A produtividade do arroz irrigado no Rio Grande do Sul
Um reflexo da evolução do manejo e do uso de cultivares com alto potencial produtivo
(Por Manuel Henrique Fuchi Affonso, Tecnólogo em Processos Gerenciais e técnico do Irga)
A região Sul do Brasil é responsável por mais de 83% da produção brasileira de arroz, ocupando ao redor de 66% da área nacional e o Rio Grande do Sul é o estado que mais produz este cereal, chegando a mais de 73% da produção brasileira (CONAB, 2021).
O arroz é um dos insumos da cesta básica do brasileiro e, também, de grande importância mundial, pois o seu poder nutricional é muito importante para a saúde humana.
Na sua trajetória de mais de 81 anos, o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) vem desenvolvendo novas cultivares, que são de alto potencial produtivo, com resistência à brusone e de qualidade de grãos, bem como tecnologias para que os produtores de arroz alcancem esse potencial, por meio de um manejo eficiente e eficaz em suas lavouras. Assim, os objetivos deste artigo são: demonstrar que com as práticas de manejo adequadas, há evolução na produtividade das lavouras arrozeiras na Zona Sul e no RS e avaliar o uso da genética Irga ao longo de um período específico, de 2005/2006 a 2020/2021.
Conforme Menezes (2001), foram diagnosticados dois aspectos importantes: primeiro, que o potencial produtivo das cultivares existentes não era limitante para o aumento de produtividade e segundo, que as práticas agronômicas já eram disponíveis e que precisavam ser organizadas dentro de um processo produtivo para então serem transferidas aos produtores. Para isso, foram e são desenvolvidos alguns projetos, de geração e transferência de tecnologia.
Dentre eles, se destaca o Projeto 10: Estratégias para o aumento da produtividade e da sustentabilidade da lavoura de arroz irrigado no RS, iniciado na safra 2001/02 em Dom Pedrito-RS, que vem sendo utilizado, por mais de duas décadas, em todas as regiões orizícolas do RS. Trata-se de um trabalho conjunto do IRGA, integrando a pesquisa, a extensão e os produtores arrozeiros gaúchos. Essa integração é que tem sido primordial para a elevação da produtividade, ano após ano.
Ao final de cada safra os produtores, por meio do P-10, começaram a ter um feeling com um olhar no futuro e que se consolida a cada safra no estado. Criou-se, então, uma demanda para melhor transferir as técnicas do manejo para as pessoas que vivem o dia-a-dia da lavoura, que são os produtores e os colaboradores diretos.
Como decorrência do P-10, em 2005/2006, mais uma vez, técnicos da pesquisa e extensão integrados criaram o Treinamento de Mão de Obra Rural, com o título de Treinamento Para Alta Produtividade. Este trabalho veio como uma alavanca para o Projeto 10, quando os produtores vislumbraram que muito do que se fazia em relação ao manejo da lavoura era de forma inadequada e sentiram a necessidade de ampliar os conhecimentos daqueles que trabalham dentro das propriedades.
Como na lavoura de arroz os processos são dinâmicos, outros projetos vêm sendo desenvolvidos, sendo o mais recente, a implementação da rotação de culturas, algo que há muito se apregoava e que era considerado de alto risco. Este é mais um paradigma que está sendo mudado, pois a soja vem se destacando como uma cultura que tem se adaptado muito bem às terras baixas, trazendo rentabilidade e melhorando as condições de solo para o cultivo do arroz.
Em nova iniciativa do Irga, foi desenvolvido o Projeto Soja 6000: Manejo para alta produtividade em terras baixas e seus extensionistas têm incentivado seu cultivo em rotação com o arroz. A cada ano, nota-se um avanço nas áreas e no número de produtores que implantam a rotação em suas propriedades.
Outra melhoria para o uso mais racional das terras baixas tem sido a Integração Lavoura Pecuária – ILP, onde pastagens são semeadas como cobertura do solo tendo o gado como seu aliado nesta intensificação de uso, agregando renda e deixando de ser mais um paradigma. Desta forma, a lavoura de arroz a ser cultivada na próxima safra, convive com os animais caminhando sobre as taipas e a deformação do solo pelo casco já não é mais considerada como impedimento para a semeadura da próxima safra de arroz.
Mais recentemente, dois novos projetos estão sendo iniciados no Irga, um com relação ao manejo da água salina na irrigação do arroz em solos já salinizados ou não, e outro com referência à cultivar IRGA 424 RI em novo patamar de produtividade. Todas essas tecnologias, que estão sendo desenvolvidas e ampliadas, buscam diminuir o custo de produção da lavoura de arroz, que se torna cada vez menos viável pelos produtores e pelas instituições que os representam, como a Federarroz e a Farsul.
Todas essas iniciativas e projetos trouxeram aumento na produtividade média da lavoura de arroz no RS, somada com a genética IRGA, que, na nesta safra (2020/2021) foi utilizada em mais de 65% da área (Gráfico 1), principalmente com a cultivar IRGA 424 RI, aumentando ainda mais a necessidade dos produtores em capacitar e qualificar seus colaboradores para que esses, também, possam entender a maneira eficiente e eficaz de trabalharem os processos da lavoura.
Porém, nos últimos anos, o que se tem visto é que os empreendedores rurais, os arrozeiros, diminuiram a demanda por esses treinamentos e o Irga, com os seus técnicos extensionistas está sempre à disposição para ajudar nesse processo de qualificação da mão-de-obra nas lavouras arrozeiras gaúchas.
Avanços como nos itens do manejo: preparo antecipado, semeadura em outubro e irrigação até novembro, podem ser vistos no Gráfico 2. Incrementados com o maior uso de sementes da genética Irga, como se pode observar no Gráfico 1 e também, pelo avanço no uso de sementes certificadas, com mais de 55% da área semeada no RS, todas essas práticas vem contribuindo para o aumento da produtividade.
Mesmo assim, ainda existe um percentual muito significativo da área semeada com sementes comuns, que aumentam a infestação de plantas daninhas, principalmente de arroz-daninho e capim arroz, sendo este o maior gargalo enfrentado pelos orizicultores na atualidade. Também, o monitoramente de pragas e doenças é muito relevante, sendo esta práticas usada no intuito de diminuir o uso de fungicidas e inseticidas, dando maior sustentabilidade ao meio ambiente.
Por meio do Selo Ambiental o Irga incentiva o uso dessas práticas mais limpas e disponibiliza aos produtores o Manual de Boas Práticas Agrícolas. A qualidade da genética Irga claramente se manifesta tanto na produtividade como na área cultivada com arroz no RS (Gráfico 1).
Ela dominou no período de 2005 a 2009, quando houve evolução da produtividade, no período de 2010 a 2016, foi menos cultivada, onde nota-se uma estabilidade nas produtividades e a partir de 2017, voltou a alcançar domínio, com ênfase para os dois últimos anos, onde a cultivar IRGA 424 RI, de alto potencial produtivo, passou a ocupar uma expressiva área em todas as regiões orizícolas, resultando em um aumento das produtividades, chegando numa produtividade histórica nesta safra 2020/2021.
Gráfico 1. Percentual de participação de cultivares de arroz irrigado do Irga no estado do RS ao longo do período 2005/06 a 2020/21. Fonte: IRGA/Dater
Os técnicos orizícolas dos NATE’s da Zona Sul estabeleceram como meta para a safra 2020/21 concentrar esforços em três práticas fundamentais de manejo: preparo antecipado, semeadura em outubro e irrigação em novembro (Gráfico 2). O resultado médio na Região foi que 78% das áreas fizeram preparo antecipado, variando de 64 a 88% entre os NATE’s/municípios; em 97,2% com semeadura em outubro, variando de 92,0 a 99,6%; e 75% com irrigação em novembro, variando de 72 a 82%.
Verifica-se, portanto, o grande êxito dessa proposta, que teve como resultado o recorde de produtividade na região, que foi de 9.325 kg/ha.
Gráfico 2. Percentual da área de arroz irrigado com preparo antecipado, com semeadura até outubro e irrigação até novembro, em cinco NATE’s, com 12 municípios produtores da Zona Sul do estado do RS, na safra 2020/21. Fonte: CRZS/Nate’s
O reflexo de todo trabalho que vem sendo desenvolvido pelo IRGA e também por outras instituições, como a EMBRAPA e as Universidades, está expressado nesta última safra (2020/21), em que a lavoura orizícola gaúcha obteve uma produtividade média de 9.010 kg/ha que, dentro do acompanhamento histórico, é a maior média já alcançada.
Há potencial genético e de manejo que ainda precisam ser trabalhados e alcançados e com isto, obter produtividades ainda maiores nas próximas safras.
Porém, um entrave bastante importante, é o atual custo de produção, que deixa os produtores atônitos, pois segue sempre uma linha crescente e nunca decrescente. Isto tem levado inúmeros produtores ao endividamento e até saírem da atividade de produção e irem se empregar em empreendimentos maiores ou irem para as cidades, para manterem a subsistência de suas famílias. Trata-se de algo muito fora da compreensão, pois quando a moeda americana sobe de valor, aumenta o custo dos insumos, mas quando ocorre o inverso os preços não baixam. Mesmo assim, o produtor de arroz segue trabalhando sem alcançar lucro e renda. A alternativa que resta é buscar outros caminhos com menor custo de produção.
Há 40 anos, um produtor que colhesse 100 sacos de arroz por hectare, estava com sua sacola cheia de dinheiro e hoje os produtores dobraram a colheita e a sacola está vazia. É algo fora do nosso entendimento!
Está se caminhando para alcançar colheitas acima de 200 sacos por hectare, em média, mas quando será que o custo de produção estagnará para que haja divisão de renda e todos entrem no ganha-ganha, tão falado pelos economistas e administradores da atualidade? Este custo de produção também é reflexo da produtividade, mas que não traz benefício para aqueles que trabalham e investem a céu aberto.
Como conclusão, ficam duas ponderações: a primeira é para aqueles produtores que têm maior capacidade financeira e resiliência – é possível diminuir a área de arroz e entrar com rotação de culturas, podendo ser soja, milho e pastagens e também usarem a ILP, buscando assim um equilíbrio para alcançar lucro e renda, usando outros caminhos, com menor custo de produção. A segunda é que o reflexo da evolução do manejo da cultura do arroz, mesmo nesse capitalismo escravizante, precisará dar lugar a um capitalismo mais humano, a fim de que se chegue a um patamar, onde todos venham a ganhar e, assim, alcancem juntos o potencial de evolução do segmento arroz, ganhando em produtividade, rentabilidade e sustentabilidade, em toda a cadeia orizícola.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MENEZES, Valmir Gaedke, et al. Projeto 10 – estratégias de manejo para aumento da produtividade e da sustentabilidade da lavoura de arroz irrigado do RS: avanços e novos desafios. Cachoeirinha, 2012.
CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos, Brasília, DF, v. 8, safra 2020/21, n. 9, nono levantamento, junho. 2021.
Instituto Rio Grandense do Arroz. www.irga.rs.gov.br. Porto Alegre, 2021