Cinza da casca de arroz: de resíduo a coproduto

 Cinza da casca de arroz: de resíduo a coproduto

Pesquisadora organizando a colheita da safra 2014/15 e amostras de panículas para análise

As cascas de arroz têm sido utilizadas pelas agroindústrias de beneficiamento de grãos como biomassa para gerar energia e secar os grãos, gerando anualmente milhares de toneladas de um subproduto chamado cinza de casca de arroz (CCA), cujo destino tem sido o descarte no ambiente e a deposição em pastagens ou lavouras sem qualquer avaliação dos seus impactos no ambiente.

As cinzas podem ser destinadas para diversos fins, tais como pozolana em concretos, tijolos, indústria de cerâmica, adsorvente para metais pesados em efluentes industriais e matéria-prima de produtos como cerâmicas, chips, vidros e até pneus. No entanto, esses processos também envolvem a geração de outros resíduos e devido à baixíssima densidade da cinza e seu transporte por longas distâncias seu custo fica bastante elevado.

Tendo em vista resultados já consolidados dos efeitos positivos da adubação silicatada em diferentes culturas e a composição físico-química da CCA é possível que esse resíduo hoje considerado um passivo ambiental possa ser transformado, através de tecnologia adequada, em insumo agrícola de baixo custo e dentro dos MDL.

A pesquisa com o uso agrícola da CCA é muito escassa, no entanto, existem alguns indícios de que possa ser utilizada como corretiva e condicionadora de solos, sendo necessário estudar maneiras seguras para o seu uso. Dessa forma, e com baixíssimo custo, as cadeias agrícolas fechariam seus ciclos com o uso sustentável de seus resíduos.

A bióloga Maria de Fátima Marchezan pesquisa a possibilidade de uso agrícola da CCA desde 2012 com resultados promissores tanto para o solo quanto para as culturas e o meio ambiente. A pesquisa é financiada pela Cooperativa Agroindustrial de Alegrete Ltda (Caal) e tem como parceiros o Irga, a Unipampa e o Instituto Federal Farroupilha campus Alegrete.

A pesquisadora realiza todas as análises de solos nos laboratórios da Ufpel, onde realiza seu doutorado em manejo e conservação do solo e da água sob a orientação dos Drs. Luis Carlos Timm, Roberlaine Ribeiro Jorge e Ledemar Carlos Vahl.

Os resultados obtidos tanto em casa de vegetação quanto a campo têm sido divulgados em eventos nacionais e internacionais tanto pela pesquisadora quanto pela equipe de professores e de alunos bolsistas das universidades que compõem a parceria.

No ambiente protegido da casa de vegetação foram avaliadas as produtividades da cultura do milho, da soja e de duas variedades de arroz irrigado na safra 2012/13. Também foram analisadas a nodulação da soja, a capacidade de retenção de água dos solos e se a água percolada poderia conter algum elemento contaminante ou prejudicial ao solo e aos recursos hídricos.

A incorporação de doses crescentes de CCA na cultura da soja provocou incrementos no número de grãos por planta e no peso dos grãos. Os tratamentos com as maiores produtividades relativas, em relação à maior produtividade obtida na dosagem máxima de CCA, foram com 16, 4 e 32 t CCA ha-1.

As plantas apresentaram boa nodulação em todos os tratamentos, indicando que a CCA não afetou o desenvolvimento do Rhizobium. A demanda hídrica da soja cresceu na seguinte ordem dos tratamentos: 0<16<4<8<32<64 t CCA ha-1, indicando que a CCA pode interferir na capacidade de armazenamento de água do solo, o que pode estar relacionado com o fato de que ao produzirem grãos mais pesados e em maior quantidade as plantas consomem mais água.

Com relação à cultivar de milho utilizada, apesar de ser visível a maior estatura das plantas nos vasos com maior adição de CCA, os resultados estatísticos mostraram que não houve diferença significativa entre os tratamentos dos parâmetros analisados, como altura de planta, altura de inserção de primeira espiga, diâmetro de colmo e número total de espigas.
Para as culturas de arroz irrigado, apenas uma das variedades apresentou ganhos significativos de produtividade justificada em 97% pela adição da CCA no solo. A produtividade dobrou nas dosagens de 8 para 16 e de 32 para 64 t CCA ha-1 e manteve-se inalterada com o acréscimo de 4 t CCA ha-1.

As análises químicas da água percolada e armazenada durante todo o ciclo das culturas, em dosagens até 256 t ha-1 de CCA, não identificaram a ocorrência de metais pesados como cádmio, cromo, chumbo, níquel e mercúrio. O pH ficou próximo da neutralidade e todas as amostras apresentaram valores abaixo dos limites estabelecidos pelos órgãos fiscalizadores competentes para os elementos fósforo, nitrogênio total e carbono orgânico total, considerados eutrofizantes.

Na área experimental a campo foi cultivado arroz irrigado com doses cumulativas de CCA ao longo de três anos. A área foi dividida em 20 parcelas, sendo quatro testemunhas sem cinza e 16 com cinza: 4, 8, 16 e 32 t de CCA ha-1 ano, totalizando em 2015 as dosagens de 12, 24, 48 e 96 t de CCA ha-1 ano. Foram coletadas amostras de solo ao longo dos três anos para avaliações da qualidade física, química e biológica, além da avaliação de parâmetros da cultura tais como produtividade, massa seca, macro e micronutrientes em folhas e grãos, peso de grãos e qualidade de indústria.

Alguns desses parâmetros ainda se encontram em avaliação pela doutoranda, mas os resultados são promissores, pois não foram encontradas restrições à penetração de raízes até 60 centímetros de profundidade e as parcelas que receberam até 64 t de CCA ha-1 não apresentaram diferença estatística da área em pousio no que se refere à agregação do solo. No que se refere à fertilidade, ocorreu incremento do pH.

A incorporação de até 64 t ha-1 de CCA não provocou impactos negativos para a microbiota do solo, havendo inclusive um incremento do carbono da microbiota do solo.

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  • cinza de arroz

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