A semente da discórdia

 A semente da discórdia

Sob suspeita: o peso da resistência

Irga 424 e sua versão RI
são ótimas na lavoura,
mas a indústria vê defeitos
.

 A cultivar Irga 424, também em sua versão resistente a herbicidas do grupo das imidazolinonas (RI), surgiu como redenção para um dos grandes problemas da lavoura orizícola gaúcha nas últimas safras: o avanço da brusone. Essa doença, provocada por fungos, gerou perdas substanciais e aumento vertiginoso do uso de fungicidas e, por consequência, dos custos de produção entre 2011/12 e 2015/16. Resistente ao fungo, na temporada 2016/17 o uso em larga escala do material genético gaúcho conseguiu ótimo resultado nas lavouras também em produtividade e grãos inteiros. Porém, colocou a indústria e o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) em lados opostos, e o produtor no meio, por causa da qualidade final do grão e seu valor de mercado.

A variedade convencional e, principalmente, a versão RI foram determinantes para o Irga reassumir a liderança da comercialização de sementes no Rio Grande do Sul – abocanhando fatias em Santa Catarina, na Argentina e no Paraguai – por causa de suas qualidades agronômicas, capazes de competir neste aspecto com as até então líderes de cultivo Inta Puitá CL e Inta Guri CL com o diferencial de resistência a brusone. Porém, tornou-se a semente da discórdia ao chegar à indústria, que já vinha “vacinada” da safra passada quanto ao alto teor de gessados, centro branco (ou barriga branca) e barriguinha presentes na “424”.
Muitas empresas que financiam os agricultores com garantia de compra na safra estabeleceram nos contratos as variedades cultivadas e restringiram o seu plantio.

Isso porque entendem que em um alto percentual de grãos, a translucidez necessária ao arroz é interrompida por áreas opacas no endosperma, o que ocorre pelo arranjo entre os grânulos de amido e proteína e pode ter interferência genética e/ou do clima e/ou do manejo ou todas juntas. A característica não é bem-vinda pois encarece o processamento, exige menor velocidade e mais cuidados na seleção dos grãos, maior consumo de energia e gera um resíduo sem aproveitamento. Por critérios de qualidade, e normas legais, esse material precisa ser descartado e não pode entrar no pacote que vai para o supermercado e para a panela do consumidor, onde afetaria o padrão de cozimento.

Segundo o presidente do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Elio Coradini Filho, a polêmica da variedade tem duas razões: em primeiro lugar, a qualidade em si e os defeitos característicos dos grãos. Depois, o parâmetro superior determinado por outras variedades, inclusive do Irga. “O que a cadeia produtiva espera, e me refiro a produtores e indústria, é que os recursos recolhidos em CDO, que são altos, sejam aplicados na pesquisa e se tenha logo variedades com a produtividade e as características agronômicas da 424, mas com um padrão qualitativo condizente com o patamar ao qual chegou o arroz gaúcho”, resume. Segundo ele, os preços são determinados pelas características do mercado (oferta x demanda) e pela qualidade do produto a ser adquirido.

TOP MODEL
Para o consultor Luciano Carmona, do Fundo Latino Americano de Arroz Irrigado (Flar), a Irga 424 RI tem o único defeito que uma cultivar pode ter diante da realidade atual da lavoura gaúcha: “Produz um alto percentual de inteiros se bem manejada e é resistente a herbicida para ajudar a controlar o arroz vermelho e outros invasores e a brusone, que se tornou um problema sério. Um pouquinho mais de defeitos que uma ou outra variedade, a indústria consegue resolver com uma boa seleção do grão, etapa obrigatória e presente em qualquer empresa com máquinas altamente eficientes”, define. “É uma top model internacional, mas tem o pé 43. Quem quiser procurar um defeito, vê. Quem quiser ver qualidade, também. Mas não podemos esquecer que todas as demais variedades têm algum defeito e algumas vantagens, dependendo da condição de lavoura ou o objetivo da indústria”, acrescenta.


Fé no programa

Enquanto recebe críticas por alguns problemas com suas variedades e vê o dinheiro recolhido pela cadeia produtiva gaúcha sumir no caixa único do Estado, direcionado para suprir outras necessidades do governo em crise, o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) trabalha para maximizar os resultados na lavoura e produzir variedades que contemplem as necessidades dos agricultores e da indústria.

Rodrigo Schoenfeld, gerente da Estação Experimental do Arroz do Irga, explica que há um conjunto de estudos que aponta que a boa qualidade final (e rendimento de engenho) destas cultivares está associada também ao manejo. “Em geral, com o manejo que recomendamos registramos altas produtividades, alto rendimento de inteiros, bom controle de arroz vermelho e outras invasoras e, o que é um diferencial, estabilidade da resistência à brusone. Não foi por acaso que os arrozeiros do estado plantaram este volume destas variedades”, enfatiza.

Segundo Schoenfeld, o instituto trabalha para difundir essas técnicas através do Projeto 10+ e de centenas de dias de campo, roteiros e reuniões técnicas com grupos de produtores, além de eventos como a Abertura Oficial da Colheita do Arroz. “O nosso trabalho de extensão também está focado em tirar o máximo de qualidade dos grãos destas variedades, e temos bons resultados que podemos exemplificar”, resume.

O gerente da estação do arroz também anunciou que o programa de melhoramento genético da instituição estadual tem algumas cartas na manga e está prestes a lançar novas variedades. Seis materiais promissores já fizeram parte das vitrinas tecnológicas dos dias de campo e eventos. Essa foi uma maneira de indicar à cadeia produtiva que é só uma questão de tempo o lançamento comercial de um produto que atenda as exigências da lavoura, da indústria e do consumidor final.

São linhagens em teste, mas em fase avançada de estudos com foco na produtividade e na qualidade de grão. Entre elas está a linhagem FL 04489, de ciclo médio e produtividade que supera a Irga 424 (com potencial superior a 15 mil quilos por hectare). Além disso, vem apresentando resistência a brusone, terá o gene RI e vem apresentando qualidade de grãos similar à cultivar Irga 417, uma das variedades nobres do mercado brasileiro.

Em agosto, durante o Congresso Brasileiro do Arroz Irrigado 2017, em Gramado, na Serra Gaúcha, o Irga vai lançar em parceria com o Fundo Latino Americano de Arroz Irrigado (Flar) a cultivar Irga FL 431. Será a primeira resposta à demanda por maior qualidade de grãos das novas variedades mantendo resistência a brusone e alta produtividade.

Se correr o bicho pega…

 

Costa: muito fungicida

O rizicultor Jocemar da Costa, 46 anos, da localidade de Silêncio, em Restinga Sêca (RS), cultiva 60 hectares de arroz e nas três últimas temporadas semeou a variedade Puitá Inta CL, mas teve problemas com a brusone. “Não consegui mais controlar a doença esse ano, nem com três aplicações de fungicida. Me recomendaram trocar para as variedades Irga 426, Irga 424 e Irga 424 RI, mas com essa situação do preço a gente fica um pouco confuso”, revela. Ainda assim, argumenta que entre fevereiro e abril, na sua região, não houve muita diferença de preços. “Nosso custo ficou na faixa de R$ 44,00 por saca e estavam pagando de R$ 39,00 a R$ 40,00 tanto pela Puitá quanto pela 424”, reconhece. Ele ainda se questiona se em um mercado com preços melhores o rendimento maior e o custo menor com fungicidas da 424 RI não poderiam compensar eventual rebaixamento de preços da indústria.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter