Arroz na pressão

 Arroz na pressão

Luz: incertezas no ambiente econômico

Falta de recursos para o pré-custeio da lavoura amplia dependência de crédito oficial e de terceiros
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Nos últimos anos, os brasileiros se acostumaram a um cenário de relativa bonança. Os salários e a renda vinham subindo, os índices de desemprego batiam recordes históricos de baixa e o acesso ao crédito estava cada vez mais fácil.

Tudo isso, em grande parte, foi possível graças aos excelentes resultados obtidos pela agropecuária, que ao longo do período praticamente carregou nas costas o produto interno bruto (PIB) com taxas robustas de expansão.

Este quadro se mostra completamente diferente em 2015. O Brasil passa por um período de recessão econômica que já atinge de forma drástica vários setores, incluindo algumas cadeias importantes do agronegócio, como a do arroz.

Sem liberação de dinheiro para financiar a comercialização, o chamado pré-custeio da safra, com custos de produção em alta, preços em queda e mercado estagnado, os produtores acabaram ficando em situação financeira complicada e forçados a vender o que colheram imediatamente para conseguir fazer frente aos compromissos com os credores e fornecedores.

Para o diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Tiago Sarmento Barata, o grande gatilho das dificuldades comerciais que o setor está passando foi o fato de o governo federal ter “fechado a torneira’”, isto é, o acesso ao crédito.

“Isso escancarou a realidade de um produtor em grande dependência de crédito de terceiros, como bancos, indústrias e fornecedores de insumos. Sem financiamento, os produtores perderam o fôlego e a capacidade de pagamento”, avalia.

A recessão de acesso ao crédito, conforme Barata, não acontece só com o arroz. “O Brasil inteiro passa por um período de recessão econômica e isso impacta em todos os setores. Todas as cadeias do agronegócio estão passando por dificuldade, algumas mais, outras menos”, cita. Mas ele enfatiza que no caso dos produtores de arroz, o que agravou a situação é o fato dos custos de produção terem aumentado.

“Sem capital de giro e com custos mais altos, a alternativa encontrada foi ofertar o produto em um volume superior à capacidade do mercado. O mercado, por sua vez, teve que absorver um volume concentrado e superior ao que comportava, causando uma super oferta e, consequentemente ,a desvalorização dos preços”, compara.

O economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, observa que a ausência de pré-custeio é reflexo de um esgotamento de crédito geral na economia. “A incerteza em relação ao ambiente econômico, associada à inflação alta, levou muitas pessoas a retirar dinheiro dos bancos, inclusive das poupanças, que são as fontes de crédito rural. O produtor, sem fluxo de caixa, começou a vender mais arroz para cobrir os custos da lavoura, gerando uma queda nos preços”, argumenta.

Este tipo de situação, de acordo com o economista, evidencia a dependência do setor do crédito de terceiros. “A indústria adianta recursos na forma de insumos e o produtor garante o pagamento com a entrega do produto. No entanto, o preço só vai ser discutido lá na frente. Acontece o mesmo com a soja. A diferença é que a soja tem as vendas antecipadas.

No caso do arroz, a melhor solução seria fixar o preço, pelo menos no volume a ser comercializado para cobrir os custos da lavoura. Desta maneira, o produtor venderia uma quantidade X de arroz para pagar os custos, ficando com o restante da produção para especular no mercado”, diz Antônio da Luz.

 

Altos custos exigem mais recursos
O presidente da Federação das Associações de Arrozeiros (Federarroz), Henrique Dornelles, chama a atenção neste cenário de crise de preços do arroz para o fato de o cereal ser uma cultura de altos custos de produção, ou melhor, de desembolso.

“Por esta razão, haverá sempre a necessidade de complementos de recursos de terceiros, o que de maneira alguma desqualifica a cultura. Entretanto, na atual conjuntura de crescimento descontrolado desta variável, que é a dependência de crédito de terceiros, principalmente indústrias, o processo de comercialização com renda no campo vem sendo prejudicado”, considera.

Tiago Sarmento Barata, diretor comercial do Irga, reconhece que é com estes recursos de terceiros que o agricultor vem obtendo fôlego para prosseguir na atividade. “O dinheiro que ele tem é o produto que está colhendo e o recurso financeiro é o que lhe dá condição para diluir essa oferta. O produtor tem os compromissos todos concentrados na volta da safra.

Colheu, tem que pagar. Então ele obtém e utiliza estes recursos para pagar as dívidas e assim poder vender de forma escalonada. Não é que o produtor esteja endividado, hoje ele depende desses recursos para escalonar a venda. Sem isso ele precisa vender tudo de forma concentrada e por preço menor”, garante.

Dornelles avalia a questão como uma falha estrutural que precisa ser corrigida com uma mudança de postura por parte do setor. “Quando assumi a direção da Federarroz fui criticado por considerar que o setor precisava de profissionalização baseada na responsabilidade e disciplina financeira. Hoje, novamente caímos em uma armadilha ao ser cortado o pré-custeio.

Não é porque a presidente Dilma não gosta dos arrozeiros ou da agricultura, mas porque o ministro Levy está cortando todos os gastos possíveis, inclusive nas áreas de saúde e educação, comprometendo a economia de estados e municípios. O setor precisa disciplinar-se e poupar para possuir o mínimo de capital de giro. É esta a postura que precisa mudar para alterarmos o resultado da comercialização”, afirma.

A partir de agora o setor trabalha com a expectativa de melhora dos preços, que, de acordo com Tiago Barata, caminham para encontrar seu patamar de estabilização. “No entanto, as indústrias, que no final de junho estavam muito abastecidas, precisam consumir seus estoques para então voltarem a comprar arroz e causar uma reação de alta no mercado”, estima o diretor comercial do Irga, que atribui às exportações a esperança de aumentar a demanda da indústria nacional.

Esta avaliação é compartilhada pelo consultor Carlos Cogo, da Carlos Cogo Consultoria: “Ampliar a participação do produto brasileiro no mercado externo é fundamental para o equilíbrio do setor, embora muitos não concordem. Viemos de um endividamento histórico, que começou na década de 1990, e depois tivemos uma crise em 2000.

A situação só começou a melhorar com a retomada das exportações a partir de 2010, que proporcionaram certa estabilidade à cadeia produtiva. O volume escoado anualmente, que corresponde de 10% a 12% da safra, embora não pareça muito, não é desprezível. Não é como o milho, que chega a 30%, mas é importante”, assegura.

ANALOGIA DA SOJA
Sem financiamento para custear o plantio da safra, a alternativa encontrada pelos produtores de arroz do RS é apelar para a indústria, que adianta recursos na forma de insumos cujo pagamento será feito na colheita com a entrega do produto. Entretanto, como bem lembra o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz, o preço a ser pago pelo produto só vai ser discutido lá na frente.

O mesmo ocorre em Santa Catarina, segundo informa o produtor André Acordi. No estado vizinho, esta prática é chamada de “venda do arroz em erva”, ou seja, o produtor adquire os insumos e fertilizantes com 20% ou até 30% de acréscimo. Há também casos de indústrias que se beneficiam da declaração de aptidão ao Pronaf (DAF) com recursos contraídos a uma taxa de 2% que serão repassados aos produtores com reajustes que podem chegar a 30%.

Mas com a soja esta prática tem regras diferentes, conforme explica o diretor administrativo e financeiro da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Nelson Piccoli: “O produtor do MT vende a soja antecipada no mesmo patamar do dólar para adquirir os insumos que serão usados na safra seguinte. Assim, ao contrário do produtor de arroz, ele nunca vai perder. Além disso, na soja, apenas 60% dos custos de produção são cotados pelo dólar”, compara.

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