Arroz toca a engrenagem do progresso
Nascem em Cachoeira as indústrias gestadas pelas lavouras irrigadas.
Cachoeira, na virada do século, foi campo aberto para o crescimento da nova economia gestada nas lavouras, a indústria de beneficiamento do arroz em engenhos já considerados de grande porte para a época. Em 1887, João Frederico Pohlmann instalou uma máquina a vapor para descascar arroz. Em 1888, foi a vez de Guilherme Franke instalar um engenho hidráulico. O Engenho Central, maior deles, foi instalado em 1900 por Eurípedes Mostardeiro, João Aydos, Isidoro Neves da Fontoura e Frederico Dexheimer, ainda segundo dados de Ione Carlos e Angela Schuh.
O arroz irrigado ainda fez mais. Segundo o historiador e pesquisador gaúcho Barbosa Lessa, a técnica do plantio do arroz molhado foi observada na Itália pelo fazendeiro pelotense Pedro Osório, que trouxe o know-how para a Granja do Cascalho, obtendo uma aplicação para as águas do Rio São Gonçalo. Ainda com a força de bois puxando arado, abriu na várzea as longas canaletas por onde se espalharia a irrigação. Para puxar a água do rio, desde logo apelou para um motor elétrico, marca Lanz, de 60 cavalos de força. E, com a força de modernos locomóveis, garantiu a cobertura dos terrenos onde foram espalhadas as sementes do japonês e do agulha trazidos da Itália.
Ainda pelo relato de Lessa, Osório esperava uma colheita sensacional, mas, no fim, deu a mesma proporção de 4 por 1 habitual do arroz do seco. “O que teria acontecido de errado? Só poderia ter sido culpa dele mesmo, um ignorante nos assuntos de eletricidade e mecânica. Então, associou-se a um engenheiro conterrâneo, Gabriel Gastal, que indicou desde logo quais os melhores equipamentos da fase da colheita à moagem dos grãos”, registrou o historiador.
Na mesma granja, a nova firma, Osório & Gastal, repetiu já em 1908 a experiência, e o resultado deixou todo mundo boquiaberto: 120 sacas plantadas, cinco mil colhidas, uma produtividade de 40 sacas por hectare.
Tal sucesso repercutiu vivamente no Corredor Central, onde o município de Cachoeira não sabia que destino dar aos imigrantes alemães que, desde 1857, haviam sido assentados na Colônia de Santo Ângelo, mas marcavam passo em sua produção agrícola. Água havia à vontade, nos arroios Araçá, Porteirinha, Contenda e Barriga e nos próprios rios Botucaraí e Jacuí. Quanto ao manejar de equipamentos mecânicos, não era coisa de assustar um colono alemão.
Roberto Danemann, com seus filhos Roberto e Alfredo, é o primeiro a encarar o desafio granjeiro, e já lhe aparece nas pegadas o austríaco José Weber. O sucesso da colheita atraía mais agricultores e já se instalava na sede do município um primeiro engenheiro para beneficiamento do arroz. Nos municípios vizinhos, idêntica vibração. Em 1910, são abertas em Santa Maria as tão desejadas filiais do Banco da Província e do Banco Nacional do Comércio, logo seguidas pela filial do Banco Pelotense, na própria Cachoeira, que recebe também uma filial da Bromberg & Cia., uma das empresas mais prósperas da América do Sul, com suas modernas máquinas agrícolas, trilhadeiras, descascadoras e piladoras de arroz.
Vão se firmando os primeiros potentados da produção orizícola: Reinaldo Roesch, Jorge Franke, Frederico Treptow. Não basta produzir bem: também é preciso comercializar corretamente. Atento às lições de marketing, José Bonifácio Gomes associa-se a Guilherme Bartmann, funda a Empresa Moderna, põe-se a ensacar e empacotar arroz, cria a marca registrada Arroz Gaúcho e passa a exportar não só para o centro do país, mas também para o Uruguai e a Argentina, mesmo que enfrentando deficiências de comunicação.
O poder público também acordou, historia Barbosa Lessa. “Foi criado o 2º Distrito Telegráfico para interligar Cachoeira e Uruguaiana dentro do circuito internacional de Porto Alegre e Buenos Aires. Foi alongada a Viação Férrea com novos ramais de Santa Maria e Passo Fundo, de Passo Fundo a Marcelino Ramos e daí até Ponta Grossa, no Paraná; e de Cacequi a Bagé, Livramento e Barra do Quaraí, aqui entrando em combinação com trens que se dirigem a Montevidéu. Mas de onde sairá a energia para movimentar tudo isso? Estava claro: do riquíssimo carvão de São Jerônimo”.
Com a maior circulação de dinheiro, ativa-se o comércio em Cachoeira. As grandes lojas já podem se dar ao luxo de exibir em suas vitrinas os mais avançados produtos de consumo. O imigrante italiano José Deni passa a oferecer a quem queira os mais lindos automóveis Fiat. O libanês Hasguel Botomé atrai para a casa da Bandeira Branca a grã-finagem feminina, oferecendo os mais belos vestidos, artigos para noivas, chapéus e sapatos, enquanto Abelino Schmidt atraía os barbados para adquirirem na Chapelaria Americana os mais elegantes sobretudos, fraques e smokings.
No primeiro momento, o alfaiate João Santos se assusta com essa forte concorrência, mas não entrega os pontos: vai cursar a Academia Brumari, no Rio de Janeiro, obtém diploma de Corte Civil, volta para Cachoeira do Sul e dá um novo it à sua Alfaiataria Santos. As trilhadeiras Friedrich, de Cachoeira do Sul, eram as mais famosas e operacionais do Rio Grande do Sul, tanto que os empreendedores Schneider e Logmann, fundadores da SLC, hoje John Deere, escrevem em um de seus livros: “Fomos a Cachoeira do Sul aprender a fazer trilhadeiras”.
Pode ser que estejam escasseando no comércio os tradicionais artigos relacionados com atividade pastoril, tais como o laço, os arreios, a bombacha e o poncho-pala. Mas vão brilhando os indicadores de uma nova sociedade que está se fortalecendo. Tais como livros em branco, papel, penas de aço oferecidos pela livraria de Martin Krahe para escrita contábil, ou um milagre de tecnologia que está sendo anunciado: as canetas-tinteiro importadas, marca Conklin. O relato de Lessa mostra o quanto a engrenagem do progresso dependia do arroz irrigado.
Os locomóveis
A cultura irrigada teve um grande impulso em Cachoeira graças aos locomóveis fabricados pela empresa Mernak. Eram veículos movidos a vapor produzido pela queima da lenha. Os locomóveis acionavam bombas de irrigação, o que facilitava a inundação das lavouras de arroz. A tecnologia foi criada e otimizada em Cachoeira do Sul, tornando o município da depressão central do Rio Grande do Sul a Capital Nacional do Arroz e berço da irrigação mecânica e da adoção de implementos na lavoura comercial de arroz no Brasil.
Anote aí
Em Cachoeira do Sul acontece bianualmente a Feira Nacional do Arroz, um evento voltado para o lançamento de novidades para toda a cadeia produtiva e o fechamento de grandes negócios.
A origem do arroz
O sudeste da Ásia é apontado como o local de origem do arroz. Na Índia, uma das regiões de maior diversidade e onde ocorrem numerosas variedades endêmicas, as províncias de Bengala e Assam, bem como na Mianmar, têm sido referidas como centros de origem dessa espécie. Duas formas silvestres são apontadas na literatura como precursoras do arroz cultivado Oryza sativa. O gênero Oryza é o mais rico e importante da tribo Oryzeae e engloba cerca de 23 espécies dispersas espontaneamente nas regiões tropicais da Ásia, África e nas Américas. A espécie oriza sativa é considerada polifilética, resultante do cruzamento de formas espontâneas variadas.
A ciência do arroz
O arroz é uma gramínea anual classificada no grupo de plantas C-3 adaptada a ambiente aquático. Para expressão de seu potencial produtivo, a cultura requer temperatura entre 24°C e 30ºC e radiação solar elevada, uma vez que a disponibilidade hídrica não é um fator limitante. O arroz é cultivado em condições de solo inundado nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Botanicamente, o grão de arroz é um fruto denominado cariopse, no qual o pericarpo está fundido com o tegumento da semente propriamente dita. Este está envolvido pela casca (lema e pálea).