberada no país
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A primeira semente trans-gênica de arroz vai precisar enfrentar uma audiência pública antes de ser aprovada comercialmente no mercado brasileiro. A variedade tolerante ao herbicida glufosinato de amônia, desenvolvida pela Bayer Crop Science e que atende pelo nome de Liberty Link 62 – ou simplesmente LL -, está entre os sete processos de sementes que aguardam a análise da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para o ano de 2009. 

O médico bioquímico e presidente da CTNBio, Valter Colli, informa que a entidade não é obrigada por lei a fazer audiências públicas, mas decidiu promovê-las todas as vezes que um vegetal novo entra em discussão. “Em princípio marcamos para 17 de março de 2009, mas sua organização dependerá inclusive de encontrarmos um auditório com tamanho adequado. O formato será semelhante ao das anteriores que promovemos para milho e algodão, revezando-se pessoas que têm o que dizer, seja a favor, seja contra, pertencentes a quadros produtores, universidades, institutos de pesquisa, ONGs e evidentemente a empresa produtora da semente”, explica. 

A demora na liberação do arroz LL (a solicitação da Bayer foi protocolada em setembro de 2003) não deverá arrefecer a polêmica que tem envolvido as discussões sobre plantas geneticamente modificadas no país, a exemplo do que ocorreu com a soja, o milho e o algodão transgênicos. 

O assunto também deverá ser o foco dos debates e palestras agendados para a 19ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz, entre os dias 5 e 7 de março, na Estação Experimental do Irga, em Cachoeirinha (RS). A expectativa, no entanto, é que a semente transgênica ganhe a aprovação dos orizicultores, sobretudo no Rio Grande do Sul, face aos problemas enfrentados com o arroz vermelho nas últimas safras. 

O pesquisador do Irga, Sérgio Iraçu Gindri Lopes, vê de forma positiva a adoção do LL. “O único sistema de controle do arroz vermelho, que é o Clearfield, já apresenta deficiências severas. Temos observado cada vez mais áreas infectadas ou inviabilizadas pelas plantas daninhas. Então o LL chega no momento certo como uma nova alternativa para o produtor”, observa.

ALTERNATIVA – Na prática, conforme Gindri, a semente transgênica funcionaria como uma alternativa de rotação do sistema de cultivo de arroz (alternando o LL com o sistema Clearfield a cada safra) ou mesmo de culturas, como a soja transgênica, por exemplo. Esta alternância, segundo ele, é estratégica para a redução gradual do arroz vermelho, que cresce em progressão geométrica a cada safra. “No caso, a rotação com a soja transgênica é mais eficiente”, garante o pesquisador.

 

Vantagem ao produtor 

Federizzi: combate ao vermelhoPara o professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Luiz Carlos Federizzi, a chegada desta primeira geração de transgênicos encabeçada pelo LL trará vantagens unicamente para o produtor, que poderá alternar o mutagênico (Clearfield ou Puitá) com o transgênico (LL) para combater o arroz vermelho. “A segunda geração será mais importante, pois permitirá produzir com baixo custo, maior rendimento e menor impacto ambiental”, argumenta. 

De acordo com Federizzi, as pesquisas estão avançadas e deverão no futuro conduzir a variedades mais resistentes à seca e à brusone, além do arroz enriquecido com vitamina A, com maior teor de proteínas, entre outros benefícios ao consumidor. Por outro lado, destaca que neste momento a transgenia na orizicultura é mais um símbolo do que propriamente os benefícios à saúde humana ou um avanço em termos de produção ou produtividade. “Neste sentido, o maior impacto dos transgênicos no Brasil será na produção de frutas, feijão, trigo e remédios desenvolvidos a partir de plantas não-comestíveis, como o eucalipto”, avalia o professor da UFRGS.

 

DEPENDÊNCIA

Magalhães Jr: menor impacto ambientalO principal argumento a favor da transgenia na orizicultura, na avaliação do pesquisador e engenheiro agrônomo da área de melhoramento de arroz, Ariano de Magalhães Jr., da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS), é a dependência da lavoura de arroz no que diz respeito ao controle de invasoras. “Neste momento a grande vantagem é para o produtor, já que não há riscos de plantas resistentes ao herbicida”, reforça.
Outros pontos favoráveis, de acordo com o pesquisador da Embrapa, é que a adoção desta tecnologia não modifica o sistema de cultivo, os custos de produção permanecem os mesmos e a resistência ao herbicida ajuda a reduzir o número de aplicações e consequentemente o impacto ambiental. Ele lembra que a área com defensivos praticamente triplicou nesta safra.
Ariano Jr. acredita que não haverá resistência em relação ao arroz LL por parte dos produtores. “Muito pelo contrário. O orizicultor gaúcho é inovador, arrojado, bem-informado e busca soluções para seus problemas”, afirma.
Um exemplo, só que negativo, desse arrojo foi o ingresso da variedade mutagênica Puitá, também desenvolvida pela Bayer, antes mesmo de sua liberação comercial no Brasil. Em relação ao arroz transgênico, porém, a situação se apresenta de forma mais complexa, pois ainda não há como antecipar a reação dos consumidores. Para estes, aliás, a transgenia ainda permanece uma incógnita.

 

Polêmica à vista

Gindri: restrições do mercadoDa mesma maneira que a lavoura de arroz é dependente do controle de invasoras, o Brasil depende muito da tecnologia desenvolvida no exterior. “No caso dos transgênicos, por exemplo, as pesquisas estão nas mãos de multinacionais como a Bayer, a Basf e a Monsanto. Assim, quem não faz, compra”, diz o professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Luiz Carlos Federizzi. “Este tema precisa ser mais estudado no Brasil. O fluxo de informações sobre transgênicos no país é muito ruim e a discussão é muitas vezes limitada a aspectos ideológicos. É preciso acreditar mais nos cientistas brasileiros do que nas ONGs”, argumenta Federizzi.
Para o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Ariano de Magalhães Jr., a polêmica já foi superada com a soja transgênica. “Iniciei o trabalho com plantas geneticamente modificadas em 2000 e na época havia mais restrições. É bom lembrar que hoje 99% da soja produzida no RS é transgênica”, destaca.
Já o pesquisador do Irga, Sérgio Iraçu Gindri Lopes, vê algumas diferenças em relação a estas duas culturas: “A soja, ao contrário do arroz, não é consumida diretamente em larga escala. O arroz é alimento de uso direto, de consumo básico, então acredito que o impacto será mais negativo em relação ao que foi com a soja”. Gindri acredita que poderá haver restrições em relação ao produto no mercado externo na hora de exportar. “Também não sei se os engenhos vão comprar se houver restrições por parte do público”, observa.
De qualquer modo, as discussões em torno da introdução da transgenia na orizicultura brasileira estão apenas começando. Neste sentido, a 19ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz será um ótimo termômetro para avaliar a reação da cadeia produtiva em torno do assunto.

 

Lenha na fogueira

No dia 21 de janeiro deste ano a Comissão Europeia anunciou a nova lei de pesticidas, que impede a renovação da licença de mercado do agrotóxico glufosinato de amônio – usado nas culturas de algodão, milho e arroz transgênicos, dentre outras culturas – nos seus países membros. Outros 21 pesticidas também entraram na lista. A lei só vale para as futuras licenças de uso e suas renovações. 

Conforme foi divulgado pelo Greenpeace, a conclusão do corpo de cientistas consultados pela comissão é de que o glufosinato apresenta alto nível de toxicidade, considerado impróprio para uso em lavouras e para consumo humano, mesmo em quantidades mínimas. O glufosinato é produzido pela Bayer, que também desenvolve transgênicos resistentes a este tóxico. Um exemplo é o arroz Liberty Link 62, que no Brasil aguarda audiência pública antes de ser votado na CTNBio. 

A reportagem da Planeta Arroz perguntou ao médico bioquímico e presidente da CTNBio, Valter Colli, de que maneira esta decisão pode influenciar a aprovação do arroz LL no Brasil. Ele explica que o glufosinato é um homólogo biodegradável de aminoácido com baixa toxicidade, está registrado em mais de 80 países e há mais de 15 anos no Brasil. 

“O uso de glufosinato como herbicida está aprovado de forma universal. Mesmo a União Europeia afirma que esse herbicida pode ser usado de forma segura. Essa afirmação é consistente com os dados científicos que mostram que, como qualquer agroquímico, há certo grau de toxicidade, mas nesse caso ela é mais baixa do que a da maioria dos herbicidas e portanto o composto pode ser usado com segurança”, informa. 

“No entanto, é necessário enfatizar que a única preocupação de uma agência regulatória de organismos geneticamente modificados como a CTNBio é saber se o gene introduzido que quebra o glufosinato (gene PAT) é tóxico – o que não é – ou se os produtos de degradação do glufosinato são mais tóxicos do que o próprio glufosinato – o que não são – ou se as plantas tolerantes ao glufosinato se transformam em mato invasor – que não é o caso”, observa o médico. 

Cada um no seu quadrado – De acordo com Valter Colli, pela lei a CTNBio deve se pronunciar tão-somente sobre o evento transgênico e seus impactos no ambiente, nos animais e nos seres humanos. As licenças de uso de herbicidas e agrotóxicos são dadas pela Anvisa e pelo Ibama e o registro e fiscalização de uso são de responsabilidade do órgão regulatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 

“Por isso, de nada adiantará a CTNBio aprovar o evento transgênico se o herbicida não for liberado pelos órgãos apropriados. Lembro também que a CTNBio não aprova o plantio, apenas procede a uma análise de risco. O órgão que autoriza o plantio é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que faz o registro das sementes. Portanto, os boatos a respeito do glufosinato não devem contaminar a discussão sobre o arroz transgênico”, avalia o presidente da entidade.

 

Alimento do futuro

Arroz dourado: transgênicoa serviço da vida As variedades transgênicas de arroz, nesta primeira fase de introdução no Brasil, visam apenas atender demandas agronômicas e fitossanitárias, como o combate às ervas daninhas e insetos. Num segundo momento devem surgir as variedades tolerantes à seca, ao frio, às oscilações de temperatura e até à salinização, problema sério nas lavouras irrigadas com água da Lagoa dos Patos, no RS.

No entanto, é consenso entre os cientistas que no médio prazo a introdução de genes transformará o arroz (além de outros grãos e alimentos diversos) em potente instrumento de prevenção e tratamento de doenças, bem como para suprir deficiências nutricionais específicas. É o que está acontecendo com projetos como o Arroz Dourado (Golden Rice) e o Harvest Plus.

O arroz dourado é um produto transgênico enriquecido com pró-vitamina A (betacaroteno), destinado à alimentação no sudoeste da Ásia, onde centenas de crianças sofrem de diarreias e morrem de cegueira por falta desta vitamina e outros nutrientes vitais. Só na Índia seriam 40 mil pessoas mortas por ano por falta destes nutrientes e de fome. Infelizmente, o lento processo de regulamentação do plantio e uso de transgênicos nestes países ainda impede seu uso em escala comercial. Já o programa Harvest Plus inclui o arroz, mas procura desenvolver tecnologias e difundir produtos biofortificados (com organismos GMs ou não) que já façam parte da dieta de populações pobres, como é o caso da mandioca no Norte e Nordeste brasileiros, a batata e o próprio arroz na Ásia. No Brasil a Embrapa faz parte do projeto.

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