Chega ao fim o El Niño que trouxe grandes impactos ao RS
Declarado em junho de 2023, o El Niño se desenvolveu e chegou a ficar entre a intensidade forte e muito forte (anomalia de +2,0°C na temperatura, no trimestre Nov-Dez-Jan de 2023/24), estando entre os seis mais intensos registrados desde 1950. Seu fim deverá ser considerado pela Noaa (National Oceanic and Atmospheric Administration), provavelmente, em junho de 2024. O El Niño 2023/24, além de fazer com que o ano civil de 2023 fosse o mais quente da história até aqui (globalmente), ocasionou fortes enchentes em setembro e novembro de 2023 e em abril/maio de 2024, esta sem precedentes no Rio Grande do Sul (RS).
Ainda no dia 27 de abril de 2024, o ar quente predominava sobre boa parte do RS, influenciado pela massa de ar quente e seca (onda de calor) centrada sobre as regiões do Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil. Mas, na Metade Sul do estado, a frente fria já avançava, provocando chuva forte. Inclusive, houve o registro de dois tornados, um em São Martinho da Serra e outro em Tupanciretã, ou seja, a atmosfera já estava bastante instável. Ao longo do dia 28/04 (domingo), a frente fria avançou mais sobre o RS. Só que, no dia seguinte (29/04), ela começou a se tornar estacionária e, em seguida, recuou, tornando-se uma frente quente.
Em meio a isso tudo ainda tinha o jato de baixos níveis (JBN), que transportou ar quente e úmido da Região Amazônica para o Sul do Brasil, favorecendo nuvens carregadas e chuvas muito fortes. Resumindo, o sistema frontal ficou “preso” entre as massas de ar frio e quente e teve seu potencial de chuvas favorecido pelo JBN. E, ainda, não se pode descartar o El Niño, que, mesmo em fase final, ainda estava ativo no período, favorecendo uma atmosfera global mais quente, o que potencializa esses eventos climáticos extremos.
Alguns municípios do Rio Grande do Sul registraram 400 a 800 mm de precipitação em quatro dias (Figura 1). A Normal Climatológica (NC) média no estado fica em torno de 150 mm por mês, ou seja, esse volume se equivaleu de três a cinco meses de chuva. Toda essa quantidade de chuva levou o estado à maior catástrofe climática da sua história, em que os rios da bacia hidrográfica do Lago Guaíba saíram do leito, muito deles varreram parte de alguns municípios e, quando desaguaram no Lago Guaíba, inundaram parte de Porto Alegre e Região Metropolitana. O nível do Guaíba chegou a 5,35m, superando a cota da enchente de 1941, que foi de 4,76 m.
Pelo interior do RS, as chuvas provocaram muitos estragos, sejam em residências que foram levadas pelas águas, lavouras ainda por serem colhidas, em maquinários, na infraestrutura e, até mesmo, em silos com grãos armazenados. Além disso, em muitas propriedades, as águas levaram a principal fonte de sustento dos produtores, que é o solo, onde houve lixiviação, erosão e perda de nutrientes, impactando a sua estrutura física e química, sendo necessário tempo e altos investimentos para recuperá-lo.
A anomalia mensal da temperatura da água da superfície do mar em abril de 2024 na região do Niño 3.4 foi de + 0,8°C, ou seja, o El Niño já estava com intensidade fraca. A boa notícia é que, ainda durante o mês de maio, o padrão atmosférico começou a mudar e o Oceano Pacífico Equatorial começou seu processo de resfriamento da água (Figura 2). O mês de maio teve anomalias semanais negativas na região Niño 1+2 e anomalias dentro da Normalidade na região Niño 3.4. Com o passar dos meses, esse resfriamento deverá seguir se intensificando e, com isso, tem-se a declaração da Noaa, no início de junho, do fim do El Niño e o início da fase Neutra do Enos (El Niño-Oscilação Sul), que deverá ter breve duração.
Segundo a previsão probabilística da Noaa, a expectativa é de que a fase Neutra abarque o trimestre Abr-Mai-Jun de 2024, com 79% de probabilidade (Figura 3). Já a La Niña tem 69% de probabilidade de iniciar no trimestre Jul-Ago-Set deste ano.
Supondo que a La Niña inicie em julho de 2024, deve-se considerar três meses consecutivos, pelo menos, com as anomalias no patamar de La Niña para que seus efeitos sejam melhor observados sobre o Sul do Brasil. Isso ocorreria de outubro em diante e, caso o fenômeno demore ainda mais para se configurar, seus impactos serão sentidos ainda mais tarde. Vale lembrar que o fenômeno climático La Niña impacta na redução das precipitações sobre o Sul do Brasil.
De modo geral, para junho, julho e agosto de 2024, espera-se oscilações no padrão de chuvas e, também, no de temperaturas do ar. É importante ter em mente que a Neutralidade no Oceano Pacífico não significa normalidade de chuvas e temperaturas no RS.
Segundo a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para junho e agosto, são esperadas precipitações dentro ou abaixo da média. Já para julho, o Inmet prevê chuvas acima da média no RS. Com relação às temperaturas, são esperadas incursões de massas de ar frio sobre o estado, mas isso não significa que as médias mensais serão de anomalias negativas, uma vez que, para junho e julho, o Inmet prevê anomalias positivas.
O que pode ocorrer, com o desenvolvimento da La Niña, é o inverno espichar mais, ou seja, ser mais longo. Inclusive, sob esse padrão, há risco para geadas tardias, ainda em setembro.
Diante de todo o cenário que o agronegócio do RS vem passando, salienta-se a importância do produtor ficar sempre atento às previsões climáticas sazonais e à previsão diária do tempo para tomar as melhores decisões no manejo de suas lavouras. Como a atmosfera e a temperatura da água do Oceano Pacífico estão em fase de transição, a previsão climática poderá sofrer alguma alteração nos próximos meses, portanto, é necessário ficar atento!
Jossana Ceolin Cera
Agrometeorologista e consultora do Irga.