Ainda resta esperança

Movido a tragédias, os preços do arroz também dependem de estratégias

Depois de chegar ao céu, com a saca de 50 quilos negociada por médias superiores a R$ 100,00 em 2020 e retornar ao purgatório com desvalorização única entre os grãos nos mercados nacional e internacional – até o piso de R$ 55,00 livres em algumas regiões no fim de 2021 –, a cadeia produtiva do arroz reúne suas esperanças para uma nova temporada de safra e comercialização. O cenário abriu o ano pouco favorável pelos altos custos de produção e, também, a estagnação do consumo, mas um pico de recuperação que elevou em algumas regiões – em especial a fronteira oeste gaúcha – até R$ 75,00 (50kg, casca) no início de fevereiro, aumentou as expectativas de preços remuneradores.

Os preços do arroz, ao longo da cadeia produtiva, têm sido movidos por tragédias. É preciso uma grande seca, muitas enchentes ou uma pandemia para mudar o seu perfil no Brasil e no mundo. No Brasil, a situação é mais evidente, em especial no sul, que representa 82% da produção nacional, porque há uma “bolha” de excedentes produtivos que se somam aos três países do Mercosul. Uruguai, Paraguai e Argentina exportam dois milhões de toneladas por ano. Um milhão para o mercado brasileiro. Equalizar essa entrada, a produção local e os estoques de passagem com o consumo e as vendas para o exterior é o desafio permanente da comercialização arrozeira. Só assim se obtém renda. É aí que a cadeia produtiva errou feio a estratégia de 2021 ao deixar de exportar meio milhão de toneladas entre US$ 16,00 e US$ 19,00.

Neste início de 2022, há um conjunto de razões para dar suporte a uma recuperação nos valores pagos ao rizicultor. Em primeiro lugar, o volume disponível é o mais baixo do ano e só há estoques significativos no Rio Grande do Sul. Com a operação padrão da Receita Federal em Foz do Iguaçu, o arroz paraguaio começou a atrasar, e muitas indústrias e varejistas do Brasil central foram buscar arroz no sul. Isso gerou disputa com tradings e indústrias locais. O varejo aceitou algum reajuste nas tabelas, e isso deu suporte à valorização.

A quebra gerada pela estiagem e temperaturas excessivamente altas em boa parte do RS, em especial fronteira oeste, depressão central e campanha, é fato. Embora sem ser possível dimensioná-la, há o efeito “psicológico”. Fala-se entre 7% e 10%, mas sobre uma temporada (2020/21) que alcançou recordes produtivos. A alta dos custos de produção – insumos reajustados pelo valor da soja e arroz vendido a preço de arroz – é outro fator que pressiona o agricultor a exigir melhore preços.

Em Santa Catarina, apenas as altas temperaturas e o salto dos custos serão fatores que poderão afetar a produtividade. É nítida a diferença de qualidade das lavouras do sul catarinense em relação ao norte gaúcho. No Tocantins, terceiro maior estado produtor de arroz do Brasil, as entidades setoriais apostam em uma perda não inferior a 20% por causa do excesso de chuvas e enchentes.

Com áreas muito planas e dificuldade de drenagem, algumas lavouras ficaram de 15 a 20 dias submersas e, neste caso, espera-se uma produtividade quase nula. Toda a região sofreu danos. O Mato Grosso, grande produtor de arroz de terras altas, reduziu área pela preferência de plantar soja e milho, mais valorizados.

Fique de olho

Desde 2020, a partir da pandemia e da antecipação das vendas – alguns estudos dizem que o consumo de arroz no Brasil não teve aumento considerável –, em muitos momentos, o mercado do arroz ficou sem referências. Quem observava os contratos futuros na Bolsa de Chicago identificava uma queda que acabou se concretizando também no Brasil. Para muitos produtores e corretores, apesar de difícil de concretizar, um dos caminhos para o país ter maior previsibilidade no mercado interno seria a criação do mecanismo de mercados futuros do arroz no Brasil.

 

Mais estratégia em busca de preços

Para se consolidar um cenário positivo para os preços do arroz ao longo da cadeia produtiva em 2022/23, é preciso uma conjunção de fatores que não precisa ser a “tempestade perfeita” de 2020, mas capaz de mudar o perfil que se esperava até o fim de 2021. Em primeiro lugar, é preciso que se confirme uma perda substancial da safra gaúcha, no Tocantins e no Mato Grosso. E no Mercosul. Mas também é necessário que o câmbio se mantenha favorável às exportações e a economia não seja contaminada pela política, afinal, é ano eleitoral, e comida barata é uma das plataformas permanentes dos candidatos.

Com um enxugamento da oferta e câmbio favorável, é preciso que o arrozeiro venda parte de sua colheita para o exterior, mesmo que empate com os custos de produção. “Vender 10% a 15% para exportação pode representar a valorização dos outros 85% a 90% no mercado interno”, explicou Marco Aurélio Marques Tavares, analista e produtor de arroz. Pelo cenário atual, espera-se que os preços aos arrozeiros no Brasil tenham um ano típico, isto é, preços mais baixos na safra e em recuperação até o fim do ano. Isso se for consolidada a expectativa de safra menor e exportações importantes. O Brasil precisa exportar cerca de 1,5 milhão de toneladas para buscar o equilíbrio de preços internos.

PORTFÓLIO

O portfólio de produtos da agropecuária gaúcha e catarinense vem mudando gradualmente com a entrada da soja, milho e pecuária no sistema de produção em rotação com o arroz. Além das vantagens agronômicas, existem vantagens econômicas neste modelo. Muitos produtores têm optado por comercializar soja, milho e boi na primeira metade do ano, contando com sua liquidez e bons preços. O arroz fica reservado para vendas pontuais e mais concentradas no segundo semestre. Em 2021, a estratégia não deu tão certo. O problema em 2022 não serão os preços, mas a disponibilidade. “Temos perdas que podem superar 50% a 60% no milho e na soja, e a pecuária também foi afetada pelos altos custos e a seca”, observou Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul. Isso, portanto, pode forçar uma oferta maior do arroz no primeiro semestre. Se ela acontecer, a torcida é para que seja com destino a outros países e em troca de dólares.

 

Fatores que definirão os preços em 2022/23
– Estabilidade econômica/ano eleitoral
– Câmbio x preços internos x preços externos
– Exportações x frete marítimo
– Relação entre oferta e demanda interna
– Dimensionamento das perdas no RS e TO e Mercosul
– Fluxo e volume de oferta
– Intenção de safra dos EUA

 

Fatores que dimensionarão a área plantada em 2022/23
– Custos de produção
– Disponibilidade de água
– Correlação com preços da soja e milho
– Necessidade de rotação
– Preços, perspectivas e renda gerados em 2022
FONTE: AgroDados/Planeta Arroz


COMO FICA O MERCADO DE ARROZ EM 2022/23

Embora um vírus microscópico possa mover o mundo, como vimos nos últimos dois anos e meio, e mudar qualquer previsão, algumas tendências podem ser consideradas para a evolução das relações comerciais do arroz, baseadas em cenários históricos e num conjunto de fatores que levam a algumas conclusões. São projeções que podem mudar de acordo com a alteração de alguns de seus fatores. Por isso, são tendências.

PRODUTOR
Depois de descobrir-se formador de preços em 2020, voltou a ser tomador de preços e ver o varejo ditar normas. Resiste quem conseguiu segurar algum produto, vender na alta (inclusive 2022, no repique da entressafra) e determinar preços em algumas operações, mas estes estão capitalizados e, em geral, não vivem apenas da atividade arrozeira. Por isso, e com as médias atuais, é fácil afirmar que se o clima ajudar, a área de soja e milho nas várzeas gaúchas e catarinenses deverá crescer em 2022/23. Se colherem bem, terão lucro, pois operam com custos controlados. Não é a realidade de todos.

INDÚSTRIA
Após entregar em 2021 o que recebeu de lucros em 2020, a indústria brasileira de arroz vive um momento complexo. Em 2021, manteve rotina de sempre comprar arroz em casca a preços altos e não conseguir repassar integralmente esse custo ao varejo no arroz beneficiado. Como trabalha com média, é mais importante vender o fardo a R$ 100,00 do que a R$ 85,00. A meta em 2022 é equilibrar as contas, ver o arroz valorizado para recuperar margens e superar desafios tributários e de frete marítimo para exportar.

VAREJO
Voltou a determinar preços e a ofertar arroz mais barato. Mas mostrou-se mais ávido por compras no início de 2022, pico da entressafra, dentro de uma conjuntura que reuniu a operação padrão da Receita Federal nas fronteiras, a volta de férias coletivas de indústrias, a baixa oferta fora do RS e a disputa com exportadores. Espera-se que continue pressionando por preços baixos para vender o arroz a preços atrativos e em busca para produtos ultraprocessados de maior valor agregado.

CONSUMIDOR
O consumidor se queixa, mas sabe que o arroz não é um vilão da inflação. Além de ser o produto mais barato da cesta básica, o arroz é também aquele que mais rende. Chegou a valorizar 65% em 2020, mas, gradativamente, perdeu preço e terminou 2022 apenas 20% acima das cotações médias na gôndola do supermercado sobre os preços de 2019.

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