Arroz voltou a ser arroz
Grão devolveu boa parte da valorização obtida durante a pandemia
Depois de experimentar alguns meses de “soja”, o arroz voltou a ser arroz para os mercados doméstico e internacional. Parece uma ironia, mas é uma boa forma de ilustrar o que aconteceu entre março de 2020 e novembro de 2021.
Como em 2008/09, na crise mundial de alimentos, as commodities dispararam e as cotações bateram seus recordes em muitos países e regiões. Com o arroz não foi diferente, os preços foram elevados pela demanda gerada com a pandemia, o temor inicial de desabastecimento e da saída do mercado dos grandes fornecedores, mas a alegria durou pouco. Os preços retornaram ao patamar médio de 12 a 14 dólares.
Após a alta recorde, por causa das compras de pânico e formação de maiores estoques por consumidores e varejo, os preços do arroz em casca ao produtor no Brasil caíram praticamente pela metade em um ano, permanecendo ainda de R$ 10,00 a R$ 15,00 acima das referências pré-pandemia.
Tomando como referência o Rio Grande do Sul, que produz 72% desse grão no país, entre outubro e novembro de 2020, a saca de 50 quilos chegou a ser negociada a R$ 120,00 em algumas praças.
No início da segunda quinzena de novembro de 2021, a saca depositada na indústria tinha referência de negócios entre R$ 60,00 e R$ 65,00, em média. O indicador de preços Esalq-Senar/RS alcançou um recorde de R$ 106,34 de média, avaliando seis regiões gaúchas em agosto de 2020.
DIFERENÇA
Em dólar, o recorde de valorização bateu em US$ 20,11 em setembro do ano passado. Em 19 de novembro último, registrava R$ 64,45 de média, ou US$ 11,50. Sobre a máxima do valor em dólar durante a pandemia, são menos US$ 8,61 de diferença. A retração é de 43% na moeda norte-americana.
Em reais, da máxima à mínima do indicador no período pandêmico, a queda foi de 39,4%.
As perspectivas para o restante do ano comercial, até 28 fevereiro, não são as melhores, pois a conjuntura indica a tendência de uma baixa um pouco maior no curto prazo e a estabilização em patamares até inferiores a R$ 60,00 por saca.
Entre outras causas, porque o mercado está trabalhando com a expectativa de uma grande colheita de arroz no Brasil, em especial em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e no Mercosul a partir do fim de dezembro, e um estoque de passagem superior ao dos últimos anos.
O cenário internacional também é de preços mais ajustados em função da reação em produção e oferta dos grandes fornecedores. A preocupação aumenta com a disparada dos custos.
Preços caíram no mundo todo por quê?
O arroz é dos raros produtos cujos preços caíram com força no mundo todo após atingir um pico de alta nas cotações durante a pandemia. No Brasil não é diferente. As razões são elementares: cadeia produtiva global reativa e capaz de ampliar área, produção e colheitas recordes, rápido abastecimento, desova dos grandes estoques da Ásia, intervenções governamentais para incentivar a elevação de cultivos em países importadores.
Como o comércio mundial movimenta 8% da produção anual, e somente a China tem estoques de três vezes todo o volume de negócios globais, frente à demanda estável, não há pressão tão grande sobre as cotações como ocorre na soja, milho, proteínas, por exemplo.
No caso do trigo, que em geral acompanha o arroz, as cotações seguiram mais altas porque houve um forte impacto do clima sobre parte dos países produtores e a oferta não correspondeu à expectativa.
Por fim, o arroz é um produto sem referências de preços futuros nos grandes mercados – nos EUA o número de contratos é pequeno e não dá suporte às cotações mundiais e no Japão a bolsa bicentenária está deixando de negociar papéis de arroz também por falta de interesse e volume de negócios. Sem referências futuras, os preços oscilam conforme o cenário atual e de curto prazo. E a leitura atual, seja no mundo ou no Mercosul, é de abastecimento mais do que suficiente, o que não abre caminhos para grandes perspectivas de preços.
No Mercosul, a queda está associada ao volume de oferta bem superior à demanda. Prevendo um estoque de passagem crescente, aumento de área plantada e um clima que indica uma excelente safra, com demanda estabilizada, as cotações entraram em declínio.
Isso só poderia mudar diante de duas situações: uma tragédia que causasse grande perda produtiva no Mercosul ou o recrudescimento mundial da pandemia, gerando nova corrida aos supermercados. Duas coisas que ninguém quer.
INSUMOS
A queda de preços do arroz no Brasil e no mundo não representa apenas a perda da oportunidade de ampliar margens e rendimentos para os agricultores, mas tende a gerar um grande desequilíbrio e até defasagens em função da alta dos custos de produção.
Alguns insumos, como defensivos, chegaram a subir mais de 120%, segundo o presidente da Comissão do Arroz da Federação da Agricultura do RS, Francisco Schardong, que lamenta por boa parte dos arrozeiros não terem aproveitado a “onda” de alta para comercializarem.
“Teve quem soubesse aproveitar, mas também muita gente esperou que em 2021 o arroz voltasse a valer R$ 100,00, mas isso não aconteceu. Isso está obrigando muita gente a negociar produto sabendo que o preço atual é menor do que o custo de produção do grão que vai colher na próxima temporada”, reconheceu.
O risco de perdas se torna mais evidente quando se percebe que na safra 2020/2021 o custo da saca foi calculado pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) em R$ 72,73.
A Farsul calcula que, para alcançar remuneração adequada, os preços de venda devem superar R$ 76,32 em 2022. Esse é o patamar mínimo a recuperar os preços do arroz em casca, ao rizicultor, na próxima temporada. Enquanto isso, a recomendação é de que o setor siga buscando rotação com soja, milho, integração com pecuária e o uso de culturas de inverno para se rentabilizar.